MAIS DIA, MENOS
DIA E O AMOR VALEU – Imagem:
arte da fotográfa & artista plástica holandesa Carla Van de Puttelaar - UMA: QUEM SABERIA PERDER - Desde menino cara pro vento vida solta
que eu sei o tempo e o vento voam. Aprendi a crescer, mas não de todo, como
fruta no pé, madurando. Hoje, como na canção, vivo do que faz meu braço e a Terra
manda. Fui lá e fiz, antes tarde os meus desígnios, afianço que cumpri o meu
dever até agora, conquanto não tenha mais nada pra dizer, tudo é relâmpago na
escuridão, pisando em falso diante das emboscadas, espias de tocaia e
desforras, sem âncora nem cais, as ciladas nas surdinas da morte, acossado pela
urgência, a perder o eixo nos moldes da lógica diante da desconstrução de tudo
e o eterno retorno. E de noite levanto insone entre estrelas de um céu que
sequer existe e a errar dos pés os caminhos do chão, pisadas sem direção pra
voar, voa vento, voa tempo, os segredos perdidos que se revelam na manhã
esquecida. Vejo o que não existe, a Alfa Centauro e a humanimaldade de Cummings,
o peito destroçado de amores escondidos que se perderam sem saudades nem
lembranças, apenas uma, definitivamente apenas uma reina no meu coração de cavaleiro
sem montaria, desmontado. E o mundo cheio de gente mal-agradecida a fazer da
cidade o istmo de sempre arrodeado de canavial e meretrício por todos os lados,
enquanto as pessoas vivem encapsuladas nas cavernas de si mesmo de não sair
jamais das janelas sem vida nas paredes desbotadas pela fé e desavença,
varrendo das ruas a sanidade de viver. Eu não sabia da dor, nunca soube, menino
que era e ainda sou, crescido de nada. Ontem não sabia nada, hoje muito menos,
sou labaredas mesmo que vulnerável, vou além dos extremos. Já fui longe demais,
acho, tanto por fazer. De que outro modo eu poderia viver, quem saberia perder? OUTRA: TINO DE CAÇADOR – Nunca levei jeito pra caçadas, nem queria. Mas com a
ruma de tios, um deles, me vendo menino taludo, já me queria com jeito de
homem: Hoje vai caçar comigo, seu cabra! Todo sábado, meio dia, eu escapulia.
Já vinha não sei quantas vezes eu enrolava e me esgueirava mundo afora. No
entanto, neste dia, não deu. O compadre Jaime me aplacou a fuga: Vai pra onde
menino? Hoje você não escapa, vai com a gente. E mostrava o risinho diabólico
dele. Meu tio logo chegou: Ah, capturou o fujão. Vambora. A gente amontava no
jipe e rumava pra mata pertinho. Pra quê tanta arma, tio? Cada espingarda dessa
é prum tipo de bicho: uma pra paca ou tatu, outra pra veados e o que aparecer
de graúdo, essas mais finas pros passarinhos. Caçar passarinho? Sim. Oxe, não
era pra mim não. Eu já havia soltado os das gaiolas do meu pai, arengava com os
meninos da rua por conta das suas petecas, coisa mais sem propósito, imagine
caçar passarinho, astúcias dessas, era pra mim não. Destá. Meu tio e o compadre
eram mateiros calejados, perseguiam impenitentes todos os bichos que
aparecessem na frente, vigilantes, armados até os dentes, com todo tipo de
cartucho no alforje e no cinturão, tudo muito extravagante e injusto, pareciam
mais cangaceiros de Lampião. Eles subiam afoitos pelas capoeiras e eu atrás,
arrastavam tudo nos peitos, mata escura, somente chiados, estalidos e zoadas
das mais estranhas, coisa de meter medo num sujeitinho como eu não
familiarizado com as surpresas da mata. Eu pensava em Cumadre Fulosinha e
noutras abusões, coisas que metem medo, e meu tio e o compadre Jaime sorriam
das minhas leseiras. Todavia, no meio da pisada, um canto estranho se fez ouvir
e, ao que parece, amoleceu o coração da gente bulindo na superstição, bastante
conhecido sinal de advertência, coisas das ocultas e sortilégios, parece,
adiava a impiedade. O compadre Jaime fez sinal de silêncio, psiu, aguçou as
ouças e disse: Tem coisa! Deitou os ouvidos no chão: É bicho grande, tomara que
não seja onça. Ah! É menor, parece mais veado. E ficou atento, ouvido no chão,
levantava e virava a cabeça para os lados. Por prevenção, vamos subir!, mandou,
e subimos cada um em árvores – eu mesmo mais que amedrontado deslizava o pé no
tronco, relei-me todo para conseguir me trepar no pé de não sei o quê, um toro
roliço que não dava nem para abarcar com os braços. Fiquei lá no galho,
balançando as pernas, atento ao que vinha. O barulho das patas nas folhas
aumentava e a música era mais audível, até então eu nem ouvia, mas agora estava
nítida: as pisadas e a música. Era coisa de veado, daqueles galhudos, com mais
de vinte chifres ocos e furados feito flauta, pra quando o vento soprar sair
aquela pungente sonoridade. Eu num disse! O compadre Jaime já acenava pro meu
tio, apontando, eu não via, ouvi quando disseram: É veado mesmo! Melhor ir
embora. Arrumamos as coisas e zarpamos pro jipe do lado de fora da mata. Bem na
saída já respirando o ar livre, perguntei a razão da desistência, explicaram
não ser dia apropriado para caça, era dia de reunião das proteções deles, dia
que não se deve caçar. Não ousavam contrariar as forças da natureza,
transgredir era arcar com consequências bastante funestas, coisas do encantado
que nunca se sabe. De caso pensado, retornamos, ficou pro próximo sábado.
Livrei-me mais uma pra nunca mais. (Historieta apresentada nas minhas
atividades de contação de história, releitura das lendas do folclore, baseada
em material recolhido por folcloristas brasileiros). © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com a música do cantor, compositor e
pianista Ivan Lins: San Javier Jazz Live, Somos todos iguais nesta noite
& Quem saberia perder; da cantora Mônica Salmaso: Voadeira, Iaiá & Alma Lírica Brasileira; & muito
mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...]
algumas das coisas tidas previamente como
característica do universo que nos rodeia são na verdade propriedades da nossa
própria constituição interna. [...]. Trecho da introdução à obra On human nature and the undestanding
(Macmillan, 1962), do filósofo e professor britânico Antony Flew (1923-2010).
APRENDIZADO ÉTICO-AFETIVO - [...] a coesão social e a submissão às regras do Estado resultam do medo que
temos de vivenciar um mal maior e da esperança de um bem maior [...] Por serem as paixões constitutivas do nosso
viver, ou, em outras palavras, por não podermos ser guiadas por um pensar
constantemente ativo, haverá também, na organização e regulamento das associações
sociais produzidas pela educação, elementos ligados ao medo de punições e à
esperança de recompensas, cuja força varia conforme experienciemos ou não a
potência de nosso próprio pensar. [...] embora
paixões tristes participem da formação e exercício dos poderes da educação, é
também para próprio beneficio do todo social que a educação venha a promover a
ativação de nosso pensar. [...] O
princípio que movimenta a educação, tanto no exercício de seu poder produtor de
paixões alegres como de seu poder controlador por meio das paixões tristes, é
conatus da coletividade. [...] A
capacidade de agir com base no conhecimento e na virtude, e não no medo ou na
punição, é o que distingue uma educação sábia de uma educação que exerce um
poder que se mantém pela inadequação de suas paixões e de seus mecanismos
opressores. [...]. Trecho extraído da obra Aprendizado ético-afetivo:
uma leitura sponizana da educação (Alinea, 2009), da educadora, professora
e filósofa Juliana Merçon. Veja mais aqui.
PRIMAVERA - [...] Via-se literalmente nua, debaixo de vestes invisíveis. Parecia-lhe que
estava nadando sem rumor, e sem que ninguém pudesse vê-la, no fundo de um mar
de nevoeiro misturado com fumaça. Que lhe importava todo esse vaivém de gente
atarefada? E todas aquelas pessoas, nenhuma das quais lhe era conhecida? Esses
também escondiam, debaixo da roupa, um corpo nu, esses também tinha um “eu” que
para ela era invisível. Este pensamento parecia-lhe justificação o seu desejo
de solidão. Tentara, lealmente e com a melhor disposição do mundo, fazer
relaç~~oes, mas não o conseguira. Agora, quando descobria que todas essas
criaturas, além doq eu via delas, tinham um corpo, uma individualidade,
sentia-se justificada por ter tido aquela repulsa a quase todas as pessoas com
quem topara... “Tenho todo o direito de evitá-las e de exigir delas que não se
dispam diante de mim...” [...] “Sou
excluída das alegrias dos outros”, dizia consigo... “Os outros, esses possuem
alguem a quem amam, ou com quem privam, ouy de quem falam mal, ou com quem
fazem o mal, dançam, saem à rua. Quanto a mim, tenho pequenas alegrias
diferentes, só minhas, e protejo-as com estas mãos, como se fossem cálidos
passarinhoas”. [...] Sentira-se
profundamente humilhada ao saber que ele pudera, diante de uma oportunidade,
introduzir outra mulher em sua vida. Sabia hoje que uma mulher, se nada
concede, nem para o bem nem para o mal, àquele que a adora, não pode pretender
continuar sendo sempre a única. Pouco lhe falava, agora, para lamentar haver-se
esforçado por permanecer leal e honesta com ele, e não ter usado de coquetismo
ou de outras armas femininas para cativá-lo definitivamente. [...] Soava como uma música uma música
maravilhosa. Era pois isto, amar. Era isto, o amor. Tomou entre as mãos, num
arremesso, o rosto de Torkild e o contemplou demoradamente. Sim, era ele, o amado;
ele era assim. Atraiu para a cabeça dele e, desta vez, foi ela quem o beijou,
enquanto das árvores da rua tranqüila, erma, uma poeira branca e fina caia
sobre ambos. [...]. Trecho extraído do romance Primavera (Delta, 1964), da escritora norueguesa & Prêmio Nobel
de 1928, Sigrid Undset (1882-1949).
O AMOR – O
amor é sempre avesso às leis da observação. / Gaba o amante na aleita os dons
do coração, / nada sua paixão lhe acha de censurável. / Tudo, no amado ser, se
lhe afigura amável. / Os defeitos que tem, conta-os por perfeições, /
tornando-lhes gentis as denominações. / A pálida é ao jasmim, na alvura
comparada; / é uma boa morena a negra desbeiçada; / a magra tem, grácil, talhe
e desenvoltura; ] a que é desmazelada, imunda e displicente, / é, por
atenuação, beleza negligente; / a que é alta é uma deusa aos olhos dos mortais;
/ a anã resume em si as graças celestiais; / faz jus a uma coroa a fonte da
orgulhosa; / a hipócrita é engraçada; a idiota é generosa; / a faladeira tem
agradável humor / e a muda, a sonsa, guarda um honesto puder. / Quem sente no
seu peito arder do zelo a chama, / amara os erros, até da pessoa a quem ama.
Poema extraído da peça O Misantropo
(Zahar, 2014), cena IV, do ato I, da fala de Eliente a Celimène, do dramaturgo,
ator e encenador francês Molière
(Jean-Baptiste Poquelin – 1622-1673). Veja mais aqui e aqui.
INSTITUTO EDUCACIONAL SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Recepcionando
a garotada estudantil do Instituto Educacional São Francisco de Assis, com as
professoras Rosilda dos Santos Silva & Nataly Neves, na Biblioteca Fenelon
Barreto – Palmares – PE.
Veja mais:
O lobisomem de
Alagoinhanduba aqui.
Biritoaldo: a vingança
no formigueiro aqui.
Ferreira Gullar, Oscar Wilde,
Lisztomania, Michel de Montaigne, Louis Malle, Luhan Dias, Juliette Binoche,
Virginia Lane, O Morto & A Lua, Neurofilosofia & Neurociência Cognitiva aqui.
Crimes contra a pessoa
aqui.
Proezas do Biritoaldo: Quando a adversidade
aperta, o biltre bota o rabinho entre as pernas aqui.
As trelas do Doro: o escambau aqui.
Antígona de Sófocles, Gradiva de Freud,
Seminário As Psicoses de Jacques Lacan & Cronquetas Tataritaritatá aqui.
Charles Baudelaire, Bem na Hora &
Noveletas Tataritaritatá aqui.
Jean-Paul Sartre aqui.
Francesco Petrarca,
Adrian Pãunescu, Erik Axel Karlfeldt, Carlos Santana, László Modoly-Nagy, Max
Liebermann, Luiz Edmundo Alves & Psicologia da Gestalt aqui.
Walter Benjamin, Philippe Ariès, Isaac
Stern, Charlotte Gainsbourg, Emil Orlik, Ruy Jobim Neto, Marco Leal,
Neuropsicologia & Educação Sexual aqui.
Basílio da Gama, Silviane Bellato, Odete
Maria Figueiredo, Edward Hopper, Mentes & Máquinas,
Gerontodrama & Neurociência, Zacarias Martins &
Programa Tataritaritatá aqui.
Gaston Bachelard, Steven Pinker,
Holística, Renato Borghetti, Antonio Rocco, Menalton Braff, Diego Lucas &
Mácia Malucelli aqui.
Carlos Drummond de Andrade, Antônio
Cândido, Adolphe-Charles Adam, Antonio Bedotti Organofone, Ana Mello &
Benedito Pontes aqui.
Aldous Huxley, Terceira idade &
envelhecimento, Jean-Baptiste Camille Corot, Armando José Fernandes, Ivaldo
Gomes, Monica & Monique Justino aqui.
Elias Canetti, Alfredo Casella, Gestão de
Pessoas, Paula Valéria de Andrade, Célia Mara & Lou Albergaria aqui.
Passando a Limpo & Zygmunt Bauman aqui.
Carl Gustav Jung, Ariano Suassuna &
Programa Tataritaritatá aqui.
O retorno da deusa de Edward C. Whitmont aqui.
A ESCULTURA DE RUY ROQUE GAMEIRO
A arte
do escultor português Ruy Roque Gameiro
(1906-1935).
A ARTE DE CARLA VAN DE PUTTELAAR
A arte da fotógrafa & artista
plástica holandesa Carla Van de
Puttelaar.