domingo, outubro 24, 2021

LEYLA PERRONE-MOISÉS, ABDULRAZAK GURNAH, GAVIN BRYARS, HELENO ALFONSO & ROGEL SAMUEL

 

 

TRÍPTICO DQP – Entre as mutamorfoses e obsolescência... Ao som do album The Fifth Century (ECM, 2016), do compositor ingles Gavin Bryars, com o coral The Crossing & quarteto de saxofones PRISM, condução de Donald Nally. - Onde estou e pronde voo nenhuma liga, o tempo assina outra, como se minhas digitais dissolvessem a cada instante e desexistisse de vez no caos. Quase dou fé de que inexisto mesmo e tudo não passasse de um sonho por outro sonhado. Assim lá vou eu nas experiências alucinatórias do que se pode entender por mundo contemporâneo: o volátil, o volúvel, a interdição, os simulacros, o terror incógnito, consumo e descarte, os equívocos e segredos recônditos, as distorções e os mal-entendidos de mortos-vivos, os pós-o-quê com todos os pós-ismos tudo ou quase tudo só artifício. Meio atordoado no meio disso tudo, eis que o escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah alerta ao meu ouvido: Foi assim que pessoas como você e eu conhecemos tanto do mundo: lendo sobre isso de pessoas que nos desprezavam... Às vezes, acho que meu destino é viver nos escombros e na confusão de casas desmoronadas. Concordei com o dito e sua presença, ali mesmo era como se eu estivesse metido em carne viva na real Das Leben auf der Praça Roosevelt, da Dea Loher, e me sentisse em casa no reduto miserável das Marias e o mudo Mundo cantarolando Oh! Vos omnis quitransits per viauatendite; atenditeet videte teunsi est dolorsieut dolor meo, e isso depois de muito presenciar acasalamentos de extraterrestres com as insones transeuntes tontas e a loucura de gente que vive só com a roupa do corpo, no meio dos gestos de Aurora provocando desafios a Bingo, enquanto a mãe amargurada com seu choro insistente pelo policial em coma e a memória do filho morto batendo no submundo a denunciar ali não haver vida, nunca foi, qualquer outra coisa que fagulha no meu peito de indignação. E me veio o professor beninense Olabiyi Babalola Yai para cochichar no desalento da minha dor: Os homens são mais eles mesmos quando vivem plenamente suas culturas próprias e são consequentemente capazes de melhor conhecer e viver as dos outros. E naquele estado em que estava jamais poderia concordar com isso, mas o poeta Rogel Samuel me recitou: todo amor é assim, plágio / cópia de cópia de si, no mesmo / sim na sua visibilidade... Quanto mais eu relutava só ouvia a escritora argentina Beatriz Sarlo quase berrando ao meu ouvido: Tem um momento de coincidência entre o que você necessita e o que a vida lhe oferece. Você tem que estar acordado para agarrar essa chance. A coragem aparece quando não há mais solução. Acredito que o crime é igualmente horrível, sejam 10 ou 30 mil... Tento ficar a par de tudo que ocorre no presente - para alguns apenas o futuro do pretérito; outros, só o passado mesmo e de novo -, e posso dizer umas duas ou três coisas outras, não mais que isso, que no meio das mutamorfoses e a obsolescência já sei que não basta apenas dar enter, porque tantos delírios pseudo-intelectuais com suas masturbações e impulsos neognósticos sobrando entre anoréxicos e voyeuristas, craquers, hackers e biomakers na boa, extremófilos e intimistas surfando comigo de mãos dadas com todo mundo pela sci-art e o nano-mundo, atravessando o universo escuro e a extremofilia, teratologias biotecknicas, contatos em níveis nanométricos, territórios do perigo e conflitos, afora polimórficas possibilidades, eita! Ufa! Sei e todos estão carecas de saber que a Terra é redonda e insistem em cagar pelos quatro cantos do mundo. Não sei pra quê tanta lei, apensar da compulsoriedade jamais será cumprida. Por isso chamo de gato ao gato e ao governante de patife, porque estamos na primavera de Ginsberg pelo mote recolhido por Paulo Cavalcante no arremate: De circunlóquios eu nada sei. O caso conto, como o caso foi. Na minha frase de dura lei, o ladrão é ladrão, o boi é boi. E ponto final. Ou melhor, reticências...

 


Pássaro preto, traquinagens da infância... - Imagem: Kein Nachwuchs fir den Champion oder Der Junge der New Jersey erschoB VON Israel Horowitz, in Hörspielle im Westdeustschen Rundfunk 2, Halbjahr 1987. - Era eu apenas um menino da beira do rio, travesso solto na buraqueira, proutras paragens eu ia a me divertir levantando as saias das moças, ou me deitando no chão para ver-lhes as intimidades das calcinhas estufadas, quando não brechando sua nudez pelas fechaduras do quarto ou do banheiro, afora futucar com tudo que me aparecesse pela frente. E meu pai ocupado com as gaiolas da coleção e, entre elas, a da sua estimação: a graúna, o brilho sedoso de sua plumagem negra. Desde que a vi pela primeira vez, sonhei que era a morte, o corvo de Poe que, de repente, se tornara penas brilhantes e com o poder mágico, a me prometer antevisões do futuro, a me aconselhar com orientações para fazer isso ou aquilo e era só sonho. Não só, mesmo. Ao amanhecer, de soslaio, mantinha distância dela, queria aproximação nenhuma. E de tanto temê-la, um dia a soltei aproveitando o descuido paterno. Ela voou longe na fuga, mas retornou e me caçou, pegou-me pelo bico e voamos com a suíte L'Oiseau de feu (1919) de Stravinsky. Foi uma grande viagem e me largou longe, no pico de uma montanha que se transformou num palácio abandonado. Depois, deu-me uma chave para que abrisse a primeira porta: cavalos para minha diversão. Outra chave e no quarto, arreios e selins. Outras mais a cada dia, eram sete: e moças ousadas e sedutoras, mulatinhas safadas a me dengar e eu aos regalos no meio de espadas - Para quê tantas? -, um rio de prata e um rio de ouro. Só não sabia, depois de tudo, do castigo: a graúna vingativa tirou-me a roupa, largou-me no deserto e deu-me uma varinha de condão. Errei sozinho e uma princesa à beira do fogo parecia me esperar, não sabia, mas o pai dela adoeceu e para sua cura só três pássaros de plumas. Usei da varinha: os três pássaros foram encontrados e trazidos a ele que logo se restabeleceu, dando uma festa de três dias, nos quais findei nos braços dela que se deleitava como se fosse a demi-mondaine Méry Laurent – aquela mesma atriz nua Vênus Anadyomene do Théâtre des Variétés, e que fora antes Anne ou Rose ou Suzanne ou mesmo Louviot e que a mãe havia vendido sua virgindade debutante para Canorbert por 500 francos ao mês, afora amantes outros ricaços e da vanguarda francesa, até tornar-se musa da minha paixão Mallarmé no quadro de Manet e Nana de Zola. De repente adúlteros flagrados na noite por minha filha Genevieve, não sabíamos o que fazer, mãos e sexo na botija, completamente desnorteado porque ela se transformara noutra pessoa e o escritor estadunidense Roger Shattuck (1923-2005), me falou de seu Conhecimento proibido (Companhia das Letras, 1998) para me contar que ela era apenas uma senhora vitoriana – na verdade e para meu espanto era a mula sem cabeça -, e relutava agora contra a teoria de Darwin: Descender de macacos! Meu caro, esperamos que não seja verdade, mas se for, rezemos para que não se fique sabendo!... Não era mais aquela, nunca foi, só pode ser outra. E mais insistia na sua Planolândia, como uma senhora de bem, patriota roxa e acima de todos e quaisquer pecados ou suspeitas, e eu fisgado pela veemência de seus seios fartos no desatento desabotoado de sua blusa justa colada naquela excelsa arquitetura de fêmea e a libido acesa e incontrolável com o lascão da saia exaltando suas coxas volumosas e eu clamando pelo amor de Deus para ela se acalmar e poder reconduzi-la à alcova.

 


Apenas escrevo... Imagem: Comovida medida de distância (1988), da videoartista palestina, Mona Hatoum. - Onde estive já não faz o menor sentido, embora não haja como apagar porque o caos piorou o mundo e persistem as cavilações de nem sei quem, talvez de mim mesmo, outros são os motivos e ignoro por completa ausência de significado. Disparo intuições, uma das pernas dos óculos se quebrou e eu precisava ler e reler, agora apenas esperar com os trechos de um poema do livro Oropa França e Bahia (Edizioni della Meridiana, 2004), do poeta Heleno Alfonso Oliveira (1941-1995) na memória : É ser e remar / Na mesma zoada / Na onda arrastada / Do mar sem raiz. / E Deus não se rima / Bem perto ressoa / Ao centro da alma / Perdida e à toa / Enquanto me vejo / Cantando Marina / Cantando Pessoa / Bem fora do templo... E pelos lapsos do esquecimento, o poema suspenso, só conseguia me lembrar doutra parte: Sem um amparo / Sigo a Sophia. ; Luz de Apolo / Dança de Baco? E uma voz feminina com todo seu perfume aprazível invadiu o ambiente. Quem era? Só muito depois pude ver, era a escritora Leyla Perrone-Moisés: A literatura nasce da literatura. Cada obra nova é continuação, por consentimento ou contestação, das obras anteriores. Escrever é, pois, dialogar com a literatura anterior e com a contemporânea... A função revolucionária da literatura não consiste em emitir mensagens revolucionárias, mas em levantar uma dúvida radical sobre o determinismo da história. E mais me falou d’ As Sombras de Olinda (Caminho, 1997), do Clarindo, Clarindo (1990) e do póstumo Se era vera la notte (2003), daquele que um dia dissera: Florença é uma manhã de dezembro / onde cheguei gritando do meu Hades. E já outra, quase irreconhecível camaleoa que sequer adivinhava o nome e propósitos, mas que se fizera mais que felicíssima amante, a me premiar o que da vida mais apetece na festa do seu corpo. Até mais ver.

 

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