EXORCISMO NA HORAGÁ – Imagem: arte da artista inglesa Tracey
Emin. - Assim do nada, chegou de repente a
notícia de uma mulher que corria bicho. Como é que pode? Autoenlouqueceu-se. Assim,
sem mais nem menos. Depois, envultou-se! Trela pra linguarudos: Oxente, ainda
ontem ela estava toda catita espalhada aos suspiros do sarro, coração de
beija-flor na maior das liberdades no namorico!?! Pois é, aluou-se. Quem vai
ver? O primeiro a pisar por aquelas bandas foi o Doro. Quando viu o desmantelo,
vôte, picou a mula e foi ter com o padre Quiba, tintim por tintim. Meio mundo
de gente acompanhando os detalhes. Não deu outra, o vigário ao ficar a par da
coisa, abriu da vela na hora. Pediu arrego e arribou. Quem é doido? Eita! E foram
ter com catimbozeiro, espírita, profetas e munganguentos. Nenhum topou a
parada. Aí, o Bidião que não era ainda padre nem nada, logo encarou a bronca. Danou-se!
Lá vai o noivo das pinguins de convento todo serelepe. Era a sua hora e, no caminho,
todo precavido, ensaiou logo umas orações fortes, armou-se de uma cachaça boa –
santo remédio, dizia, pressas ocasiões, quebradora de malditas bruxarias -, uma
carranca pequena em cada bolso, peito estufado e a coragem se acovardando. E o
povo atrás. Era chegado o momento. A mulher estava nua no cio e mirando o rio. Ao
vê-lo chegar, ela deu um ronco de balançar o mundo todo. Segurando-se como
podia, diante do estrupício, os santos não vogaram, ficou no aperto. Cada vez
que ela olhava pra ele, a bosta apertava pra sair tripa gaiteira afora. Fechou o
bocal da quartinha e jurou que não ia cagar fora do caco, jeito maneira. Ou era
homem ou não era, a prova dos nove. A carne é fraca, tremeu-se todo, torou um
aço da pega! A mulher amuada esfumaçava pelas ventas, soltava raio pelos olhos
vermelhos como tição, rogando pragas, ameaçando tudo. Ele, então, todo cheio
das tretas usou da malícia, aplicando uns truques que nem sabia e abriu uma
pauta com a diaba na encruzilhada do ribeirão. Rolou o maior lero: ele macio e
ela aos brados ruidosos de dar catabí na terra. Segura o tombo senão a casa
cai. Ao chegar perto dela, ela agarrou-se nele da poeira subir no saçaricado de
só se ouvir a voz dele: tico-tico, cirico, selerico, não tem pé, nem tem bico. Só
eu cisco pra pegar no seu priquito. E dançou agarrado, maior rastapé. Tu te
bole e eu me mexo, tiro fora e dentro deixo. Um pra lá, outro pra cá, pega
aqui, pega acolá. Entro enxuto e saio molhado, não tem quem me segure no
proseado. O vuque-vuque medonho, ninguém podia ver no meio da ventania,
trovões, relâmpagos e estouros. Só deu pra ver em dado momento ele com o
espinhaço envergado e ela afoita, montada nas partes pudendas dele como se num
cavalo rompedor, cavalgando aos urros e ele gritando: Ninguém pode com os poderes
de Deus! Foi pra mais de hora na peleja e só ao baixar da poeira que viram a
dita cuja estirada, os quartos de banda, toda oferecida, de deixar se levar
cela e cabresto pelo jeitoso todo ancho que, ainda por cima, fazia careta pra
todo mundo. Foi aí que se apagaram as luzes do firmamento, o mundo escureceu
com trovoadas faiscantes e um fumaceiro desgraçado com uma catinga de enxofre
de ninguém aguentar. Diziam ser a hora do desencantamento. O cabra é macho
mesmo, mandou ver na medida. É mesmo. O povo pasmado. De dentro dela saiu um
vulto enorme espocando raio pra todo lado. Calmamente Bidião ajeitou o pingolin
que estava mole do lado de fora, guardou no ajeitado e fechou o zíper. Depois ele
pegou do bolso as duas carrancas, e no chão uma em cada lado, abriu o frasco,
tomou de um gole e cuspiu fora. Uma cusparada certeira, bem no toitiço do
cabrunco. Oxe, o coisa-ruim na hora soltou um grito fino e foi se desmanchando,
ais e uis, virou fumaça e estourou. Ploft. Pronto, não deu outra: a partir de
então começou o falatório com as façanhas do Bidião. © Luiz Alberto Machado.
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RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música do compositor e flautista Altamiro
Carrilho
(1924-2012): Clássico em chorinho, Revive Pattápio, É o sucesso & Ao vivo &
muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Para caminhar pela vida protegido contra todo
medo, perigo e desastre, só duas coisas são necessárias, duas que andam sempre
juntas — a Graça da Mãe Divina e, ao seu lado, um estado interior composto de
fé, sinceridade e entrega. Que tua fé seja pura, cândida e perfeita. Uma fé egoísta
no ser mental e vital, contaminada por ambição, orgulho, vaidade, arrogância
mental, vontade própria vital, exigência pessoal, desejo pelas pequenas
satisfações da natureza mais baixa, é uma chama baixa e enfumaçada que não pode
queimar erguendo-se ao céu. Olhe tua vida como dada a você somente para o
trabalho divino e para ajudar na manifestação divina. Não deseje nada a não ser
pureza, força, luz, amplitude, calma, Ananda da consciência divina e sua
insistência para transformar e aperfeiçoar tua mente, vida e corpo. Não peça
nada a não ser a Verdade divina, espiritual, supramental, sua realização sobre
a terra, em você e em todos que são chamados e escolhidos , e as condições
necessárias para sua vinda e sua vitória sobre todas as forças que se opõem. Que
tua sinceridade e entrega sejam genuínas e inteiras. Quando se der, dê-se
completamente, sem exigência, sem condições, sem reserva, de modo que tudo em
você possa pertencer à Mãe Divina e nada seja deixado ao ego ou dado a algum outro
poder. [...]. Pensamento do escritor e filósofo
indiano Sri Aurobindo (1872-1950).
MANIFESTO: ARTE & ESPAÇO DE LIBERDADE - A arte não é verdadeira criação e fundação
senão quando cria e funda lá onde as mitologias têm seu próprio fundamento
último e sua própria origem. Para poder assumir o significado da própria época
a questão é, portanto, chegar à própria mitologia individual, no ponto em que
ela consegue identificar-se com a mitologia universal. A dificuldade está em
liberar-se dos fatos estranhos, dos gestos inúteis: fatos e gestos que poluem a
arte usual de nossos dias, e que por vezes são tão evidenciados que chegam ao
ponto de se transformar em emblemas de modos artísticos. O crivo que permite tal
separação entre o autêntico e a escória, que nos leva a descobrir, em uma
sequencia incompreensível e irracional de imagens, um complexo de significados
coerentes e ordenado é o processo de autoanálise. É através dele que nos
reconectamos a nossas origens, eliminando todos os gestos inúteis, tudo aquilo
que em nós é pessoal e literário no pior sentido da palavra: recordações
nebulosas da infância, sentimentalismos, impressões, construções intencionais,
preocupações pictóricas, simbólicas e descritivas, falsas angústias, fatos
inconscientes que não afloram à superfície, a imensa iluminção de sábado a
noite, a repetição contínua em sentido hedonista de descobertas exauridas –
tudo isso deve ser eliminado. Através desse processo de eliminação, o
originário humanamente atingível vem manifestar-se, assumindo a forma de imagens
que são nossas imagens primeiras, nossos “totens”, nossos e dos autores e
espectadores, pois são as variações historicamente determinadas dos mitologemas
primordiais (mitologia individual e mitologia universal identificam-se). Tudo
deve ser sacrificado a essa possibilidade de descoberta, a essa necessidade de
assumir os próprios gestos. A própria concepção habitual de quadro deve ser
abandonada; o espaço-superfície só interessa ao processo auto-analítico como
“espaço de liberdade”. E também não deve preocupar-nos a coerência estilística,
pois nossa única preocupação possível é a pesquisa contínua, a contínua
auto-análise, com a qual, apenas, podemos chegar a fundar morfemas
“reconhecíveis” por todos no âmbito de nossa civilização. Manifesto do
artista italiano Piero Manzoni (1933-1963), extraído da obra Escritos
de artistas: anos 60/70 (Jorge
Zahar, 2006), organizado por Gloria Ferreira e Cecília Cotrim.
IGITUR – [...] Este conto se
endereça à Inteligência do leitor que põe as coisas em cena, ela mesma. [...] Certamente
subsiste uma presença de Meia-noite. A hora não despareceu por um espelho, não
fugiu em tapeçarias, evocando uma mobília por sua vacante sonoridade. [...] E da Meia-Noite permanece a presença na
visão de uma câmara do tempo onde a misteriosa mobília para um vago frêmito de
pensamento, luminosa quebra do retorno dessas ondas e de seu alargamento
primeiro, enquanto se imobiliza (num movente limite), o lugar anterior da queda
da hora numa calma narcótica de eu puro
longamente sonhado [...] Desta vez a hora
não cai mais fora de mim, para tornar pesado o tempo refugiado nas cortinas,
nem, quando eu lhe [o] imploro, fugir pelo espelho, é em mim que ela cai
acordando esta consciência de mim pela lembrança, – ela
recria meu ser e me devolve a sensação do que tenho que fazer. [...] Pareceu-me ouvir o som especial de uma
Meia-noite. A hora é [ela?] O que lança o relógio não foi, indefinido, encher
as cortinas ou se perder pela fuga de um espelho, deixando-me sempre exterior
[a ela.] Não, ao som muito certeiro de uma Meia-noite, reconheci primeiro que o
instante era aqui e, como um único instante pode ser [...], e me lembro de mim mesmo. [...] Meu pensamento foi portanto recriado; mas e
eu, tê-lo-ei sido? Sim, sinto que esse tempo versado em mim me devolve este eu,
e vejo-me semelhante à onda de um narcótico tranquilo cujos círculos
vibratórios vão e vem, fazendo um limite infinito que não atinge a calma do
meio. [...] E antes de tudo esta
inteligência deve voltar-se para o Presente. [...] Trechos
extraídos da obra Igitur ou A loucura de
Elbehnon (Nova Fronteira, 1985), do poeta e crítico literário francês Stéphane
Mallarmé (1842-1898). Veja mais aqui, aqui e aqui.
TRÊS POEMAS – APRESENTAÇÃO - Dêem-me licença. Vim cá pagar / Uma dívida
de saudade e de amor. / E como a saudade e o amor são amigos da cantiga / Passem-me
um violão: quero cantar! / Sim, cantar. Nesse toada nossa: / Ora triste, ora
alegre… / Consoante o coração mandar!... / Quem eu sou? Um filho de San
Vicente. / Nascido, criado, lá na Ponta da Praia. / Lá onde o mar se espreguiça
debaixo dos botes, / Como a barra duma saia. / O que eu quero? Cantar a minha
terra! / Acompanhá-la na sua dor; / na nobreza da sua alma; / na pobreza da sua
vida! / Dizer-lhe na hora da despedida: / Eis o meu corpo: estruma o teu chão!
/ Eis o meu sangue: rega o teu milho! / Irmão: eis o teu irmão! / Mãe: eis o
teu filho!.. PARA FRENTE É QUE É O
CAMINHO - Escuta. / Eu não sou daqueles / que andam a rimar amor com
flor, / nem daqueles que andam a procurar / como peixe na rede, / um buraco
para fugir. / Ideia de embarcar
/ nunca me passou pela cabeça. / Nunca gostei de andar depressa, / Nem de
arrepiar caminho. / Se é para ir viver vida de galinha choca / em terras aonde
o sol / vê-mo-lo só aos bocadinhos, / se é para ir sentir o pão amargar-me na
boca, / na terra dos mandingas e dos landins. / Antes de ficar por cá a gozar deste mar / E deste céu. / Não,
compadre, não vou na troca! / Para frente é que é o caminho!... DIANTE DO MAR DE SAN VICENTE - Coitados
daqueles / que não quiseram
ouvir mar, e foram / para terra longe, / perder a lembrança deste sol, / e a aprender estórias / que
ninguém quer contar. / Coitado daqueles!...
/ Mas cada um deles / levou, na concha do ouvido, / a voz da tua
ressaca, mar, / para os guiar, / como o tino guia a pomba, / na hora de voltar.
/ Eis-me diante de ti, mar, /— filho diante do pai — / a querer acatar a tua
palavra / e ouvir os teus conselhos. / Eis-me diante de ti, mar, / pedaço de retalho / vindo a boiar na ribeira
/ esvaziar a impureza que catei no mundo. / A querer ir na enxurrada de lama a
cascalho / que hás-de voltar a
arremessar nestas bordeiras / juntamente um dia com a areia e o limo do teu
fundo.
Poemas do poeta cabo-verdiano Sérgio Frusoni (1901-1975). Veja mais
aqui.
A ARTE DE TRACEY
EMIN
A arte da artista inglesa Tracey Emin.
AGENDA
&
&
Políticas em debate, A dialética de Antonio Gramsci, As experiências
de John Hagelin, o pensamento de Comenius, O homo ludens de Johan Huizinga, Diálogos de Reginaldo Oliveira & a arte de Nicomedes Gómez aqui.