PALADINO & O
JEGUE DE PAUL - Zé Pistola dizia
que carregava muitas mortes nas costas, mesmo sem nunca ter matado nada nem
ninguém. Também, com uma alcunha desta, queria o quê? Paladino era o seu nome,
sem sobrenome, só apelido. Nasceu em mil novecentos e não sei quanto, dizem, duma
chocadeira, ninguém sabendo ao certo se parido por gente ou bicho. Criou-se
numa pocilga e se servia da lavagem dos porcos e só. Cresceu soez pelas ruas à
custa de mandados e biscates, até já quase adulto se deparar com um jumento que
lhe bateu na afeição. Já galalau franzino, tinha uma cara de prato, bigode ralo
embaixo da venta espragatada, pardo do cabelo tuim, pernas longas de varapau,
braços compridos de mãos longas num tronco atarracado, desprovido de pescoço e
olhar meio desmiolado. Pra ele o jerico tinha lá seus atributos: dava as horas
com seu rinchado e toda vez que ouvia o seu renitente roim-roim, sabia que era o
momento das refeições ou de compromissos que ele imaginava de seu. Nessa hora
escapolia para graça da caridade, quando não para catar algum alimento ou se
apropriar dos desatentos algum prato de comida. Descuidasse da gororoba, ele
zarpava furtivo enchendo a pança. Nem ligavam. Havia, de certo, o falatório que
ele não batia bem da bola, razão pela qual, contraditoriamente ele se considerava
um justiceiro caubói, defensor da justiça na defesa de pobres e oprimidos como
ele, desde o dia que atrepado por cima do muro, assistiu numa matinê de domingo
do Apolo a um desses faroestes de época. Desde então, vivia montado no jegue de
Paul que ele chama de Bucéfalo – nome que ele achava, desde que ouviu pela
primeira vez, a coisa mais linda do mundo – e o bicho atendia, levando-o escondido
pelas matas nos confins de tudo. Armado de uma peixeira de plástico, achava o
mais corajoso e forte entre os homens. Ninguém soube como ele adquiriu um
trinta e oito canela seca, sem balas, que pendurava no cós do calção, dando
pipocos com a boca como se atirasse nas coisas e seres, a esmo. É certo que ele
não gostava de puxar brigas nem apartá-las, mas arrotava bravura inata. Vivia de
fuga das supostas mortes e perseguição da polícia, montado na costela do burro,
evadindo-se para lá e para cá, entre lugarejos, arruados e rodagens: Serro
Azull, SantAntonho das Trempes, Japaranduba, Pirangi, Catuama, Xareta, andejo
que só, à cata duma lata de sardinha ou de conserva, ou mesmo dum bom
passatempo. Seu principal atrativo era ficar de butuca nas intimidades das
lavadeiras nas beiras dos rios, riachos e brejos. Não tinha como usar das casas
de tolerância, por isso morria na mão assistindo a seminudez das mulheres
ensopads e com as roupas coladas no corpo deixando à mostra as partes pudendas cobiçadas.
Lá pras tantas, quando tinha chance, saía todo sem jeito para atrair a que lhe
caísse nas graças, atrás dos requebros da lascívia dela. Donzelão, não sabia o
que fazer na horagá. E caía na risadagem com futucados e beliscões. O parceiro asno
que, apesar do nome, não era besta nem nada, seguia-lhe os passos,
aproveitando-se para dar uma lambidela na priquita duma quartuda de bunda pra
cima esfregando roupa na pedraria, dela tremer-se toda arrepiada. Já era costume
do burrico cheirador de xibiu, espichar o focinho na intimidade entre as coxas
das mulheres. Até que todo dia uma delas até se ajeitava prele passar os beiços
úmidos lá nela, correndo o boato dele andar amasiado, às escondidas, toda vez
que descia ao riacho, coisa que dizem já terem visto dela correr nua com ele
atrepado nas costas, todo armado na garupa da bunduda. Um espetáculo de se ver
e Zé Pistola só na maior torcida prele empurrar tudo na fogosa, urra, aprendendo
o métier. Apreciava também uma briga de galo e ficava todo ancho peruando a
favor de um ou doutro. Afinal, pra ele, a vida não era lá muita coisa. Sem moedas
no bolso nem centavo algum na algibeira, se defendia da sua solidão como podia.
Entre ribeirinhos e cachaceiros era o seu convívio e se tinha culpa no
cartório, tudo em legítima defesa, asseverava. Não queria fazer feio na vida, mantinha
o decoro ao que parece, plantado ao lado dos balcões das vendas, bodegas e armazéns,
apreciando brotes, salames, charques gordas, farinha e pinga. Tomava da sua
homenageando o santo de devoção e sempre arrotava que é importante ser valente
e, por isso, passou por maus bocados, engulhando situações vexatórias. Cumprir pena?
Isso não era coisa pra homem decente, valia-se todo estouvado. E se cometeu algum
delito na vida, deve ter sido por descuido, na oportunidade de afanar sorrateiramente
alguma roupa nos varais da vida – vez em quando aparecia com uma camisa ou
calça ou bota diferentes, nada de novo, já surradas de outros suores -, e ter
matado de raiva os seus donos. Ou mesmo por ter matado as horas com coisas,
diga-se lá desimportantes para alguns, como seguir o labor das formigas, ou bailado
dos peixes nas águas, o avoado de vagalumes e borboletas nos ares, coisas dessas,
assim. Nunca mais ele deu as caras por aí, nem se ouviu mais o relinchado do
jegue de Paul. Com o tempo, se perderam na memória como tudo o mais. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS
[...] Uma coisa é saber da história segundo
historiadores, e outra é vê-la através dos olhos que a viram. Por mais
verdadeira que possa parecer um documento, por mais nítida que seja uma crônica
e por mais ressonante que seja uma tradição, nada se assemelha à pintura feita
por quem apenas desejou deixar para o sempre a imagem porventura contemplada
[...].
Trecho
extraído da obra Albert Eckhout: Pintor
de Mauricio de Nassau 1637-1644 (Livrarte, 1981), de Clarival do Prado
Valladares e Luiz Emygdio Melo Filho.
DANÇAS POPULARES & FREVO
As obas Danças
populares como espetáculo público no Recife de 1970 a 1988 (Fundarpe/SEC,
1993) & Frevo – Uma apresentação
coreológica (Funcultura, 2017), da historiadora e pesquisadora doutora em
Dança pela University of Surrey, Maria
Goretti Rocha de Oliveira, trata sobre os espetáculos de danças populares
por meio da pesquisa realizada, através de leituras, entrevistas com artistas e
participação em aulas, além de reflexões que produzem um panorama das mini
partituras dos movimentos do frevo, analisando a qualidade do que é dançado e
como se dança. Veja mais aqui.
VALE DO UNA: A LENDA DO NOME
QUIPAPÁ
Em certo tempo, o diabo e um dos seus filhos andaram em
excursão por essas paragens, e disso resultou ficarem conhecidos muitos lugares
onde tocaram por vocábulos e expressões que então usaram. Depois de longa
caminhada, o filho vencido pelo cansaço, vinha já carregado pelo diabo, que,
também bastante estafado, o trazia carregado às costas. Desejosos, ambos, de
encontrar um local onde pudessem descansar, moviam-se a passos tardos. De
súbito, depararam com aprazível paragem, precisamente onde agora se encontra a
cidade de Quipapá. Exclamou, então, o filho: “Aqui, papá”. Uma segunda versão é
dada pela abundância de caça nas matas que então havia no local. Nela encontravam
os habitantes, nos seus arredores, farta e pródiga fonte de abastecimento, ou,
como diziam todos: “O que papar”. Já buscando o significado do termo oriundo do
tupi, decompondo-se em “qui-pã” que significa ponta, estilete, espinho cravado,
atolado e introduzido; e quipá, com relação ao cardo rasteiro dos sertões do
norte do Brasil, tenaz, torquês, planta pertencente à família das cactáceas,
própria dos terrenos áridos e arenosos e das zonas de clima quente e seco. A
cactácea espinhosa era chamada pelos gauranis de quimpã e pelos tupis de quipá.
Assim, alusiva à questão toponímica quipapauara, trata-se de contração de
quipáquipá, ou seja, o plural de quipá. Por outro lado, trata-se de uma palavra
de origem africana, corruptela de quipacá, que significa asilo de fugitivos,
refugio, guarida ou couto de vagabundos. Há um registro histórico de que os
quipapás, aliados aos Xocós e Humuns, invadiram em 1843 o termo de Jardim,
roubando e incendiando casas, nos territórios compreendidos pelos estados de
Pernambuco e Paraíba.
Extraído da obra Quipapá:
fases e aspectos de suas histórias (CEHM, 1986), do médico, escritor e
pesquisador de José Vicente Valença
Junior (1900-1976). Veja mais aqui e aqui.
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A nossa mais elevada tarefa deve ser a de
formar seres humanos livres que sejam capazes de, por si mesmos, encontrar
propósito e direção para suas vidas.
&
muito
mais na Agenda aqui.