DAS ARENGAS NO RACHÃO - Nicolito é o apelido de João Uóxito Conceição da Silva, homônimo do
maior cantor brega da redondeza, filho de dona Josefa da Conceição e de pai
ignorado no registro, mas tido por ditos e provados ser um tal de Zé Marreta
que era tão fã do dito crooner de
sucessos - razão pela qual, apesar das raivas e desencontros, o famigerado
intérprete da lubrificação das gaias musicadas foi devidamente laureado -,
tinha lá duas paixões na vida: Lauritilia e sua cadela Xola. Não sabia ele por
que cargas d’água era surpreendido a todo momento e nas horas mais indevidas
pela amada, isso se tivesse largado do trabalho e resolvesse tomar umas e
outras com os pariceiros calungas e os da laia de porqueiras, ou caísse na
gandaia dos arrasta pés por rabos de saias perdidas, ou no jogo de porrinhas
entre pitacadas e pinoias, fosse pronde fosse, ela chegava gasguita, mãos no
quarto, batendo o pé e com a cara de poucos amigos, esporrenta de arrear a
lenha nos seus costados de safadezas, a levá-lo aos puxões de orelhas direto
para seu cafofo, lá tratado na maior rédea curta, para acabar jogado a um canto
do chão, agarrado com alisados na cadelinha, apertando cada vez mais o seu
juízo pouco. Peraí, Lauritilia, meu amor. Muxoxos e desavenças. No meio disso,
Nicolito ficava com aquela cara de interrogação, desconfiado, cismando: Como é
que ela adivinhava onde estava toda vez que saísse da pisada, não havia como
saber, nem mesmo passava na ideia queimando nas catracas do tino, ao chegar de
sopetão na casa dela e ela não estava, deitava no sofá aos cochilos até o dia
amanhecer e ela, chegando de farras e copos, surpreendida com a presença dele, arreliar
que não gostava de surpresa e que ele fizesse a fineza de avisar quando fosse
dar as caras, ao que ele passou na lata os três anos de convivência e da sua
fidelidade repassando às mãos dela amada todos os ganhos e afetos, e ela nem
aí, a casa era dela e como dona a lei tinha que ser como queria e dito e
falado, ponto final e que ele se mandasse dali já e só aparecesse quando ela
autorizasse, nada mais que isso. Nicolito saía cabisbaixo revoltado com o
circuito no quengo para amarrar o bode por meiotas e lapadas de cana, a repetir
que qualquer sujeito só vale pelo que tem, pois quando ele se danava lascado
com o espinhaço no pesado, e no final de semana, apurado no bolso das caranhas pra
ela, é toda dente aberto fazendo pinto na feira, carinhos e vuque-vuque, mas
quando liso apertado, sem um tostão no bolso, é logo enjeitado de ficar no
castigo da punheta, isto se quiser tê-la quando ela der na telha de querer e
nada mais. Tampo cheio das biritas, arengas com um e outro, aqui e acolá, corno
uma porra! Zé do Mé exige respeito, aqui é ambiente familiar, radiola de ficha
às alturas, ele se arreta arrepiando o pentelho, manda tudo para a puta que
pariu, trocando as pernas, vendo alma pelos escuros, alisando Xola, oxe, essa
cachorra por aqui! Como é que pode? Ela me achou, me acha sempre essa danada,
dentes no coarador. Dali a pouco, dava fé, Lauritilia com maus bofes: Vai pra
onde, traste! Vou me danar no mundo! Amanse as gaias, safado! Tou puto! Ela
deixa de mão, se dane peste! Ele enfia o dente nas talagadas de dois dedos,
chega dá um palmo de copo na vira-virou e pei pou uh rá, cambaleia, teve um
estalo: É a Xola o alcaguete! Cadê-la? Sumiu-se de novo, foi com a dona. E era
mesmo, nem contava com isso. Ah, como não pensei nisso, é aquela cachorra quem
me caça e diz pra ela. Fica fulo, maldiz da vida, e ao primeiro desafeto uma
mãozada praguejando: Corno é a sua mãe! Mais chatos engrossam o caldo tomando
as dores, enchem-lhe de porradas, dele cair roto na sarjeta. A polícia aparece,
só dá ele. No outro dia, esporro do delegado: Lauritilia deu parte dele. Ameaça
em riste: se se aproximar duzentos metros da casa dela, meto-lhe na cadeia pro
resto da vida, seu fresco da gaia mole. Perdeu o dia, a carona, vai pro fiado
do Rachão onde ofendidos, pilantras e gaiúdos vão afogar mágoas, passar
rasteira e botar em dia o chapéu de otário; enche o tampo praguejante, xinga
deus e o mundo, tabefe rola aos empurrões, esquenta o pé da orelha, quebra o
pau da venta, mão fechada dormente, perde três dentes, safanões de entortar o
gogó, chute nos colhões, pesadas de bico nas canelas, envergada na costela, teibei,
até uma navalha abrir-lhe o bucho dos seus bofes pularem fora de dor para nunca
mais. Assim foi. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Nascera ali, numa casinha de três cômodos,
atrás de um armazém que prosperara. Ali perdera o pai, que era embarcadiço,
conhecera o mundo a pasmo, outras gentes. Os japoneses comiam arroz com pauzinhos;
os chineses adoravam filhotes de ratos fritos na manteiga; num lugar não sabia
onde, os indígenas matavam os pais quando estes ficavam velhos; na África, as
mulheres é que trabalhavam, os homens ficavam dormindo em casa, bebendo,
fumando e se abanando por causa do calor! Deixava-a falar e ela falava muito. [...]
Eu olhava seu corpo, não respondi. Mas
sentia que ela fugiria mesmo, um dia, para nunca mais. Não sei por quê, nada
fazia para prendê-la. Aceitava a idéia de fuga como um acontecimento que não podia
deixar de ser. As mãos dela eram quentes, apertavam. Os seus olhos eram bem o
chamado do mar, o chamado das ondas do mar, o chamado das ondas de um mar
desconhecido, verde, fundamente verde, misterioso. [...] - Não devia ter vindo. Eu tremi e paramos numa
pequena ponte, como se, muda e previamente, tivéssemos combinado parar, não ir
para a frente, ficarmos ali para sempre pregados. A lua é paz, é pálida, e nós
tão pálidos. As horas correm, o barulho do rio correndo tinha uma tristeza de
morte. [...]
Trechos
do conto extraído da obra Stela me abriu a porta (Globo, 1942), do escritor e
jornalista brasileiro Marques Rebelo (1907-1973). Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE RENINA KATZ
Enquanto eu viver, não
estou acabada. Essa é uma atitude otimista, à medida que imagino que eu possa
me aperfeiçoar como pessoa. Se alguém ainda está num processo de
aperfeiçoamento, não está acabado.
A arte da gravurista, desenhista, aquarelista,
ilustradora e professora Renina Katz,
integrante da primeira geração de grandes gravadoras brasileiras que concedeu
uma entrevista (Estudos Avançados, 2003), à crítica e historiadora de arte,
Radhá Abramo. Veja mais aqui e aqui.
A MÚSICA DE NINA BECKER
A arte
da premiada cantora, compositora e cenógrafa Nina Becker, que deu início à sua carreira como editora de arte de filmes
e na Orquestra Imperial, que lançou em 2010 os discos Azul, com faixas autorais e parcerias, e Vermelho, com improvisos e intensidade, gravado ao vivo. Em 2014,
lançou o álbum Minha Dolores –
Nina Becker canta Dolores Duran. Em seguida, lançou o seu quarto álbum
Acrílico (YB Music, 2017), reavivando sons da década de 1960 e com repertorio
quase inteiramente autoral. Merece registo que, em 2009 foi eleita como melhor
cantora pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e destacada como
artista mais influente da sua geração pela revista Bravo! Veja mais aqui.
&
A OBRA DE HONORÉ DE BALZAC
Todo aquele que contribui com uma pedra para
a edificação das ideias, todo aquele que denuncia um abuso, todo aquele que
marca os maus, para que não abusem, esse passa sempre por ser imoral.