CULPA NO CARTÓRIO - Imagem: arte
postal Maria Flor. - O que foi que
eu fiz? Você sabe! Não sei! Sabe! Já disse que não sei! Fora. Por quê? Fez uma,
fará todas! Eu? Fora! Danou-se. Robimagaiver tanto fez, mas daquela não
conseguiu escapar. Não adiantou confabular, provar por a mais b, pagar todos os
patos, reconhecer todas as incertas e recorrentes, sacolejar dum lado pro
outro, clamar por todos os santos e a piedade de Deus, implorar de joelhos,
chorar todas as pitangas, botar a bunda de fora e espremer-se todo, nada, ela
inexorável. Fora, já! Admitiu falhas, reconheceu deslizes, prometeu nunca mais
como antes, agora um novo sujeito, arrependido e refeito, jurou pela alma dele,
da mãe dele, dos filhos dele, dela mesma e de todo mundo, nada. Fora! Usou da
persuasão, contudo, quanto mais argumentava, mais empiorava. Tentou, então,
extorquir: Pensei em presentear um vestido novo. Fora! Tentou ganhar tempo,
estalou os dedos e parecia mais articulando as sinapses neuronais que restavam
ao movimento das mãos, como um metrônomo, para nada sair do controle. Fora!
Pode perguntar a fulano, sicrano, beltrano, todos testemunharão, não fui eu!
Chispa daqui, fora! Mas... Mas, nada, não adianta recorrer a quem quer que
seja, nem recursar em quantas instâncias judiciais existirem, fora! Eita, essa
mulher está virada mesmo! Fora! E agora, véio? Apelou: Mas não fui eu, juro!
Fora! Agora deu! Não adiantou. Não haveria quem tirasse ele da forca: Nem Jesus
descendo dos céus e dizendo que não foi você, não acredito, fora! Respirou
fundo, tentou raciocinar, precisava da lábia agora mais do que nunca, porém
nada do que dissesse removia a intransigência. Estava ferrado mesmo. Sentiu: já
vai tarde, mané! Realmente não fora ele, fora outra pessoa, mas como ele é
reincidente, ficou sendo ele mesmo, tanto pra ela, como pela pecha das más
línguas. O apurado só se deu quase duas semanas depois quanto ele já estava
arranchado na casa do compadre Zé-Corninho, usando e abusando nas intimidades
do lençol com a comadre de então. Vixe que danada quente medonha, por isso que
o Corninho não dá vencimento. E tome, bota e tira. Aí: Que é isso Roberto? Outro
flagra. Ele avexado, saiu de lado, aos gritos: Não fui eu, ela que queria me
agarrar! Mas você não toma mesmo jeito, né, rapaz? Não fui eu. Basta um
cochilo, espaçozinho qualquer e você cai na esparrela de novo. Não fui eu, já
disse. Vamos. Pra onde? Pra casa! Agora não quero mais ir não. Vai. Não vou. Vai.
Não vou. Você vai, cabra safado! Vou não! Foi puxado pelas orelhas rua afora. Maior
humilhação e mangações. Escapou fedendo. Pronto. O que foi mesmo que ele fez? Quem
sabe! Se é Robimagaiver, tem culpa no cartório. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música da belíssima pianista chinesa Yuja Wang: Concert piano F major Gershwin,
Concert piano nº 2 C minor Rachmaninoff, Concert nº 1 Tchaikowsky & Rapsody
in blue Gershwin & muito mais nos mais de 2
milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A cultura de massa integra e se integra ao
mesmo tempo numa realidade policultural; faz-se conter controlar, censurar
(pelo Estado, pela Igreja) e, simultaneamente, tende a corroer, a desagregar
outras culturas. A esse título, ela não é absolutamente autônoma: ela pode
embeber-se de cultura nacional, religiosa ou humanista e, por sua vez, ela embebe
as culturas nacional, religiosa ou humanista.
[...] Um verdadeiro cracking analítico
transforma os produtos naturais em produtos culturais homogeneizados para o
consumo maciço. Em outras palavras, certos temas folclóricos privilegiados são
mais ou menos desintegrados a fim de serem mais ou menos integrados no novo
grande sincretismo. [...] Uma
cultura constitui uma espécie de sistema neurogevegetativo que irriga, segundo
seus entrelaçamentos, a vida real do imaginário, e o imaginário da vida real. [...] A cultura de massa não faz outra coisa senão
“mobiliar o lazer” (através dos espetáculos, das competições, da televisão, do
rádio, da leitura de jornais e revistas); ela orienta a busca da saúde
individual durante o lazer, e, ainda mais, ela acultura o lazer que se torna
estilo de vida. [...] Trechos recolhidos da obra Cultura de massas
no século XX: neurose (Forense
Universitária, 1977), do antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar
Morin. Veja mais aqui.
A VIDA & A TEORIA DA FESTA – [...] À vida regular,
ocupada pelos trabalhos cotidianos, tranquila, encerrada em um sistema de
interditos, repleta de precauções, em que a máxima quieta no movere mantém a ordem do mundo, opõe-se a efervescência da festa. [...] Na vida ordinária, como visto, o sagrado quase exclusivamente se
manifesta por interditos. Ele se define como o “reservado”, o “separado”. É
colocado fora do uso comum, protegido por proibições destinadas a prevenir
qualquer atentado à ordem do mundo, todo risco de destruí-lo e de nele
introduzir algum agente perturbador, aparecendo, então, como em essência negativo. Este é um dos caracteres fundamentais que com maior frequência foi
reconhecido na interdição ritual. [...] Mesmo a sanidade do corpo humano
exige dele a evacuação regular de suas “sujeiras”, urina e excrementos, e, no
caso da mulher, do sangue menstrual. A velhice contudo acaba por enfraquecê-lo
e paralisá-lo. Do mesmo modo a natureza, a cada ano, passa por um ciclo de
crescimento e de declínio. [...] A fecundidade
nasce do exagero. À orgia sexual, a festa acrescenta a ingestão monstruosa de
alimentos e bebidas. [...] Cada um deve se
empanturrar até o limite do possível, se encher como um odre distendido. [...]
Da mesma maneira, aos gestos regrados do
trabalho, que garantem as subsistências, se opõe a agitação frenética da
festividade que as dilapida. A festa não comporta somente desregramentos de
consumo, da boca e do sexo, mas também desregramentos de expressão, do verbo ou
do gesto. Gritos, ofensas, injúrias, trocas de ditos grosseiros, obscenos ou
sacrílegos, entre um público e um cortejo que o atravessa [...] Os movimentos não ficam atrás: mímicas
eróticas, gesticulações violentas, lutas simuladas ou reais. [...] Atos interditos e atos excessivos não se mostram suficientes para marcar
a diferença entre o período do desencadeamento e o da regra. A eles são
acrescidos atos ao revés, pelos quais as pessoas se esforçam por se conduzir de
maneira exatamente contrária ao comportamento normal. A inversão de todas as
relações parece a prova evidente do retorno do Caos, da época da lucidez e da
confusão. [...] preciso então se perguntar qual fermentação de mesma grandeza libera os
instintos do indivíduo reprimido pelas necessidades da existência organizada e,
em concomitância, leva a uma efervescência coletiva de uma envergadura tão
vasta. Parece assim que, desde a aparição dos Estados fortemente constituídos, e,
ainda mais claramente, à medida que sua estrutura se afirma, a antiga
alternância entre festança e labor, êxtase e domínio de si, que fazia renascer
periodicamente a ordem do Caos, a riqueza da prodigalidade, a estabilidade do
desencadeamento, foi substituída por uma alternância de uma outra ordem, mas que
apresenta no mundo moderno, e apenas ela apresenta, volume e características
correspondentes: aquela entre a paz e a guerra, aquela entre a prosperidade e a
destruição dos resultados da prosperidade, aquela entre a tranquilidade
regulamentada e a violência obrigatória. [...]. Trechos extraídos da obra O
homem e o sagrado (70, 1988), do sociólogo, crítico literário e 1ensaísta
francês Roger Caillois (1913-1978). Sobre a imagem fantástica ele expressa que [...] O reino das lendas é um universo estranho
que o mundo acresce a ele próprio sem perguntar porquê e sem alargar o seu
âmbito. O reino fantástico, pelo contrário, revela um escândalo, uma fenda, uma
estranha ruptura, que seria intolerável no mundo real... temos que ter em mente
que o fantástico não tem significado num mundo que é totalmente estranho. Num
mundo de maravilhas, o extraordinário perde o seu poder [...], trecho extraído
da obra Arte fantástica (Taschen,
2005), de Walter Schurian. Veja mais aqui.
AO SUL DE NENHUM
LUGAR - [...] Falávamos sobre
mulheres, espiávamos suas pernas ao saírem dos carros e as olhávamos pelas
janelas à noite, na esperança de ver alguém fodendo, mas nunca víamos ninguém.
Uma vez chegamos a pegar um casal na cama e o cara estava malhando a mulher e
pensamos que agora veríamos algo, mas ela disse: – Não, não quero trepar essa
noite! Então voltou-se de costas para ele, enquanto ele acendia um cigarro e
nós partíamos em busca de outra janela. – Filho da puta, nenhuma mulher viraria
as costas para mim! – Nem para mim. Que tipo de homem era aquele? [...] A minha era
Rosalie. Rosalie tinha uma bunda grande e a balançava sem parar, cantando musiquinhas
engraçadas e, enquanto caminhava tirando a roupa, falava sobre si mesma e ria.
Era a única que realmente gostava do que fazia. Eu estava apaixonado por ela.
Muitas vezes pensei em lhe escrever para dizer como ela era maravilhosa, mas,
não sei por que, nunca escrevi. Certa tarde, estávamos esperando pelo táxi
depois de um espetáculo, e lá estava a Mulher Tigre esperando por um também.
Usava um vestido verde justo e nós ficamos ali parados, olhando para ela. [...] Pouco depois disso, comecei a perder o interesse
naqueles domingos na Main Street. Suponho que a Follies e a Burbank ainda
estejam lá. Claro, a Mulher Tigre e a stripper com asma e Rosalie, minha
Rosalie, já se foram há muito tempo. Provavelmente mortas. A enorme e
balançante bunda de Rosalie está provavelmente morta. E, quando estou na minha
vizinhança, passo dirigindo em frente à casa em que vivia e vejo estranhos
morando lá. Ainda assim, aqueles domingos eram bons, a maioria dos domingos
eram bons, uma pequena luz na escuridão dos dias da depressão, quando nossos
pais saíam pelas varandas, desempregados e impotentes, e olhavam-nos enquanto
espancávamos uns aos outros pra valer e então voltavam para dentro e ficavam
encarando as paredes, com medo de ligar o rádio por causa da conta de luz. [...] Trechos extraídos da obra Ao sul de nenhum lugar: histórias da vida
subterrânea (L&PM, 2013), do escritor estadunidense nascido na
Alemanha, Henry Charles Bukowski Jr
(1920-1994). Veja mais aqui e aqui.
TRES POEMAS – JOGOS - Ah! a Lua, a Lua me assedia...
/ Acreditas que algo remedia? / Morto? Porque ela dorme assim seria, / Em
clorofórmio cósmico, alvadia?/ Rosácea em tumular eflorescência / Da Basílica
do Silêncio. / Persistes em tua atitude, / Eu me sufocando em solitude! / Sim,
sim, tens o colo bem feito; / Mas se eu jamais ali me aleito?... / Mais uma
tarde, e minhas berquinadas / Vão-se rir às bandeiras despregadas, / Dando ao
meu platonismo um teor / De êxtase digno de pescador! / Salve Regina dos Lys! a
que reina, / Quero te atravessar com as falenas! / Quero beijar a tua pátena
triste, / (A travessa viúva da cabeça!) / De São João Batista! / Quero achar um
lied! que te toca, / Faz que emigres para esta boca! / – Mas, nem mesmo mais
rimas para a Lua... / Ah! que lamentável lacuna! / LAMENTO-PETIÇÃO DO FILHO FAUSTO - Se soubesses,
mamãe Natura, / O quanto eu me adoro em teu tédio, / Me darias uma Bela pura, /
Casta, que remédio! / Se soubesses, essa miuçalha, / Os sóis de Panurgo!,
dirias, / Ora, deixe o nosso em migalhas, / Ao meio-dia. / Se soubesses, o
quanto a Lista / De tuas matérias é meu forte. / Me farias contabilista, / Até
a morte. / Se soubesses, as fantasias!/ Eu poderia ser o fermento, / Farias de
mim o teu Sósia,/ Por um momento. SPLEEN
- Tudo é tédio. Manhã. Olho pela janela. / No alto, risca-se o céu no giz da
chuva fria. / Em baixo, a rua. Sob a cerração sombria / Vultos deslizam na água
turva de barrela. / Olho sem ver (até meu cérebro regela) / Maquinalmente sobre
o vidro que embacia / Meu dedo faz rabiscos de caligrafia. / Bah! Saiamos. Quem
sabe, alguma coisa bela. / Nenhum livro. Perfis estúpidos. Ninguém. / Fiacres,
lama, e ainda a chuva nos telhados… / Enfim a noite, o gás, volto com pés
pesados… / Janto, bocejo, leio, nada me convém… / Bah! Dormir. – Meia noite.
Uma. É sem remédio. / Só eu não durmo, só. E tudo é tédio. Poemas do poeta
francês nascido no Uruguai Jules
Laforgue (1860-1887). Veja mais aqui.
ALGUNS ASPECTOS DA MPB
O livro Alguns aspectos da MPB (E. Amaral da
Silva, 2014), do escritor, letrista, produtor e pesquisador musical, Euclides Amaral, trata da música
brasileira com um compasso brasileiro, a introdução poética e o choro de Paulo
César Pinheiro, samba, choro, Hip Hop, Funk, introcitações, Jobim, MPB e
cinema, Profissão poeta: Sérgio Natureza, os letristas e a herança provençal,
Chico Buarque paratodos, a nova geração da MPB do século XXI, a contribuição
estrangeira do século XVI ao XXI, entre outros assuntos.
AGENDA
O Festival Literário de Extrema (FLEX-MG),
com o tema “Ser-Tão: Caminho sem fim”, acontece entre os dias 17 e 19 de agosto, com a realização
da IV Mostra de Cinema, homenageando Guimarães Rosa e apresentando os escritores Antonio Torres, Fernanda
Young, Carola Saavedra e Luiz Ruffato & muito
mais na Agenda aqui.
&
A arte postal Maria
Flor.
&
&
Arrelique & Ozi dos Palmares, Viagem ao Brasil de Jean de Léry, A era da incerteza de John Kenneth Galbraith, A poesia
de José Maria Sales Pica-Pau, Violência
da desigualdade, A criação artística e a dança, A mulher & o Bom
Pastor aqui.