QUE BRASIL É ESTE? - Ainda ontem perguntaram: que droga de país é este, mas
diziam como se fosse esse, coisa de não ter nada a ver. Pra quem disse assim, o
problema era só meu, não era dele, só daquele, e insistia pra mim: é seu! E
mais dizia: Você e todos não sabem votar! Tenho dito! Será o Benedito? Isso entrava
noite pelo dia, maior o esculacho, metendo bronca a pacutia. Em riba da fivela,
insistia o soberbo: se fosse eu resolvia na sola, pena de morte, só degola,
coisa certa no corte, sem pantim. Ah, se fosse assim, garantia, seria outra
coisa, não sobraria raposa pra farra no galinheiro. A culpa é do brasileiro – e
ele que exaltava a si, assim não se achava, ôôôôôô. Esse o Brasil do vitupério
e nunca foi levado a sério por quem quer que seja, ou que pragueja por ter dado
de bandeja o que era e o que não era de seu, ôôôôôô. Onde tudo escureceu porque
afanaram sem escarcéu, todas as estrelas do céu, de ficar só no hora veja, no
aperto até gagueja, sem conseguir enganar nem a si mesmo, pintando todo de
escorreito, só no deixa disso, ôôôôôô. Esse é o país do reboliço, de burlar o
compromisso e qualquer avença aquiliana, feito fizeram com Mariana ou no Alto
Xingu, pra todos tomarem... café, ôôôôôô, sem saber que são carniça pronta só pra
urubu, ôôôôôô. Tudo é só caroço no angu para maior congestão, vale só corrupção
a pisar todos os mortos, aos trancos e barrancos, de só pegar se for ao arranco
das noticias fabricadas, ôôôôôô, pras comemorações de nada a requebrar de
felicidade urgente efêmera, ôôôôôô, como se durasse o final feliz da telenovela
e a juntar bufunfa escusa no pé do cipa, enquanto muitos choraram a desdita com
a cabeça pelas tabelas, ôôôôôô. O país que tudo se leva no bico ou nas coxas, aos
esparros porque tem a coisa roxa, a dançar qualquer batuque na lata,
cantarolando que nem saci na academia e corredores do Arroio ao Chuí, porque é
sempre carnaval e daí ou coisa correlata, seja por bem ou por mal, ôôôôôô, isso
aqui ôôôôôôô é isso aqui. Mas que Brasil é este do incêndio de museu e o que
toma o que é meu ou seu como se dele fosse, quando a má notícia trouxe de que
tudo se perdeu com a plataforma P36 da Petrobras, a sair abanando o rabinho
atrás, enquanto a gente espreme entre as pernas, coisa que agora vira eterna
para nunca mais, ôôôôôô. O que é que a gente faz se podres poderes levam a geringonça,
com tantas mãos tão sonsas de quase nem adivinhar o sangue da canela à rótula,
se tudo é na força da espórtula, seja guerra, seja paz, ôôôôôô. E tanto faz se
caeté exterminado ou qualquer tupi-guarani despejado terrafora, com pretos e
gringos excluídos, a perder os possuídos em cada passo alvissareiro que o país
desce a ribanceira, falta freio na ladeira, viva o povo brasileiro, ôôôôôô. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo & aqui.
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Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música de Chico Buarque, Maria Rita, Gal Costa, Leila Pinheiro, Caetano
Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, A Cor do Som, Caju & Castanha, Capital
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conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Não
há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio. [...] Há uma pluralidade nas relações do homem com
o mundo, na medida em que responde à ampla variedade dos seus desafios. Em que
não se esgota num tipo padronizado de resposta. A sua pluralidade não é só em
face dos diferentes desafios que partem do seu contexto, mas em face de um
mesmo desafio. No jogo constante de suas respostas, altera-se no próprio ato de
responder. Organiza-se. Escolhe a melhor resposta. Testa-se. Age. Faz tudo isso
com a certeza de quem usa uma ferramenta, com a consciência de quem está diante
de algo que o desafia. Nas relações que o homem estabelece com o mundo há, por
isso mesmo, uma pluralidade na própria singularidade. E há também uma nota
presente de criticidade. [...] Mas,
infelizmente, o que se sente, dia a dia, com mais força aqui, menos ali, em
qualquer dos mundos em que o mundo se divide, é o homem simples esmagado,
diminuído e acomodado, convertido em espectador, dirigido pelo poder dos mitos
que forças sociais poderosas criam para ele. Mitos que, voltando-se contra ele,
o destroem e aniquilam. É o homem tragicamente assustado, temendo a convivência
autêntica e até duvidando de sua possibilidade. Ao mesmo tempo, porém,
inclinando-se a um gregarismo que implica, ao lado do medo da solidão, que se
alonga como “medo da liberdade”, na justaposição de indivíduos a quem falta um
vínculo crítico e amoroso, que a transformaria numa unidade cooperadora, que
seria a convivência autêntica. [...] encarávamos
e encaramos a educação como um esforço de libertação do homem e não como um
instrumento a mais de sua dominação. [...] que a palavra seja compreendida pelo homem na sua justa significação:
como uma força de transformação do mundo. Só assim a alfabetização tem sentido.
Na medida em que o homem, embora analfabeto, descobrindo a relatividade da
ignorância e da sabedoria, retira um dos fundamentos para a sua manipulação
pelas falsas elites. Só assim a alfabetização tem sentido. Na medida em que,
implicando em todo este esforço de reflexão do homem sobre si e sobre o mundo
em que e com que está, o faz descobrir “que o mundo é seu também, que o seu
trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de amar — e ajudar o
mundo a ser melhor”. [...]. Trecho extraído Educação como prática da liberdade (Paz e Terra, 1967), do sociólogo e pedagogo Paulo
Freire (1921-1997). Veja mais aqui.
O POVO BRASILEIRO - [...] A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como
variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental,
diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros
africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de
características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas
potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam
plenamente. A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia
ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de
componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez
que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros
os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas
minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas
próprias e disputantes de autonomia frente à nação. [...] Por essas vias se
plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser dos brasileiros, que
permitem distingui‐los, hoje, como sertanejos do Nordeste,
caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do
país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo‐brasileiros, teuto‐brasileiros, nipo‐brasileiros etc.
Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que
pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou de
miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra
parcela da população. [...] O povo‐nação não surge no
Brasil da evolução de formas anteriores de sociabilidade, em que grupos humanos
se estruturam em classes opostas, mas se conjugam para atender às suas
necessidades de sobrevivência e progresso. Surge, isto sim, da concentração de
uma força de trabalho escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis
alheios a ela, através de processos tão violentos de ordenação e repressão que
constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável.
Nessas condições, exacerba‐se o distanciamento social entre as classes
dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as
oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico‐cultural e da
unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático. Em consequência,
as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso‐brasileiras e,
afinal, brasileiras, viveram sempre e vivem ainda sob o pavor pânico do
alçamento das classes oprimidas. Boa expressão desse pavor pânico é a
brutalidade repressiva contra qualquer insurgência e a predisposição
autoritária do poder central, que não admite qualquer alteração da ordem
vigente. A estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e
remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde
habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam
a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana
entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e
a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural. A
façanha que representou o processo de fusão racial e cultural é negada, desse
modo, no nível aparentemente mais fluido das relações sociais, opondo à unidade
de um denominador cultural comum, com que se identifica um povo de 160 milhões
de habitantes, a dilaceração desse mesmo povo por uma estratificação classista
de nítido colorido racial e do tipo mais cruamente desigualitário que se possa
conceber. O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada,
como falsa, "democracia racial", raramente percebem os profundos
abismos que aqui separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo
não conduz a conflitos tendentes a transpô‐lo, porque se
cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos dos pobres, como se fossem
castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de
indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram
ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a alternidade. O
povo‐massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um
sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é
consentido e concedido. Inclusive o dom de serem, às vezes, dadivosos, mas
sempre frios e perversos e, invariavelmente, imprevisíveis. Essa alternidade só
se potencializou dinamicamente nas lutas seculares dos índios e dos negros
contra a escravidão. [...]. Trechos da obra O
povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (Companhia das Letras,
1995), do antropólogo e escritor Darcy Ribeiro
(1922-1997). Veja mais aqui.
VIVA O POVO BRASILEIRO – [...] Quando
os padres chegaram, declarou-se grande surto de milagres, portentos e
ressurreições. Construíram a capela, fizeram a consagração [...] Levantaram as imagens nos altares [...] Depois da doutrina das mulheres, que então
eram arrebanhadas para aprender a tecer e fiar para fazer os panos com que
agora enrolavam os corpos, seguia-se a doutrina dos homens, sabendo-se que
mulheres e homens precisam de doutrinas diferentes. [...] Na doutrina da tarde, às vezes se ensinava a
aprisionar em desenhos intermináveis a língua até então falada na aldeia, como
consequência de que, pouco mais tarde, os padres mostravam como usar
apropriadamente essa língua, corrigindo erros e impropriedades. [...] Mas estaria aqui mesmo, esse orixá? Que vinha
fazer tão longe de seus terreiros e de seu povo [...] Zé Popó resolveu que estava pensando bobagens, dando corda demais ao
pensamento. [...] Dia bonito,
felizmente, dia claro, até podia dizer cheiroso. Mas os matos, que há nos
matos? Se é Oxóssi nos matos, que faz ele nesses matos? [...] Zé Popó pulou para atender a um chamado do
oficial e, a caminho, viu um grupo de soldados saindo às carreiras da floresta.
[...] chiou e explodiu uma espécie de
rojão, soou o toque de chamada ligeira, soldados formigaram de todos os cantos
desfazendo os sarilhos como se fossem de palitos [...] os oficiais começaram a gritar [...]. Veio a República e ela pregou que tanto fazia como tanto fez, que nem
rei nem presidente estava pensando no povo e podiam esperar até vida pior. Como
de fato foi o que se viu depois, a seca piorando, as terras sendo tomadas dos
pobres, a escravidão pior do que antes, o coronel mandando mais que o imperador
de Roma, o povo de cabeça baixa, os despossuídos cada vez mais despossuídos e
os possuídos cada vez mais despossuídos, por isso se dizendo que a República
trouxe a lei do Cão. [...] – Estamos aqui em missão oficial, com o objetivo de reprimir uma
rebelião contra os integrantes da República. A República, uma conquista do povo
brasileiro, [...]. Os
senhores não devem fidelidade à Coroa de Bragança, como desobedientemente,
sediciosamente professam, violando a lei e afrontando a autoridade [...]. – Não devemos nada a ninguém, todos nos
devem! – disse uma voz de mulher vinda do canto escuro do salão. [...] – Deixe estar - disse. – É dona Maria da Fé.
– O povo brasileiro não deve nada a
ninguém, tenente. [...] Que nos dá a
República? Dá-nos mais pobreza. Que nos manda a República? Manda seu exército nos
matar. A história de vocês sempre foi de guerra contra o próprio povo de sua
nação [...]. Aqui neste sertão,
morrerão muitos desses heróis, mas o povo não morrerá, porque é impossível que
o povo morra [...]. Vocês são
traidores do seu povo e assim deveriam morrer. E vão morrer. [...], porque ainda não será esta expedição que
esmagará o povo de Canudos. [...] Viva
o povo brasileiro! Viva a nós! [...]. Trechos extraídos da obra Viva o povo
brasileiro (Nova Fronteira, 1984), do escritor, jornalista e
professor João Ubaldo Ribeiro (1941-2014). Veja mais aqui.
CANÇÃO PARA OS FONEMAS DA ALEGRIA – Peço licença para algumas coisas. / Primeiramente para desfraldar / este
canto de amor publicamente. / Sucede que só sei dizer amor / quando reparto o
ramo azul de estrelas / que em meu peito floresce de menino. / Peço licença
para soletrar, / no alfabeto do sol pernambucano, / a palavra ti-jo-lo, por
exemplo, / e poder ver que dentro dela vivem / paredes, aconchegos e janelas, /
e descobrir que todos os fonemas / são mágicos sinais que vão se abrindo / constelação
de girassóis gerando / em círculos de amor que de repente / estalam como flor
no chão da casa. / Às vezes nem há casa: é só o chão. / Mas sobre o chão quem
reina agora é um homem / diferente, que acaba de nascer: / porque unindo
pedaços de palavras / aos poucos vai unindo argila e orvalho, / tristeza e pão,
cambão e beija-flor, / e acaba por unir a própria vida / no seu peito partida e
repartida / quando afinal descobre num clarão / que o mundo é seu também, que o
seu trabalho / não é a pena que paga por ser homem, / mas um modo de amar — e
de ajudar / o mundo a ser melhor. Peço licença / para avisar que, ao gosto de
Jesus, / este homem renascido é um homem novo: / ele atravessa os campos
espalhando / a boa-nova, e chama os companheiros / a pelejar no limpo, fronte a
fronte, / contra o bicho de quatrocentos anos, / mas cujo fel espesso não
resiste / a quarenta horas de total ternura. / Peço licença para terminar / soletrando
a canção de rebeldia / que existe nos fonemas da alegria: / canção de amor
geral que eu vi crescer / nos olhos do homem que aprendeu a ler. Poema
extraído da obra Faz escuro mas eu canto:
porque a manhã vai chegar (Civilização Brasileira, 1965), do premiadíssimo
poeta amazonense Thiago de Mello. Veja mais aqui.
O BRASIL DE SEBASTIÃO SALGADO
AGENDA
&
Quando o
Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
&
Fecamepa
de 7 de setembro aqui.
&
Brasil a sério, não ria!, Murilo Mendes, Darcy Ribeiro, Zhu
Hongyu, A verdade de Hans-Georg Gadamer, Princípio da responsabilidade de Hans Jonas, Mentir de David Livingstone Smith, Gustav Holst, Alisa
Weilerstein, Nelson Ayres & Mona
Gadelha aqui.