LABATUT, ZÉ CRAVO & MARIA ROSA – Imagem: Arte da artista visual Patrícia Furlong. - Zé Cravo, como sempre, aquele purgante: um chato de galocha. Basta ver Maria Rosa
toda faceira laralilará, arrodeada de festejantes e inofensivos bichos ruminantes
e outros avoadores, passarinhos fiu-fiu, saparia foi-não-foi-foi, cães au-au,
gatos miau-au-au, guizos de cobras, encantos e faceirices, peitinhos acesos na
blusinha de alça, sainhas nos ares rodando bambolê, a brisa do festejo. E ele
se roendo todo, cagando raio, querendo estragar tudo. Logo dela se aproxima:
Ei, Rosa, vamos brincar de olhos fechados? Vamos. Ele apronta: Mas você só
fechou um olho, Rosa! Ah, com você é um olho na missa, outro no padre. Não dá
pra brincar com você, menina. Muito menos com você, seu tratante. Você quer
namorar comigo? Hem? Você só tem essa bicharada pra brincar? São meus
amiguinhos. Assim não dá. E ficou assobiando. Ela, então, disse: Isso chama o
tropel de Labatut. Como? Assobiar chama o monstro carniceiro, o Labatut. E eu
sou menino pra acreditar numa história dessa! E saiu assobiando, fazendo pouco
dela. Ao anoitecer, ela começou a contar sobre a ventania gemedora que traz o
rugido dele saindo da lua e devorando tudo com suas entranhas insaciáveis e
cheias de fogo. O que é isso? Eu num disse, é o Labatut, vou-me embora que eu
não quero ser comida de bicho feio. Oxe, já vai, medrosa? Vou, vamos meus
amiguinhos, o Labatut já está vindo. Eu não tenho medo dessas invencionices, aparecer
aqui, eu pego ele e destroço todo. Escurecia na redondeza, chegava a noite e Zé
Cravo sentado num tronco assobiando, nem nem. Bafejava o vento, relâmpagos e
trovões de longe davam sinal do sinistro, as portas e janelas fechadas às
pressas, as ruas desertas e, de longe, ouvia-se o trote do faminto Labatut que
vinha do fim do mundo. O monstro ciclópico ameaçava a todos com suas presas de
elefante, cabelos longos desgrenhados, corpo cabeludo, mãos compridas e pés
redondos. A tudo ouve escondido no vento com seus passos largos para abocanhar
qualquer alma vivente que lhe atravesse o caminho. Com a zoada ninguém toma pé
da bulha que o acompanha, sempre surpreendendo a presa com seus olhos acesos na
escuridão. Zé Cravo nem aí. De repente, um turbilhão com um rugido assustador. Ele
ficou com os olhos esbugalhados prontos para pularem fora, deu-se a gritar, mas
foi engasgado pelo medo. Totalmente arrepiado, não conseguia nem se mover. O monstro
rugia na sua frente e ao atacá-lo, logo apareceu Maria Rosa com seus amigos
afugentando o malfeitor que não conseguia enfrentar tantos bichos ao mesmo
tempo, sendo afugentado dali, na marra. Rosa, então, aproximou-se do vitimado
que estava em estado de choque, transido e sem conseguir balbuciar a mínima
palavra. Tragam água com açúcar, façam-lhe sustos e alguns choques, ele precisa
se restabelecer. Depois de muitos puxavanques e estapeados, ele voltou ao
normal. O que era aquilo? Agora acredita, seu Zé Cravo? O que era aquilo?
Aquilo era o Labatut que desce da lua para morar no fim do mundo e comer os
teimosos como você. Deus me livre. Não fossem meus amigos, você agora estaria
no bucho dele, seu mal-agradecido. Eu não, hem? Destá, um dia você aprende, seu
chato. E ele nem aí. Dizem todos que essas desavenças entre Zé Cravo e Maria
Rosa é sinal de casamento futuro, no fundo, todos admitem, não se odeiam, se amam.
PS: Recriação da lenda O monstro Labatut, extraído da obra Histórias do sertão (Irmãos Pongetti,
1856), de José Martins de Vasconcelos. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música do pianista, compositor e bandleader de jazz estradunidense, Count
Basie
(1904-1984): Show of the week, Live in Paris, Chairman of the board & Jazz
a Lincoln Center & muito mais nos mais de 2
milhões & 600
mil acessos ao
blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir
é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A tragédia do homem como animal desintegrado
da vida consiste no fato de ele não poder encontrar satisfação nos dados e nos valores
da vida. Qualquer criatura, como parte da existência, pode viver, pois, para
ela, a existência da qual participa tem caráter absoluto. Para o homem a vida
não é absoluto. Por isso nenhum homem, por não ser apenas animal, encontra satisfação
no ato de viver. [...] Afirma-se equivocadamente que alguém se
torna pessimista em razão de uma debilidade orgânica. Na verdade, ninguém se tornaria
pessimista se não houvesse tido anteriormente tanto elã a ponto de ter desejado
a vida com um ardor apaixonado, mesmo se esse ardor não tenha entrado em sua
consciência. [...]. Trechos extraídos da obra Nos cumes do desespero (Hedra, 2012), do
filósofo romeno Emil Cioran (1911-1995), que em outra obra, Entretiens (Gallimard, 1995), expressa
que: [...] Em todo homem dorme um
profeta, e quando ele acorda há um pouco mais de mal no mundo... a vida em
comum torna-se intolerável e a vida consigo mesmo mais intolerável ainda. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.
LEGADO – [...] Objetos de
todos os tipos são materiais para a nova arte: tinta, cadeiras, comida, luzes
elétricas e néon, fumaça, água, meias velhas, um cachorro, filmes, mil outras
coisas que serão descobertas pela geração atual de artistas. Esses corajosos
criadores não só vão nos mostrar, como que pela primeira vez, o mundo que sempre
tivemos em torno de nós mas ignoramos, como também vão descortinar acontecimentos
e eventos inteiramente inauditos, encontrados em latas de lixo, arquivos policiais
e saguões de hotel; vistos em vitrines de lojas ou nas ruas; e percebidos em sonhos
e acidentes horríveis. Um odor de morangos amassados, uma carta de um amigo ou
um cartaz anunciando a venda de Drano; três batidas na porta da frente, um
arranhão, um suspiro, ou uma voz lendo infinitamente, um flash ofuscante em staccato,
um chapéu de jogador de boliche - tudo vai se tornar material para essa nova
arte concreta. Jovens artistas de hoje precisam mais dizer “Eu sou um pintor”
ou “um poeta” ou “um dançarino”. Eles são simplesmente “artistas”. Tudo na vida
estará aberto para eles. Descobrirão, a partir das coisas ordinárias, o sentido
de ser ordinário. Não tentarão torna-las extraordinárias, mas vão somente
exprimir o seu significado real. No entanto, a partir do nada, vão inventar o
extraordinário e então talvez também inventem o nada. As pessoas ficarão
deliciadas ou horrorizadas, os críticos ficarão confusos ou entretidos, mas
esses serão, tenho certeza, os alquimistas [...]. Trecho de O legado de Jackson Pollock (Zahar,
2006), do artista visual e assemblagista estadunidense Allan Kaprow (1927-2006).
VIAGEM AO FIM DA NOITE – [...] O pior é que a gente fica pensando como que
no dia seguinte vai encontrar força suficiente para continuar a fazer o que
fizemos na véspera e já há tanto tempo, onde é que encontramos força para essas
providências imbecis, esses mil projetos que não levam a nada, essas tentativas
para sair da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas
para que a gente se convença mais uma vez que o destino é invencível, que é
preciso cair bem embaixo da muralha, toda noite, com a angústia desse dia
seguinte, sempre mais precário, mais sórdido.
[...] É triste as pessoas se deitando, a
gente percebe muito bem que não ligam a mínima se as coisas não andam como
gostariam, a gente vê muito bem que não tentam compreender o porquê de estarmos
aqui. Para elas tanto faz como tanto fez. Dormem de qualquer jeito, são umas
descaradas, umas bestas quadradas, umas insensíveis, americanas ou não. Sempre
têm a consciência tranquila. [...] Quanto
ao resto, por mais que se faça escorregamos, derrapamos, recaímos no álcool que
conserva os vivos e os mortos, não chegamos a nada. Está mais do que provado. E
há tantos séculos que podemos olhar nossos animais nascerem, sofrerem e morrerem
diante de nós sem que nunca lhes tenha acontecido a eles tampouco nada de
extraordinário a não ser recomeçarem sem parar a mesma insípida falência no
ponto onde tantos outros animais deixaram! Deveríamos entretanto ter
compreendido o que acontecia. Vagas incessantes de seres inúteis vêm do fundo
das eras morrer permanentemente diante de nós, e no entanto ficamos ali, a
esperar coisas... Nem mesmo para pensar a morte a gente presta. [...] O grande cansaço da existência talvez seja
apenas, em suma, esse enorme esforço que fazemos para mantermos vinte anos, quarenta
anos, mais, o bom senso, para não sermos simplesmente, profundamente nós
mesmos, quer dizer, abjetos, atrozes, absurdos. [...] Vi alguém chegar de longe, andando pelo caminho. Não fiquei muito tempo
na dúvida. Mal chegou à ponte eu já o havia reconhecido. Era o meu Robinson,
ele mesmo. Não havia erro possível. "Ele vem aqui para me procurar!",
pensei na mesma hora... "O padre deve ter lhe passado meu endereço!...
Tenho que me livrar dele correndo!" Na hora, achei-o abominável por me
incomodar bem no momento em que eu começava a reconstruir meu bom pequeno
egoísmo. [...]. Trechos extraídos da obra Viagem ao fim da noite (1932 -
Companhia das Letras, 2009), do escritor maldito francês Louis-Ferdinand
Céline (1894-1961). Veja mais aqui.
DOIS POEMAS - E SE EU DISSER – E se eu disser que te
amo - assim, de cara, / sem mais delonga ou tímidos rodeios, / sem nem saber se
a confissão te enfara / ou se te apraz o emprego de tais meios? / E se eu
disser que sonho com teus seios, / teu ventre, tuas coxas, tua clara / maneira
de sorrir, os lábios cheios / da luz que escorre de uma estrela rara? / E se eu
disser que à noite não consigo / sequer adormecer porque me agarro / à imagem
que de ti em vão persigo? / Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro / em tua
ausência - essa lâmina exata / que me penetra e fere e sangra e mata. PALIMPSESTO – Eu vi um sábio numa
esfera, / os olhos postos sobre os dédalos / de um hermético palimpsesto, / tatear
as letras e as hipérboles / de um antiquíssimo alfabeto. / Sob a grafia seca e
austera /algo aflorava, mais secreto, / por entre grifos e quimeras, / como se
um código babélico / em suas runas contivesse / tudo o que ali, durante
séculos, / houvesse escrito a mão terrestre. / Sabia o sábio que o mistério / jamais
emerge à flor da pele; / por isso, aos poucos, a epiderme / daquele códice
amarelo / ia arrancando como pétalas / e, por debaixo, outros arquétipos / se
articulavam, claras vértebras / de um esqueleto mais completo. / Sabia mais:
que o que se escreve, / com a sinistra ou com a destra, / uma outra mão o faz
na véspera, / e que o artista, em sua inépcia, / somente o crê quando o
reescreve. / Depois tangeu, em tom profético: / "Nunca busqueis nessa
odisséia / senão o anzol daquele nexo / que fisga o presente e o pretérito / entre
os corais do palimpsesto."/ E para espanto de um intérprete / que lhe
bebia o mel do verbo, / pôs-se a brincar, dentro da esfera, / com duendes,
górgonas e insetos. Poemas do poeta, jornalista e crítico literário Ivan Junqueira (1934-2014).
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
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