E SE NADA
ACONTECESSE... NADA VALERIA! – Imagem:
Revolta das bonecas (1916), do pintor
português Eduardo Afonso Viana
(1881-1967). - UMA: O QUE FEZ OU
DEIXOU DE FAZER – No princípio era a escuridão, quanto tempo, não
sei, nove meses, ou oito, ou sete, sei lá, sei a porteira do mundo se abriu e à
palmada eu chorei, nada sabia o que me reservava, apenas perdia a face de Deus
ancorado na dispersão. Para quem merece, era eu um entre milhares ou milhões, outra
vida dentro de outras que era a minha e outra e quase dela e quase minha, vencia
as madrugadas, renovado a cada treva, cada sombra, de quase não salvar a graça
nem a integridade. Eu mesmo me tinha por outro, não sabia, era eu e ela uma
coisa só, aos olhos o que não era
visto mas que existia e sempre existiu e existirá, não coisa de outro mundo,
senão deste mesmo, nem isso sabia, sentia. Em nome da minha própria vida quantos
verões invernaram nas primaveras estivaise eu sempre me vesti de mim mesmo,
mesmo que me fizessem por outro, a roupa do corpo o que sempre tive por viagens
sem volta, sem vestígios e eu seguia o meu e era um caminho contrário ao de
todos, a minha própria biografia, minha história fora de todos os moldes,
formas e fórmulas, a minha vida, nada mais. Monarca da minha miséria eu crescia
a me rebelar da cegueira e da surdez por barulhentas travessias, a me perder no
meio da paixão, povoado de sonhos e lendas, e a imaginação miúda sabia o que nunca foi lido, escondido por trás
de toda obviedade. Procurei a tomada do êxito, não era, era mastigando caligens,
exumando o passado entre alguns mansos e tantos zangados, poucos lembram,
muitos esqueceram e eu falando em voz alta com a solidão, a insólita
imagem do meu próprio rosto e eu na minha desolação mais via a face de Deus,
quando o meu poema saiu do sótão e foi pro inferno: o preço da liberdade. Fui capaz
de atiçar o ímpeto da carne e sem medir palavras o alarme geral me denunciou e me vi sujeito a choques
enquanto simulava o anonimato, até ser flagrado pela disciplina da fôrma, a
confusão da dor nas veias a me arrastar, até chegar ao morro alto, tão alto, do
frio esquentar os dedos nas estrelas quando tudo era inútil. Até aí eu era
tantos e os outros eram em mim invisíveis tomando a vez e o caos para aprender
o amor a me aprimorar, rejuvenescer, revitalizar, mas isso era nada, eu também
nada no mundo no qual só valia ter e não tinha nada pra vender nem pra trocar,
apenas viver. DUAS: SALA DE AULA - Era eu e muitos
sequiosos aboletados, olhos às nucas, enfileirados no espaço, quase centena
onde só caberia não mais de algumas dezenas, sardinhas na lata, quantos
interditos e nenhum pio pra sapiência absoluta deitar imbróglios com seus
apodos à queima-roupa e gestos de ordem, sanções de lâmina fria e afiada na
fala siderada com suas exegeses menores que suas próprias palavras e seu próprio
tamanho diante do nariz e quase ofensa, quem era quem, quem disse o quê e
transigir, era a psicologia da manada
engolindo todos e qualquer passo em falso já me delatavam desertos, a queda de quem
queria ocupar uma porção da vida sem saber ao certo onde ela pudesse estar
porque tudo era a torre da derrota no apontamento da ideologia, pra depois se
esvair na purgação voluntária e marcas indeléveis, dilacerantes hesitações
povoando a mente com a
sedutora serpente falante fabricando o desordenado, o desequilibrado, as angústias
em não sei quantas páginas do caderno de zis matérias, e a cada sete anos as sombras de
insanidade por epifanias até a perda do paraíso, quantas questões e efusões
amorosas, hierofanias para tantas impossibilidades, não havia o que aprender, só
repetir e decorar, tudo aos pedaços como se fosse a mais poderosa verdade e não
era. Assim, desde que o mundo é
mundo. Na primeira investida da dúvida: Sai pra lá, lambaio! Em bom português:
Te vira, meu! E metia o sarrafo no pomba-lesa e saia arrolando os pormenores do
atoleiro por catábases que davam pra morte tomada a prestação, numa raiz
quadrada com a prova dos nove para um posto avançado no fim do mundo, cheio de
charcos e descampados, mil conjeturas, pelos rodeios pro lamaçal de coisas
insensatas, a meter medo de coisas que não fazia a menor ideia, o pavor dos
mortos e dos fantasmas com seus horrores de segunda mão e isso era o certo como
dois e dois são quaisquer coisas que quisessem os superiores donos da razão e
do saber. Para ser franco, nos atalhos do raposário e aos maus conselhos do tinhoso, era dado como
caso perdido, um sujeito
malcriado e respondão à mercê de tantas esquisitices do tempo de ninguém, até se
achava ao direito de mesuras, reprimendas fatais e zombarias pra tonto: Você é
doido ou está se fazendo, hem? Ora, faça-me um favor! Davam o que falar, azo
para mexericos, ah, cara ou coroa do tempo das cavernas, vigarices, esporros e bisturis
morais, quejandos do contra, haja jogo de cintura, cada um com seu cada qual:
dialetos, etiquetas, grunhidos, tacapes, manias de assepsia, recriminações, insanidade
e amputações, cirurgias de não, suturas de deveres, curativos de enquadramento,
quantos naufrágios. Ao soçobrar, um raio nas pálpebras e os sons incomuns das
novidades, cenários insólitos, os olhos sabiam ver para desvendar, mas não
deixavam, teve que dar um bico nas
questões atinentes ao tempo e ao espaço, causa ou efeito, noções intuitivas,
afinal tudo é uma teia de relações entre as diversas partes de um todo
unificado. Como não era de decorar o ditado nem copiar o escrito alheio de
próprio punho por obrigação, havia uma ponta de dignidade e amor próprio e, por
opção, escolheu a liberdade e a vida, por conta disso tanto fazia estar no topo
do monte ou morrendo afogado numa poça d’água qualquer. TRÊS: A SAIDEIRA DA DESARRUMAÇÃO - Ainda ontem eu vi coisas de
hoje em dia: gente revanchista com arrazoado meter o pau no projeto futuro pelo
que não amealhou no passado e agora, levar tudo nas coxas sem a menor
articulação, falar por falar com carradas de razão, cuspir desavença dono da
verdade, chamar na grande o que não sabia por não enxergar um palmo além do
nariz, protestar sem vergonha pelo que desdizia, revogar o proposto por
entender ao contrário, pleitear o diverso em detrimento do próprio anseio e, surpreendentemente,
condenar o próprio interesse por não entender o que defendia, rebelde sem causa
pra ser simplesmente do contra e quando o resultado final é o malogro constatado,
aí não, ah, quer que todo processo legítimo seja anulado simplesmente porque
contrariou tudo que defendia, ou melhor, acusava, ou sei lá o que realmente
queria. Ora, ora. Qualquer semelhança não é só mera coincidência como coisa
comum no dia a dia. Gente é coisa muito complicada, hem? © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com o cantor, compositor, músico,
produtor, arranjador e escritor Caetano
Veloso: Zii & Zie ao vivo,
Multishow ao vivo & Circuladô de fulô; e a cantora e compositora Maria Bethânia: O canto do Pajé, Maricotinha ao vivo & Amor festa
devoção; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] O
que somos ou, melhor ainda, o sentido de quem somos,d epende das histórias que
contamos e das que contamos a nós mesmos. Em particular, das construções
narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e
personagem principal. Por outro lado, essas histórias são construídas em
relação às histórias que escutamos, que lemos e que, de alguma maneira, nos
dizem respeito na medida em que estamos comelidos a produzir nossa história em
relação a elas. [...]. Pensamento extraído de Tecnologias do eu e educação (Vozes, 1994), do professor e educador
Jorge Larrosa. Veja mais aqui.
PENSAMENTO & PALAVRA - [...] A
relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa mas um processo, um
movimento continuo de vaivém, engre a palavra e o pensamento; nesse processo a
relação entre o pensamento e a palavra sofre alterações que, também elas, podem
ser consideradas como um desenvolvimento no sentido funcional. As palavras não
se limitam a exprimir o pensamento: é por elas que este acede à existência... O
pensamento e a palavra não são talhados no mesmo modelo: em certo sentido há
mais diferenças do que semelhanças entre eles. A estrutura da linguagem não se
limita a refletir como num espelho a estrutura do pensamento; é por isso que
não se pode vestir o pensamento com palavras, como se de um ornamento se
tratasse. O pensamento sofre muitas alterações ao transformar-se em fala. Não se
limita a encontrar expressão na fala; encontra nela a sua realidade e a sua
forma. Trecho extraído da obra Pensamento
e linguagem (Antídoto, 1979), do cientista e psicólogo russo Lev Vygotsky
(1896-1934). Veja mais aqui e aqui.
MARIANNE – [...] Essa
jovem, Marianne, era pintora, e datilografava à noite para ganhar um dinheiro.
Tinha uma aureola de cabelos dourados, olhos azuis, rosto redondo, seios fartos
e firmes, mas tinha tendência a ocultar a opulência de seu corpo em vez de
exibi-la, de disfarça-la sob trajes boêmios disformes, jaquetas folgadas, saias
de colegial, capas de chuva. Ela vinha de uma cidade pequena. Tinha lido
Proust, Krafft-Ebing, Marx, Freud. (…) Nada a havia tocado profundamente. Ainda
era virgem. Eu podia sentir isso quando ela entrava na sala. Do mesmo modo que
um soldado não deseja admitir que está amedrontado, Marianne não queria admitir
que era fria, frigida. Mas estava fazendo psicanálise. Trecho extraído de
Delta de Vênus (Artenova, 1978), da escritora francesa Anaïs Nin
(1903-1977). Veja mais aqui e aqui.
CONVITE - Poesia / brincar com palavras / como se
brinca / com bola, papagaio, pião. / Só que / bola, papagaio,pião / de tanto
brincar / se gastam. / As palavras não: / quanto mais se brinca / com elas / mais
novas ficam. / como a água do rio / que é água sempre nova. / como cada dia / que
é sempre um novo dia. / Vamos brincar de poesia? Poema do
poeta, ensaísta, jornalista e tradutor José Paulo Paes (1926-1988). Veja
mais aqui.
ESTATUTO
DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Art.1 É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em
condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Parágrafo
único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional
por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade
com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde
31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de
2009, data de início de sua vigência no plano interno. Art. 2º Considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência,
quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional
e interdisciplinar e considerará: I – os impedimentos nas funções e nas
estruturas do corpo; II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III
– a limitação no desempenho de atividades; e IV – a restrição de participação. §
2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.
Trechos da
Lei nº 13.146/2015 - Estatuto da pessoa com deficiência (Senado Federal/CET, 2015). Veja
mais aqui, aqui e aqui.
Veja mais:
Existe gente pra tudo!, Vanmegaprana, a escultura de Josefina
de Vasconcelos, Todo
dia é dia da mulher, a música de Anelis Assumpção, a arte de Harriet Hosmer & Banksy aqui.
Simulacros, Roberto Remiz & Nina
Kozoriz aqui.
Bernardo Guimarães, Nina Simone &
Darel Valença Lins aqui.
António Damásio, Pierre-Jean de Béranger
& Marcia Lailin aqui.
Descartes & Margarethe Von Trotta aqui.
Coelho Neto & Logoterapia aqui.
A poesia de Wystan Hugh Auden, a
literatura de Stanislaw Ponte Preta & Anaïs Nin, A música de Francisco
Manuel da Silva, A pintura de Alberti Leon Battista, Maria de Medeiros &
Luli Coutinho aqui.
Hypatia & Ágora, o filme aqui.
Proezas do Biritoaldo: Quando a corda
arrebenta, a covardia fica de plantão aqui.
Conversa de pé de ouvido, As presepadas
de Doro, Erasmo de Roterdam, O peido & a Educação, Fernando Fiorese, A
primavera de Ginsberg, Graciliano Ramos & Alagoas aqui.
A balsa da Medusa aqui.
Meu ensino de Jacques Lacan & Disco
Friends aqui.
Antígona de Sófocles aqui.
Reflexões de metido em camisa de onze
varas, Ralph Waldo Emerson, Síndrome de Klüver-Bucy, Isaac Newton, Viviane
Mosé, Carl Gustav Jung & Sabina Spielrein, Cloltilde de Vaux & Auguste
Comte aqui.
Remexendo as catracas do quengo e
queimando as pestanas com coisas, coisitas e coisões, Débora Massmann, Boaventura
de Souza Santos, Terêncio, O Fausto de Goethe, Ética, Saúde no Brasil & Big
Shit Bôbras aqui.
A música de Nando Lauria aqui.
Charles Baudelaire, Gianni Vattimo, Sören
Kierkegaard, Tribo Ik, Adriano Nunes & Do individualismo possessivo ao
umbigocentrismo da futilidade aqui.
Pobreza aqui.
Paulo Leminski, Mestre Eckhart, Moisés Maimônides,
Píndaro, A oniomania & o Shopaholic, Gilton Della Cella &
Programa Tataritaritatá aqui.
A explosão do prazer no Recife, Educação,
Manoel de Barros, Gaston Bachelard, Luiz Ruffato, John Dewey, Marcelino Freire,
Ottto Maria Carpeaux, Armando Freitas Filho & Programa Tataritaritatá aqui.
ARTE DE EDUARDO AFONSO VIANA
A arte do pintor português Eduardo Afonso Viana (1881-1967)