DIÁRIO DE QUARENTENA – UMA: DO QUE FIZ, NEM
DEIXEI DE FAZER - Sempre agi antes de pensar. Ágil, algumas
vezes na mosca, de esperar o desfecho e só quando era dado por liquido e certo,
aí sim, festejava uma ou outra, quando muito. Sempre desconfiei da sorte
porque, na maioria das vezes, não era bem assim, era assado ou nem tanto, do
jeito que nem dava para adivinhar – vá entender o capricho de quem manda. Afora
minha condição sempre à deriva. Fazia de tudo para o êxito, inevitavelmente fracassava.
Tinha sempre comigo a voz da Angela Davis: Você tem que agir como se
fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o
tempo todo. E fiz o tempo todo, nunca deixei de fazer. Talvez os
prognósticos estivessem errados, não surtiam efeito algum, a não ser algumas
calejadas feridas que nem lembro mesmo onde é que doía, ou se anestesiado pelos
erros. Sei lá, voo aprumando a mira.
DUAS: O QUE FIZ, TAL SÍSIFO, NADA MAIS - Aos dez anos de idade,
montado num bigode ralo e topetudo de nariz empinado, comecei a trabalhar
depois de ter desafiado meu pai numa conversa, como se fosse, claro, de homem
para homem – e eu ainda uma criança, avalie. Ele aquiesceu e me fez primeiro de
carimbador, depois de copista, datilógrafo, serviçal recadista e por aí, aboletado
num birô do cartório, sob a tutela mandonista de um tio que virou para mim pior
que Uriah Heep de Dickens. Claro, escapulia,
dava salto solto, virava e mexia. Ele lá, inexorável. Ansiava altos voos e, embora
traumatizado e com um complexo de inferioridade aviltante, me redimia com Susanne Langer: Para termos novo conhecimento, precisamos adquirir um mundo inteiro de
novas questões. De escriturário nunca passei disso, mas ousei que só. Aprendi
desaprendendo e o que nem se ensinava. Assim fui, haja catabís, tantos percalços
indeléveis. Mais fui, voo.
TRÊS: DAVA DE POETAR, NEM TANTO! - Enfim, de tudo um tanto
incólume, quando não ao rés do chão, rasteiro escondido na poeira. Lá estava. Tanto
me estrepei de findar estirado, dores até no retrato e lembranças repisadas. Hoje
antes penso duas, três, até dez, cem, de novo, aí, lá pras tantas, caio na ação
mais sem jeito. Cheguei até a poetar por isso, mas Sarah Kofman advertiu: Dialética e reflexão
desempenham o mesmo papel para o filósofo e verso para o poeta. Poetar, então, não
era, apenas versejador porque se a vida fosse um filme e rodasse para trás, nem
assim seria diferente do que gorou, seria de novo outro fora e ficaria por isso
mesmo. Nunca lamentei de nada nem perdido, já levantei pronto para outra, cada
vez mais para o Tao: o coração da palavra, o poema no sexo: a vida! Até
amanhã. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: A
ciência progride melhor quando as observações nos forçam a mudar nossas ideias
preconcebidas. Pensamento da astrônoma estadunidense Vera Rubin
(1928-2016), pioneira dos estudos sobre as curvas de rotação das galáxias
espirais, que expressava: A ciência é competitiva,
agressiva, exigente. Também é imaginativo, inspirador, edificante. Minhas conquistas na ciência vieram porque eu
sabia o que queria fazer, e encontrei, como colegas de profissão, astrônomos
gentis e prestativos. Nunca me senti desencorajada pelos que foram
desencorajadores algumas vezes. Ao invés disso, insisti em trabalhar para
solucionar problemas que estavam fora da astronomia ‘mainstream’ para que eu
pudesse trabalhar no meu próprio ritmo, sem ser pressionada por temas mais
populares. Não digo isso para servir de exemplo a vocês, mas só para mostrar que
há diferentes abordagens possíveis para a ciência. Tem que haver. A ciência é
competitiva, agressiva, exigente. Mas também é imaginativa, inspiradora,
edificante. Vocês também podem.
O TEATRO
DE CONCHA
MÉNDEZ
Eu gostaria de ter vários sorrisos avulsos e um vasto
repertório de maneiras de me expressar. Então, sozinha, você não me deixou, que
eu estou comigo mesma e é o suficiente para mim, como sempre fui. E se eu olhar
para a sombra onde a luz se dissolve, também tenho medo de dissolver e entre as
sombras ficarei confusa para sempre. Como último retrato, nossos olhos
impressos brilharão. A vida é um cervo irremediavelmente ferido, que flechas
lhe dão veneno e asas.
CONCHA MÉNDEZ - A arte da poeta, dramaturga e roteirista espanhola Concha Méndez (1898-1986),
que pertencia ao grupo Sinsombrero e autora de peças teataris como El ángel
cartero (1929), El personaje presentido (1931), El pez
engañado (1933), El carbón y la rosa (1935), Las
barandillas del cielo (1938), El solitario (Amor) (1941), entre
outras. Veja mais aqui.
A FOTOGRAFIA DE CHARLS SCHENK
PERNAMBUCULTURARTES
Espero que o extermínio da juventude negra, que não é só física, não
caia sobre o meu trabalho, para que outras mulheres que venham depois acreditem
e achem possível viver do que se gosta e do que se sabe fazer. É por elas que
estou aqui.
A arte da cantora Una, que é filósofa de
formação e se lançou em 2013 como Aninha Martins e lançou o seu primeiro álbum,
Esquartejada (Independente, 2019), resultado de seis anos de pesquisas em
um campo eclético, que vai da MPB ao punk rock, reflexões intimistas, uma
pitada de niilismo e um humor sabido.
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O Bom
Pastor: as histórias e os afetos, organizado por Karina Vasconcelos aqui.
Agruras
da lata d’água, do poeta, compositor e intérprete Jessier Quirino aqui.
A música de Ozi dos Palmares aqui.
Sabedoria ou mediocridade?
Diálogos no reino encantado das águias, do filósofo e historiador Reginaldo
Oliveira aqui.
Água,
Vida Água, do poeta e ativista cultural João de Castro aqui.
A mora
de ferro aqui.
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