sexta-feira, agosto 03, 2018

ANA CRISTINA CÉSAR, YAMANDU, GERTRUDE ELION, MALBA TAHAN, TANNAHILL, KOROLENKOV & TRÂMITE DA SOLIDÃO


TRÂMITE DAS HORAS – Imagem: arte do pintor russo Viacheslav Korolenkov. - As mãos ao rio e as espirais das ondas desmancham a minha efigie. À primeira vista o espelho mente a minha integridade, desfeita fisionomia em mim esvanecida, embora nem saiba o tempo, poderia ao menos ouvir a voz inaudita que clama dentro de todas as coisas. Tanto mais soubesse, esqueceria. Só de relance se vê coisas inacreditáveis. Na foz do dia sou mais de mil em ânimos e desânimos, mais que a ventania na hora agitada, mais que o furor pulsando na barra do desejo. Ainda ontem sobrevivi às teimas, hoje bem menos, será, por isso, sei das trevas em cada esquina divisada, não sei, o fato existe no que possa ser a descoberta dias depois da surpresa. Salvo o presente como posso pendurado ao gancho do momento, atravessando a corda bamba das circunstâncias que se dizimam a cada instante. Às vezes penso tudo foi feito de ontem e amanhã pode ser nunca mais. É bem provável se eu tivesse um faroleiro para me guiar, não seria a noite escura meu alento. Nem mesmo as insondáveis lembranças perdidas reconstruíram o que foi demolido com o passar dos anos. Mais tivesse de esperança não saberia o que fazer dos meus escombros. Quem sabe, pudesse cantar mais alto talvez me salvasse do silêncio alheio. Não, acho não, poderia assustar as pessoas meu desentoo, ou incomodá-las meu destempero. Quanto desconforto e isso é quase nada para um estrangeiro que não sabe o que dizer de suas necessidades aos passantes que desolham as margens com as paisagens dos seus próprios sonhos. Pra mim é tão cedo de tão tarde e não poderia mais dormir ou nunca mais acordar. Nem sempre o Sol cabe nas mãos, acaso se nem fosse visto como uma lêmure que zanza impune sem paradeiro certo. Quase nem me dei conta de que tudo passa e fica só o aprendido, lições demais. Chovesse mais, seria apagado; ao fogo, seria eu o descarte das cinzas. Hoje as mãos fora d’água apontam o incerto, quem sabe Deus revele o desconhecido da memória perdida. Nem eu sei mais, o trâmite da solidão. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista e compositor Yamandu Costa: In Concert, Jazz à Porquerolles, Ao vivo & com Dominguinhos & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aquiaqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando terminei os estudos, tentei trabalhar num laboratório. Contudo, o exercício foi bastante penoso e frustrante. Primeiro, tentaram me convencer de que ninguém conseguiria emprego em pesquisa química durante a depressão. Quando finalmente reconheceram que eu era qualificada, levei outro choque: advertiram-me que nunca mulher nenhuma tinha trabalhado naquele laboratório e que eu poderia me transformar em “elemento de distração” para o restante dos pesquisadores. Mas isso foi apenas o começo do grande pesadelo. Durante mais de 40 anos, testemunhei interminável batalha feminina para conseguir entrar em instituições científicas [...]. Trecho da entrevista concedida pela bioquímica estadunidense e Prêmio Nobel de Medicina de 1988, Gertrude Elion (1918-1999), extraída da obra Conversações: entrevistas essenciais para entender o mundo (Cultura, 2008), de João Lins de Albuquerque. Veja mais aqui.

A BELEZA E O ACASALAMENTO – [...] Na posição primata costumeira, a fêmea apresenta o posterior ao macho, sendo o intercurso breve, cru e com uma finalidade. [...] o sexo se tornava agora ativamente agradável, bem como instintivamente premeditado – e a busca do prazer e consecução do objetivo tiveram sua influência, por vezes óbvia, por vezes sutil, em todo o curso subsequente do desenvolvimento humano. Houve inúmeras mudanças associadas. Na época em que foi usualmente adotada a posição frontal, os primitivos humanos sem dúvida, já se tinham livrado do pelame corporal de seus ancestrais [...] a nova posição produziu o que descreve o geneticista britânico C. D. Darlington como “a grande variação anatômica da genitália entre as raças humanas e indivíduos de hoje”. O caso clássico é o dos Bushman, do Kalahari. A mulher Bushman possui um mons púbis incomumente amplo, de maneira que o homem precisa ter um pênis quase horizontal para ultrapassá-lo – um eterno tema de humor entre as tribos vizinhas e, sem dúvida, um fator contributivo para que os Bushman as antagonizem. [...] No mundo vivente, apenas uma espécie de serpente parece partilhar com a humanidade a capacidade de concluir um acasalamento contra a vontade da fêmea. [...] Durante todo o tempo em que a humanidade empregou a antiga posição de acasalamento dos primatas, o homem tinha apenas uma visão do posterior de seu parceiro sexual, de maneira que parece ter encontrado satisfação estética em nádegas opulentas e arredondadas. A mulher não tinha visão alguma. A ela, talvez, deveria ser acreditada a filosofia de “comportamento vale mais que a aparência”. Entretanto, quando surgiu a mudança o entusiasmo do homem pelas nádegas declinou [...] Também o rosto começou a ganhar importância entre ambos os sexos [...]. Trecho extraído da obra O sexo na história (Francisco Alves, 1983) da historiadora e escritora britânica Reay Tannahill (1929-2007). Veja mais aqui e aqui.

A LENDA DO LAGO DE SZIRA – [...] no vale estreito, que as águas do Szira cobrem atualmente, existia, outrora, prospera e rica cidade habitada pelos tártaros Ouigur – povo guerreiro que chegou a dominar grande parte da Ásia Central. Em suntuoso templo dessa rica metrópole, encontrava-se, sob grande laje, sepultado o corpo de Almagor, o último rei Ouigur. Quis o destino que os mongóis de Gêngis-Cã invadissem os domínios de Almagor. Atacaa pelo poderoso inimigo, a cidade foi facilmente vencida e saqueada. Os bárbaros conquistadores massacraram os homens e escravizaram as mulheres. No dia em que a cidade caiu em poder dos mongóis, rompeu-se, como por encanto, a pedra que cobria o túmulo do rei Almagor. A sombra imponente desse monarca surgiu e fez-se ouvir, lúgubre, impressionante a sua voz: - Chorai, ó mulheres tártaras! Chorai lágrimas salgadas de aflição e desespero! Chegou o último dia do povo Ouigur! Sensibilizadas com as palavras do rei tão querido, que o amor à pátria fizera erguer da tumba, as mulheres puseram-se a chorar. E prantearam suas amarguras, dia e noite, sem descanso. Ordenaram os vencedores que elas dessem fim àquelas lamentações aflitivas. As mulheres de Ouigur, porém, não atenderam à intimação dos tiranos e continuaram com seus gemidos e soluços. [...] Os guerreiros de Gêngis-Cã, exasperados com aquelas lamuria intermináveis e impelidos por indomável furor sanguinário, degolaram, sem piedade, as prisioneiras. As infelizes escravas, porém, mesmo depois de mortas, continuaram a chorar incessantemente, e suas lágrimas ardentes e abundantes, em gotas e gotas sem fim, formaram caudalosa corrente. Esse rio de prantos invadiu o vale, submergindo jardins, palácios e mesquitas. Surgiu, assim, pelas lágrimas das inditosas esposas tártaras, o lago de Szira, em cujo seio dorme, para sempre, a cidade de Almagor. [...]. Trechos extraídos da obra Novas lendas orientais (Record, 1997), do escritor, pedagogo e matemático brasileiro Malba Tahan (1895-1974). Veja mais aqui.

FLORES DO MAIS - Devagar escreva / uma primeira letra / escreva / nas imediações construídas / pelos furacões; / devagar meça / a primeira pássara / bisonha que / riscar / o pano de boca / aberto / sobre os vendavais; / devagar imponha / o pulso / que melhor / souber sangrar / sobre a faca / das marés; / devagar imprima / o primeiro olhar / sobre o galope molhado / dos animais; devagar / peça mais / e mais e / mais. Poema extraído da obra Inéditos e dispersos (Ática/IMS, 1999), da escritora e tradutora Ana Cristina César – Ana C. (1952-1983). Veja mais aqui e aqui.

VIACHESLAV KOROLENKOV
A arte do pintor russo Viacheslav Korolenkov.

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