TRÂMITE DAS HORAS – Imagem: arte do pintor russo Viacheslav Korolenkov. - As mãos ao rio e as espirais das ondas desmancham a minha
efigie. À primeira vista o espelho mente a minha integridade, desfeita fisionomia
em mim esvanecida, embora nem saiba o tempo, poderia ao menos ouvir a voz
inaudita que clama dentro de todas as coisas. Tanto mais soubesse, esqueceria.
Só de relance se vê coisas inacreditáveis. Na foz do dia sou mais de mil em
ânimos e desânimos, mais que a ventania na hora agitada, mais que o furor
pulsando na barra do desejo. Ainda ontem sobrevivi às teimas, hoje bem menos,
será, por isso, sei das trevas em cada esquina divisada, não sei, o fato existe
no que possa ser a descoberta dias depois da surpresa. Salvo o presente como posso
pendurado ao gancho do momento, atravessando a corda bamba das circunstâncias
que se dizimam a cada instante. Às vezes penso tudo foi feito de ontem e amanhã
pode ser nunca mais. É bem provável se eu tivesse um faroleiro para me guiar,
não seria a noite escura meu alento. Nem mesmo as insondáveis lembranças
perdidas reconstruíram o que foi demolido com o passar dos anos. Mais tivesse
de esperança não saberia o que fazer dos meus escombros. Quem sabe, pudesse
cantar mais alto talvez me salvasse do silêncio alheio. Não, acho não, poderia
assustar as pessoas meu desentoo, ou incomodá-las meu destempero. Quanto desconforto
e isso é quase nada para um estrangeiro que não sabe o que dizer de suas
necessidades aos passantes que desolham as margens com as paisagens dos seus
próprios sonhos. Pra mim é tão cedo de tão tarde e não poderia mais dormir ou
nunca mais acordar. Nem sempre o Sol cabe nas mãos, acaso se nem fosse visto
como uma lêmure que zanza impune sem paradeiro certo. Quase nem me dei conta de
que tudo passa e fica só o aprendido, lições demais. Chovesse mais, seria
apagado; ao fogo, seria eu o descarte das cinzas. Hoje as mãos fora d’água apontam
o incerto, quem sabe Deus revele o desconhecido da memória perdida. Nem eu sei
mais, o trâmite da solidão. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
Veja mais abaixo e aqui.
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PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando
terminei os estudos, tentei trabalhar num laboratório. Contudo, o exercício foi
bastante penoso e frustrante. Primeiro, tentaram me convencer de que ninguém
conseguiria emprego em pesquisa química durante a depressão. Quando finalmente
reconheceram que eu era qualificada, levei outro choque: advertiram-me que
nunca mulher nenhuma tinha trabalhado naquele laboratório e que eu poderia me
transformar em “elemento de distração” para o restante dos pesquisadores. Mas
isso foi apenas o começo do grande pesadelo. Durante mais de 40 anos,
testemunhei interminável batalha feminina para conseguir entrar em instituições
científicas [...]. Trecho da entrevista concedida pela bioquímica
estadunidense e Prêmio Nobel de Medicina de 1988, Gertrude Elion (1918-1999), extraída da obra Conversações:
entrevistas essenciais para entender o mundo (Cultura, 2008), de João Lins de
Albuquerque. Veja mais aqui.
A BELEZA E O ACASALAMENTO – [...] Na
posição primata costumeira, a fêmea apresenta o posterior ao macho, sendo o
intercurso breve, cru e com uma finalidade. [...] o sexo se tornava agora ativamente agradável, bem como instintivamente
premeditado – e a busca do prazer e consecução do objetivo tiveram sua
influência, por vezes óbvia, por vezes sutil, em todo o curso subsequente do
desenvolvimento humano. Houve inúmeras mudanças associadas. Na época em que foi
usualmente adotada a posição frontal, os primitivos humanos sem dúvida, já se
tinham livrado do pelame corporal de seus ancestrais [...] a nova posição produziu o que descreve o
geneticista britânico C. D. Darlington como “a grande variação anatômica da
genitália entre as raças humanas e indivíduos de hoje”. O caso clássico é o dos
Bushman, do Kalahari. A mulher Bushman possui um mons púbis incomumente amplo,
de maneira que o homem precisa ter um pênis quase horizontal para ultrapassá-lo
– um eterno tema de humor entre as tribos vizinhas e, sem dúvida, um fator contributivo
para que os Bushman as antagonizem. [...] No mundo vivente, apenas uma espécie de serpente parece partilhar com a
humanidade a capacidade de concluir um acasalamento contra a vontade da fêmea. [...]
Durante todo o tempo em que a humanidade
empregou a antiga posição de acasalamento dos primatas, o homem tinha apenas
uma visão do posterior de seu parceiro sexual, de maneira que parece ter
encontrado satisfação estética em nádegas opulentas e arredondadas. A mulher
não tinha visão alguma. A ela, talvez, deveria ser acreditada a filosofia de
“comportamento vale mais que a aparência”. Entretanto, quando surgiu a mudança
o entusiasmo do homem pelas nádegas declinou [...] Também o rosto começou a ganhar importância entre ambos os sexos [...].
Trecho extraído da obra O sexo na história (Francisco Alves, 1983) da
historiadora e escritora britânica Reay Tannahill (1929-2007). Veja mais
aqui e aqui.
A LENDA DO LAGO DE SZIRA – [...] no
vale estreito, que as águas do Szira cobrem atualmente, existia, outrora, prospera
e rica cidade habitada pelos tártaros Ouigur – povo guerreiro que chegou a
dominar grande parte da Ásia Central. Em suntuoso templo dessa rica metrópole,
encontrava-se, sob grande laje, sepultado o corpo de Almagor, o último rei
Ouigur. Quis o destino que os mongóis de Gêngis-Cã invadissem os domínios de
Almagor. Atacaa pelo poderoso inimigo, a cidade foi facilmente vencida e
saqueada. Os bárbaros conquistadores massacraram os homens e escravizaram as
mulheres. No dia em que a cidade caiu em poder dos mongóis, rompeu-se, como por
encanto, a pedra que cobria o túmulo do rei Almagor. A sombra imponente desse
monarca surgiu e fez-se ouvir, lúgubre, impressionante a sua voz: - Chorai, ó
mulheres tártaras! Chorai lágrimas salgadas de aflição e desespero! Chegou o
último dia do povo Ouigur! Sensibilizadas com as palavras do rei tão querido, que
o amor à pátria fizera erguer da tumba, as mulheres puseram-se a chorar. E
prantearam suas amarguras, dia e noite, sem descanso. Ordenaram os vencedores
que elas dessem fim àquelas lamentações aflitivas. As mulheres de Ouigur,
porém, não atenderam à intimação dos tiranos e continuaram com seus gemidos e
soluços. [...] Os guerreiros de
Gêngis-Cã, exasperados com aquelas lamuria intermináveis e impelidos por
indomável furor sanguinário, degolaram, sem piedade, as prisioneiras. As
infelizes escravas, porém, mesmo depois de mortas, continuaram a chorar
incessantemente, e suas lágrimas ardentes e abundantes, em gotas e gotas sem
fim, formaram caudalosa corrente. Esse rio de prantos invadiu o vale,
submergindo jardins, palácios e mesquitas. Surgiu, assim, pelas lágrimas das
inditosas esposas tártaras, o lago de Szira, em cujo seio dorme, para sempre, a
cidade de Almagor. [...]. Trechos extraídos da obra Novas lendas orientais
(Record, 1997), do escritor, pedagogo e matemático brasileiro Malba Tahan
(1895-1974). Veja mais aqui.
FLORES DO MAIS - Devagar
escreva / uma primeira letra / escreva / nas imediações construídas / pelos
furacões; / devagar meça / a primeira pássara / bisonha que / riscar / o pano
de boca / aberto / sobre os vendavais; / devagar imponha / o pulso / que melhor
/ souber sangrar / sobre a faca / das marés; / devagar imprima / o primeiro
olhar / sobre o galope molhado / dos animais; devagar / peça mais / e mais e / mais.
Poema extraído da obra Inéditos e dispersos (Ática/IMS, 1999), da escritora e
tradutora Ana Cristina César – Ana C. (1952-1983). Veja mais aqui e
aqui.
VIACHESLAV KOROLENKOV
A arte
do pintor russo Viacheslav Korolenkov.
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