O MONSTRO DO PONTILHÃO
DO MATADOURO - O que é aquilo? De
dia o burburinho do sobe-desce: quem vai pro trabalho, pra fila da previdência,
pra vida ou pra morte, pro raio que o parta. Tudo tranquilo, apesar do nome
agourento daquelas paragens. Quem vai não está nem aí, como quem vem muito
menos. O dia é só tudo ali cheio de pernas pra cima e pra baixo. Bastam os
primeiros raios do crepúsculo, a cisma e presságios no arrebol: as sombras da
noite libertam os males das funduras do invisível. É a hora que se vê até o não
visto, inexistente, o malassombrado. Escureceu e o pontilhão ganhava ar de
mistério: tem coisa no matadouro. E é? É. Ninguém sabe, mas que tem, tem. Só uma
coisa era dada como certa: as almas dos mortos se libertaram pra se vingar
dos viventes. Vixe! Pronto, começava a agonia. E logo um apontava, outro
curioso, junta gente: Que coisa é aquela ali no pontilhão, hem? Parece um
lobisomem. Nada, uma alma penada. É o filho da Besta Fubana. Tais doido é?
Aquilo é o maquinista da Maria Fumaça fantasma. Oxe, é um monstro do inferno!
Ou será um alienígena maligno? Não tinha quem passasse de jeito nenhum. Quem
subia parava do lado de cá, freio de mão puxado: Vou nada, vai que me ataca. Torava
aço, quem não. Do lado de lá, do mesmo jeito, tudo amedrontado, enfincado de pé
no chão: Vai que endoida, aí mora o risco. Ninguém ia, ninguém vinha. Que marmota
é essa? Quem sabe! Deu merda. O primeiro que chegou perto, olhou no olho,
sentiu o calafrio, arrepiou-se, travou a tripa gaiteira, criou coragem e saiu
correndo que nem louco: Vôte! O bicho nem se mexeu e o cabra fugiu de medo! Não
demorou muito, o segundo a mesma coisa: subisse, chegava perto, conferia e via
o que era para sair corrido de pânico. O que é que é, hem? Maldição do
matadouro. Hem? E assim o terceiro, outros, muitos. E ninguém vai tomar uma
providência não? É coisa do além, mexa não. Agora deu. Aí chegou a polícia, sentido,
armas em punho, de longe mesmo começou a mirar, aos pipocos, dum lado pro
outro, o alvo se movia até desaparecer noite adentro. Pronto, agora sim. Aí o
povo empancado do lado de cá e do lado de lá seguia em paz para casa, guardando
a lembrança da má situação. Tem coisa aprontando no matadouro, saíram todos
cabisbaixos, pensativos. No outro dia, não deu outra: entre bocas e ouvidos, o
assunto da manhã e da tarde, até se confrontarem novamente: Olhele lá, de novo!
Isso é uma maldição! Das duas uma: ou quer matar cada um de susto ou vai deixar
tudo cagado de frouxo! Cadê a polícia pra tirar essa coisa ruim do caminho da
gente, ora. Ah, o dia amanhece e ninguém resolve essa bronca! Mais de hora,
tudo atrapalhado, chega a polícia, bala pra cima, a correria, o destino
desempancado, todos pra casa, e assim mais um dia, outro. Lá estava ele, no
mesmo lugar. Ninguém toma providência não é? Já era uma maldição, todo santo
dia, escureceu, a fatalidade. Num disse que era coisa dos mortos do matadouro!
Lá só mata boi, cavalo, cabra, cabrito! E gente também, viu? Aquilo é um morto
revoltado. E feio que doi! É o monstro do matadouro! Apelaram pra tudo: juiz,
prefeito, bispo, polícia, apareceu exorcista, pistoleiro, profeta, força tarefa,
tudo para dar cabo daquele causador de temores. Mesmo caçado com tochas, lanternas,
luminárias, sumia de só se ver ao por-do-sol. O monstro ganhou prestígio e a
antipatia popular. As portas se fechavam, ninguém estava seguro nas ruas, o
medo tomou conta de todos. Mas o que seria mesmo, hem? O filho da
perna-cabeluda, o enteado do chupa-cabra, que droga é nove? A coisa do
matadouro, a criatura ruim. Ninguém conseguia dormir de tanto pavor. Fizeram vigília
e só quando o dia amanheceu é que viram. Como é que pode? Também, uma desgraça
dessa de ocrídia, nem ogro há mais horroroso. É mesmo, de noite mete medo com
tanta feiura. Vai ser desengraçado assim lá longe, feioso! Coitado do Dunga,
guardado em si, enjeitado por todos, nunca fez nada de mal, só ali, olhando
quem vai e quem vem, até ser confundido com qualquer coisa medonha no
lusco-fusco. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS
[...] Os problemas mais
graves da vida moderna derivam da reivindicação que faz o individuo de
preservar a autonomia e a individualidade de sua existência em face das
esmagadoras forças sociais, da herança histórica da cultura externa e da técnica
de vida. [...].
Trecho de A metrópole e
a vida mental, extraído de O fenômeno
urbano (Zahar, 1967), do sociólogo e professor
alemão Georg Simmel (1858-1918), que defende que a sociedade é
produto das interações entre os indivíduos, tendo em vista que uma sociedade
toma forma a partir do momento em que os atores sociais criam relações de
interdependência ou estabelecem contatos e interações sociais de reciprocidade.
Veja mais aqui.
DALTON DÁ A RECEITA DE CURITIBANA
O escritor
Dalton Trevisan responde ao poeta Vinicius de Morais na peça Receita
Curutibana: “o poeta bem me perdoe beleza não é fundamental”. A peça
teatral é uma reunião de textos do autor numa observação perspicaz do
cotidiano, carregada de provocação e erotismo, com personagens como o professor
e a aluna, noiva, o tio, a ninfeta, entre outras. Foi montada pela Cia Máscaras
de Teatro, com direção de João Luiz Fiani que adaptou 16 histórias eróticas. Veja mais do autor aqui, aqui e aqui. E mais de teatro aqui e
aqui.
A FOTOGRAFIA DE YÊDA BEZERRA DE MELLO
TAVITO CARVALHO
A edição de hoje é dedicada à memória do amigo cantor,
compositor e músico Tavito (Luís
Otávio de Melo Carvalho – 1948-2019). Veja mais aqui, aqui e aqui.