A FOGUEIRA DAS ESCOLHAS - Imagem da artista visual Tania Britto. - Acordar e o primeiro pensamento aos pesadelos
terríveis ou sonhos de amanhã, quem sabe qual na corda bamba, se na rede dos
desejos tudo é sempre o que vem de jamais chegar ou já foi para nunca mais, só
esperança retardatária no agora é tarde e Inês está pra lá de morta faz tempo. Melhor
abrir os olhos bem devagar, o dia nem bem amanhecido, ainda o friínho da
madrugada, tudo às claras, mas nem tanto, alguma sombra da escuridão emerge pelos
cantos escondendo possíveis fantasmas jamais revelados, nem dá pra ver direito outro
dia talvez no alvoroço dos pássaros, e tudo poderá acontecer de uma hora pra
outra, ou não, o tédio de uma rotina; ou mantê-los fechados ou quase, demorar as
pálpebras cerradas pra ver se pega o cochilo perdido e voltar a pensar nas
coisas, fantasias desejadas, e descansar de um lado pra outro, pra ver se algo
de repente muda tudo, não sei, nem sempre é possível verificar direito o que
está acontecendo. Melhor levantar porque acordou Maria Bonita para fazer o café
e a polícia ainda dorme ausente, só mais tarde é que o burburinho vai misturar
buzinadas e sirenes e motores e passadas e vexames e corre daqui pra acolá, dali
pra lá, pra direita ou esquerda, pra lá ou pra cá, pra frente ou pra trás, não
há como repassar, só retornar e começar tudo de novo, da estaca zero; e se
perder a viagem, não esquenta, pega a próxima ou desiste e vai pra outro lugar.
Tudo pronto pra andar, um, dois, passo a passo, pula academia ou finge balançar
o esqueleto; e se ficar, tudo pode passar e não terá outra vez; e se for, não
vá se arrepender, aprenda como se fosse a primeira vez, passou batido, já era,
não é mais, nem tudo volta ou vai duma vez, assimile. Relógio não para, o tempo
mudou, não há que esperar coisa ruim nem por milagres que caiam do céu assim do
nada, seguir adiante, às piruetas, mesmo que pareça não sair do lugar; não
adianta se não sabe de cor, a refazer as pegadas, algum rastro pode
desencaminhar e aí era ontem a mesma coisa, só achar o caminho de volta se
puder ou pegar o atalho, passar pelo beco, sair na transversal só pra mudar o
trajeto que dá no mesmo entre risos e fracassos, nem sempre alegria, nem sempre
impune com as reladas de venta, sempre imprevisível, quase possível ou impossível,
na vera: quase acusação, quase indefensável; qualquer dúvida olha pra trás e
dobra a esquina pra surpresa, ou nada demais, era só expectativa e deu na mesma
coisa do labirinto quase desvelado, mas não vá à toa, leme qualquer na bússola
para não escarnecer da sorte, porque mesmo à deriva ninguém escapa das lâminas
da escolha e o feito está feito, favas contadas. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música do maestro e compositor Eleazar
de Carvalho
(1912-1996): Sympnhony 1 Mahler & òpera Tiradentes – Abertura, 3º & 4º
atos & muito mais nos mais de 2
milhões & 600
mil acessos ao
blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – [...] Se
queremos, pois, salvar esta civilização, se não a queremos submersa em séculos
de barbarismo, mas antes consolidar os tesouros da sua herança em alicerces
novos e mais estáveis, torna-se, sem dúvida, necessário que todos os viventes
compreendam bem até que ponto a decadência já avançou [...] embora seja verdade que a sociedade vai tomando
este rumo, isto é, a direção de maior controle técnico no exercício do poder e
do cálculo prudente dos efeitos desejados, o tipo humano tornou-se ao mesmo
tempo mais e mais indisciplinado, mais pueril, mais suscetível a reações do
sentimento, e os nossos governantes não são homens de aço [...]. Trechos
extraídos da obra Nas sombras do amanhã:
diagnóstico da enfermidade espiritual do nosso tempo (Armênio Amado, 1944),
do professor e historiador neerlandês Johan Huizinga (1872-1945), defendendo
uma nova cultura no solo da humanidade para uma regeneração interior do
individuo, uma modificação do habitus
espiritual do homem. Veja mais aqui.
DE PERTO E DE LONGE – [...] Queria
mostrar que não existe um fosso entre o pensamento dos povos chamados
primitivos e o nosso. Quando, em nossas próprias sociedades, observávamos
crenças ou costumes estranhos, que contrariavam o senso comum, nós os
explicávamos como vestígios ou lembranças de formas arcaicas do pensamento.
Parecia-me, ao contrário, que essas formas de pensamento estão sempre
presentes, atuantes entre nós. Muitas vezes lhes damos livre curso. Elas
coexistem com formas de pensamento que se apoia no testemunho da ciência; são
igualmente contemporâneas. [...]. Trecho extraído da obra De perto e de longe (Cosac Naify, 2005),
do antropólogo belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Veja mais aqui.
AMERS – [...] Aquela que
se derrama em meu ombro esquerdo e enche a enseada do meu braço, feixe odorante
e lasso, não atado (e tão sedosa foi a história, a meu tato, dessas têmporas
venturosas), Aquela que repousa sobre a anca direita, a face cerrada contra mim
(e grandes vasos assim viajam, em seu suporte de um lenho muito tenro e em sua
sela de feltro branco), Aquela que se anima no sonho contra o remontar das
sombras (e estendi o tendal contra o borrifo do mar e o rocio noturno, a vela é
enfunada para o mais claro das águas), Esta, mais doce que doçura ao coração do
homem sem aliança, me é carga, ó mulher, mais leve que carregamento de
espécies, de arômatas — semente muito preciosa e frete incorruptível no barco
dos meus braços. [...]. Trecho extraído da obra Amers – Marcas marinhas (Ateliê, 2003), do poeta francês Saint-John Perse (1887-1975).
TRÊS POEMAS - O AMOR
NÃO É TUDO - O amor não é tudo: nem carne nem / bebida, nem é sono, lar da
gente, / nem a tábua lançada para quem / se afunda e volta e afunda novamente.
/ O amor não pode encher o pulmão forte, / pôr osso no lugar, tratar humores, /
embora tantos dêem a mão à morte / (enquanto o digo) só por desamores. / Bem
pode ser, na hora mais doída, / ou da minha franqueza arrependida, / buscando
alívio à dor, seja capaz / de vender teu amor por minha paz / ou trocar-te a
lembrança pelo pão. / Bem pode ser que o faça. Acho que não. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA - Eu
morrerei, mas / isso é tudo que farei pela Morte. / Eu a ouço tirando o cavalo
da baia; / escuto as pisadas no chão do celeiro. / Ela tem pressa; tem negócios
em Cuba, / negócios nos Bálcãs, muitos chamados a fazer nesta manhã. / Mas eu
não vou segurar a rédea / enquanto ela ajusta as correias. / Ela que monte
sozinha: / não lhe darei apoio na subida. / Embora ela fustigue meus ombros com
o chicote, / não vou dizer para onde a raposa fugiu. / Com seu casco em meu
peito, não vou contar onde / o garoto negro está escondido no pântano. / Eu
morrerei, mas isso é tudo que farei pela Morte. / Não estou em sua folha de
pagamentos. / Não contarei a ela o paradeiro de meus amigos, / nem o de meus
inimigos. / Ainda que me prometa muito, / não darei o endereço de ninguém. / Acaso
sou um espião na terra dos vivos / para entregar pessoas à Morte? / Irmão, a
senha e os planos de nossa cidade / estão seguros comigo. Jamais, por minha
culpa, você será derrotado. PRIMAVERA -
Por qual propósito, Abril, de novo retornas? / A Beleza não é
suficiente. / Não podes me acalmar com a vermelhidão / Das folhinhas unidas se
abrindo. / Eu sei o que sei. / O sol queima a nuca quando observo / Os espinhos
do croco. / O cheiro de terra é bom. / É aparente que não há a morte. / Mas o
que isso significa? / Não apenas sob a terra os cérebros / São comidos por
vermes. / A vida em si / Não é nada, / Uma taça vazia, lance de escadas sem
tapetes. / Não basta todo ano, descendo o morro, / Abril / Chegar como um tolo,
balbuciando e espalhando flores. Poemas da poeta e dramaturga estadunidense Edna
St. Vincent Millay (1892-1950) que também usou o pseudônimo em prosa de Nancy
Boyd. Veja mais aqui.
A ARTE DE TANIA BRITTO
A arte da artista visual Tania Britto.
AGENDA
&
Quem olha pros outros não vê a si mesmo, Cecília Meireles, Rubem Alves, Henri Focillon, Imre Kertész,
Neurofilosofia, Deborah Poynton & Luciah Lopez, Almeida Prado, Viviane Hagner, Hans-Joachim Koellreuter & Ophélie Gaillard
aqui.
&
Sou da terra e a ela me dou, Luis Fernando Veríssimo, Martin Buber, Inclusão
Escolar & Maria Teresa Eglér Mantoan, Biblioteca Fenelon Barreto & CED
Dimensão, Baden Powell de Aquino, Alina Ibragimova, Antônio
Meneses, Maria João Pires & Pi-Hsien Chen aqui.