segunda-feira, junho 23, 2008

SUSANNE LANGER, MARIO DE ANDRADE, DJANIRA SILVA, RITA TABORDA DUARTE, JAYME CORTEZ, MANOEL BENTEVI & TRÂMITE DA SOLIDÃO


A arte do quadrinista luso-brasileiro Jayme Cortez (1926-1987)

SEGUNDA-FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO - Não estou morto e respirei aliviado. Veio o sol e não sei nada, nem me eternizo. Não tenho ninguém para ficar comigo a esta hora e as pessoas patéticas e tolas, saíram para não sei quê nem onde: fabricam sonhos nas ruas. Os barulhos indômitos refazem a cidade de pernas pro ar. Sorrio e choro, lavando o destino. Nenhuma ressurreição no tempo: o sisifismo louco dos dias e a contagem regressiva das horas. Coabita comigo as imagens de ontem e a migração dos ponteiros no corrimão tortuoso da manhã. Ademais, me deprimo com tudo isso: tudo no espelho. Não estou morto e respirei aliviado com o amanhecer. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


DITOS & DESDITOS – A arte é criação de formas simbólicas do sentimento humano. Pensamento extraído da obra Filosofia em nova chave (Perspectiva, 1971), da filósofa, escritora e educadora estadunidense Susanne Langer (1895-1985). Veja mais aqui.

ALGUÉM FALOU: A arte é social porque toda obra de arte é um fenômeno de relação entre os seres humanos. Pensamento do escritor Mario de Andrade (1893-1945). Veja mais aqui.

AS TATUAGENS DA MORTEQuem me chamou aqui? Quem trouxe a bebida amarga, o vinho envenenado e me obrigou a beber? Quem me pediu para ficar? A vida entrou no meu corpo feito uma tempestade. O silêncio violentou o meu sorriso. Não posso ignorar o que não quero ver, quando nem sei distinguir verdades e mentiras [...] Tenho que lembrar de tudo antes que o tempo sopre. [...]. Trechos de conto da escritora e ensaísta Djanira Silva do Rego Barros.

CHAMAM-LHE AMOR - Há que dar às coisas nomes curtos e simples, / para que a palavra nos venha aos lábios / obedientemente canina, / mas o certo / é que lhe poderíamos dar um outro nome / – qualquer um – / Boby, Tejo ou Lassie, fora o amor uma cadela / parida com as tetas maceradas a roçar o chão. / Qualquer nome lhe daríamos, ao amor / e o resultado seria sempre o mesmo: / Um ganido tímido / a morder-nos de cio o coração da noite. Poema da escritora, professora e crítica literária portuguesa Rita Taborda Duarte.


PARO TODO MOVIMENTO DO ESTADO,
SÓ FUNCIONA O RECIFE SE EU QUISER

Manoel Bentevi

Se eu chegar no Recife aperriado
Eu acabo com todas as fortalezas
Vou no Palácio do Campo das Princesas
Paro todo movimento do Estado.
Na Assembléia não deixo um deputado
Na zona não fica uma mulher
Acabo as forças armadas que houver
Tranco banco, instituto, inspetoria,
Fecho hospitais, detenções, secretarias
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo guarda civil, cabo, soldado,
Comandante chefe do Estado Maior
Prendo tenente, capitão, prendo major
Paro todo movimento do estado.
Prendo telegrafo, imprensa, consulado,
Emissora não deixo uma sequer,
Prendo a Lloyd, a costeira e a Panair
Paro o transito, não passa mais ninguém
Da estação central não sai um trem
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo médico, doutor, advogado,
Prendo juiz de direito e promotor
Prendo prefeito e prendo vereador
Paro todo movimento do estado.
Prendo o governo, prendo secretariado
Só Deus resolve na terra o que eu fizer
Prendo moça, menino, homem e mulher
Tapo as águas do rio Beberibe
Corto o curso do rio Capibaribe
Só funciona o Recife se eu quiser.

Paulo Afonso eu deixo desmantelado
Vou quebrar as barragens e as turbinas
Quebro os quadros e depois quebro as bobinas
Paro todo movimento do Estado.
Transformador um por um deixo quebrado
Rebento toda as torres que houver
A linha de transmissão se ainda tiver
Eu rebento toda ela em meio dia
De Paulo Afonso não sai mais energia
Só funciona o Recife se eu quiser.

Lá na boca da barra eu dou um brado
Nos armazéns não atraca mais navio
Do Capibaribe acabo o delta aterro o rio
Paro todo movimento do estado.
Beberibe e Gurjau deixo aterrado
Não deixo um litro d´áqua sequer
Pra ninguém não dou chá nem dou colher
Homem mais brabo eu tranco na enxovia
Por enquanto só deixo a reitoria
Só funciona o Recife se eu quiser.

Dois Irmãos dessa vez deixo trancado
Nos domingos jamais ninguém visita
Em Mourão Filho não deixo uma guarita
Paro todo movimento do estado.
Vou acabar com faculdade e juizado
O aeroporto e o Ibura e outro qualquer
E algum aeroporto que ainda houver
Acabo o Náutico, o Esporte e o Santa Cruz
Acabo até a procissão do Bom Jesus
Só funciona o Recife se eu quiser.

Eu derrubo arranha-céu, casa, sobrado
Fecho o comercio, acabo as padarias
Laboratórios, farmácias e drogarias
Paro todo movimento do estado.
Carro-tanque canhão carro blindado
Porta-avião, baleeira se tiver
Todo carro de praça que houver
Arranco a pista isolo toda a entrada
No Recife não entra nem sai nada
Só funciona o Recife se eu quiser.

Mas isso foi um sonho muito pesado
Que eu sonhei certa vez quando dormi
Uma voz no ouvido me dizia
Paro todo movimento do estado.
Acordei tristemente atribulado
Vi que era uma coisa sem mister
Não encontrei uma pessoa sequer
Que me dissesse o que tinha acontecido
E uma voz me dizendo no ouvido
Só funciona o Recife seu eu quiser.


FONTE
BENTEVI, Manoel. Desmanchando o nordeste em poesia. Palmares: Bagaço, 1986. Veja mais aqui, aqui , aqui e aqui



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