DOS EMBALOS, O AMOR – Demervaldito quase bate as
botas: levou uma peixeirada bem onde fica o coração e não morreu. Dessa vez
Damianita passou da conta. Ou foi ele que não cansava de aprontar, ora. Toda
vez que ele se enxeria pras bandas doutra saia, ela ameaçava: Eu lhe capo! Ele
só ria, nem nem. Mas vamos lá! Tudo começou quando ela sorriu naquela tarde em
que tudo dava errado, dos males o menor. Nem se deu conta direito, só caindo em
si muito depois, aí deu fé: estava gamado de fazer pena. Nunca se viu como,
prestava para mais nada. Pode ser o melhor sujeito do mundo, basta entrar
mulher na história, muda de figura na hora. Ainda por cima, ela afável, na flor
da idade com o cabelo escorrido, franja na testa, uma lindeza tímida, passiva,
serelepe naquele vestidinho de alça, intocável, inteiriça, toda demasiada para
ele, grandiosa, caiu do céu. Os olhos, que olhos! Era como se pedissem sempre. A
boca, que lábios, tudo desejavam. O abestado endoidou por ela: Eita, mulher dos
diabos! Ele estremecia todo atrapalhado, vivia tonto, vidrado nela. Subornava um
e outro só pra saber dela, onde morava, para onde ia, cadê-la! E ao vê-la,
rodeava espantado. Conseguiu dois dedos de prosa, ela fácil, risonha. O namorico
deu no maior dueto. A coisa ia bem, um pro outro, idílio lindo. Arengavam vez
ou outra, renovavam plangentes, juras de amor eterno. Contudo, o cara
madraceava pulando cerca impune feito cabrito solto. Ao ser flagrado na
perfídia, oxe, ora perrengue, chega ficava mole, maior lerdeza. Seu tratante! Ele,
num pé e noutro, dobrava ajeitados, reconciliavam-se. Porém, não tomava tento, não
podia ver rabo de saia que perdia a cabeça. Ela na ameaça: Pulou fora, eu
corto! Quando mangavam, ele: Sou lá moça, meu! Brinque não, rapaz, abre o olho!
Maior badalo: Macho de responsa não passa aperto. Nisso levava tudo na flauta,
aprendia o que não servia para nada e se virava na vida, tudo se arranjaria de
um jeito ou de outro, errava zanzando. Vem dela chamar na grande: E aí? Ele meio
lá, meio cá. Tome jeito! Ele sempre nem aí. Vai dela começar enxoval, pensar
numa casa arrumada, filhos, coisas de marido e esposa. Ele abria os olhos:
Noivos? Passava o tempo, na verdade: dois anos, dois meses e dois dias. Já? Dos
minutos pras horas, ela fechando o cerco, papeis no cartório pra cônjuge,
reuniões na igreja que ele ia na marra, o padre e o rol das responsabilidades
esponsais. Ele saía doidinho dessas coisas, enchia o tampo, acordava assustado:
Casamento? Não é papo para mim. Foi daí caiu na fraqueza. Ela, em cima da
bucha, pegou-lo com a mão e tudo na botija. Olhou pros lados, pegou o que
estava mais próximo, cravou-lhe no peito, com raiva, para matar. Escapou
fedendo, ela não sabia: o coração dele é do lado direito. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Aquilo,
sim, meu Deus, era um mundo! [...] Cada
vez que me faltam fósforos é ela que vem. Que me procura à toa, por
banalidades. Chega-se, tira-me o cigarro da boca, ascende-o e recoloca-o na
minha boca. Numa insolência que dá vontade de bater. E quando olho para aquela
janela... São os seus olhos que estão me comendo, pedindo. [...] E eu que não procurei nada... está certo que
sou maluco por ela. Fujie, ideal de beleza de todas as graças que vejo nas
coisas do Japão. Que me surgiu a eclodir como o máximo. É verdade. Entretanto,
nunca disse nada, nunca nem de leve um gesto inusitado que demonstrasse. Sempre
eu a tapar tudo. [...] O diabo é que
vivo agitado, as idéias coladas nela, nos braços, nas ancas, não sei.
Impossível desguiar. Olhei para aqueles cabelos, dei com o corpo inteiriço.
Desejei. Sonhei. Com os olhos de Fujie, sonhei, com a boca, com Fujie inteira.
Disse seu nome sei lá quantas vezes, rabisquei-o em todos os papéis, dez,
vinte, um milhão de vezes. Amassei-os. Fiz tudo de novo. Os olhos rasgados me
pedindo me comendo. Quando em quando, ninguém nos vendo, leva minhas mãos a
seus peitos para sentir o calor. Beijei seu retrato que eu havia fotografado e
chorei que nem um moleque. Primeiro abalo na minha vida. Mas eu não disse nada.
[...] Fujie, Fujie que insiste há meses.
Que tenta, que procura, que espera. Eu tímido, abobalhado. O calor que se emana
dos seios me dá vontade... fazer uma maluqueira à frente de todos.
Escorraçando-me das conversas, dos encontros de olhos [...] Minha vontade é não voltar ao estúdio do
senhor Teikan. Tomar sumiço da Liberdade. Fazer uma asneira tremenda [...] Sozinhos, mostra-me a língua, numa
provocação a que não resisto [...] encolho-me,
esgueiro-me. Humilhado e pequeno. Se eu quisesse, lhe diria desaforos
tremendos... Mas eu nunca tive coragem. [...] Eu a enlacei. – Nega, benzinho... Lá fora a chuva fazia festa no
telhado. No quarto algumas moscas estavam numa agitação irritante. Eu só sabia
que estava fazendo uma canalhice. Ia chover mais, ia chover muito. Era chuva
que Deus mandava. Eu fazia um esforço para me agarrar à ideia de que não era
culpado. Culpada era a avenida, era a noite, era a chuva, era aquela coisa.
[...].
Fujie,
conto extraído da obra Malagueta, Perus e Bacanaço (Civilização
Brasileira, 1963), do escritor e jornalista João Antonio (1937-1996).
Veja mais aqui e aqui.
MULHERES ARTISTAS
A obra Mulheres Artistas nos Séculos XX e XXI (Série
Icons – Taschen, 2003), da editora alemã Uta
Grosenick, reúne as mais diversas formas do trabalho artísticos das
mulheres do século XX, com ilustrações e textos selecionados, destacando
artistas como Marina Abramovic, Laurie Anderson,
Janine Antoni, Vanessa Beecroft, Louise Bourgeois, Hanne Darboven, Sonia
Delaunay, Rineke Dijkstra, Marlene Dumas, Tracey Emin, Valie Export, Sylvie
Fleury, Katharina Fritsch, Ellen Gallagher, Isa Genzken, Nan Goldin, Natalia
Goncharova, Barbara Hepworth, Eva Hesse, Hannah Höch, Candida Höfer, Nancy
Holt, Jenny Holzer, Rebecca Horn, Magdalena Jetelová, Frida Kahlo, Toba
Khedoori, Lee Krasner, Barbara Kruger, Louise Lawler, Tamara de Lempicka,
Sherrie Levine, Agnes Martin, Tracey Moffatt, Mariko Mori, Shirin Neshat,
Louise Nevelson, Cady Noland, Georgia O´Keeffe, Yoko Ono, Meret Oppenheim,
Elizabeth Peyton, Germaine Richier, Bridget Riley, Pipilotti Rist, Susan
Rothenberg, Niki de Saint Phalle, Carolee Schneemann, Cindy Sherman, Kiki
Smith, Elaine Sturtevant, Rosemarie Trockel, Adriana Varejão, Kara Walker, Pae
White, Rachel Whiteread. Veja mais aqui, aqui & aqui.
A MÚSICA DE CELIA DEMEZIO & GRUPO NOIR
Curtindo
esta semana o ótimo álbum Sorrisos
Crônicos (2019), reunindo o trabalho musical autoral da cantora, poeta e
compositora Célia Demezio e do grupo
Noir, formado pelos músicos Dominic Gourd, Tanauan Nogueira e Daniel Abecassis
Figueiredo, além dos arranjos de Muniz Crespo e Ivan Dos Santos Muniz, incluindo
as participações Xandra Joplin, Helldrigo Tatari Gami, Ayrton Mugnaini Jr.,
Tiago Bode, Newton Antonio Arantes, Ivani Gonçalves Correa, Bruno Correria
Bergamota. Veja mais aqui, aqui & aqui.
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A OBRA DE ZYGMUNT BAUMAN
O desafio atual é composto
de três partes: o interregno, a incerteza e a disparidade institucional, mas
cada parte remete às outras duas, que são inseparáveis.