O PROFETA ZAQUEU
– Imagem: Collage Rug for
Nanimarquina, do
escultor e gravurista espanhol Eduardo
Chilida (1924-2002). - Zaqueu saiu da
Bíblia pra reaparecer tomando Da água milagrosa do Cocão do Padre. Ao bebê-la
parece que aluou, ou sei lá, danou-se a vaticinar. Saiu dali gritando: Jericó,
Jericó! Isso aqui vai virar um quiprocó! Vestiu uma túnica de pano de saco com uma
corda amarrada na cintura e saiu segurando um cajado de cabo de vassoura – que servia
tanto para exortação, como para lascar no quengo de quem aparecesse -, a falar numa
língua estranha, coisas de ninguém entender. É que ele falava, soluçava,
peidava e arrotava, quase se cagava todo engasgado, tudo ao mesmo tempo, não
havia como destrinchar aquilo. Foi aí que alguém gritou: Pinguço! Ele ficou
irado. Pirado! Foi pior, ele começou a esbravejar coisas desconhecidas e sempre
soluçando, pedidando, arrotando, quase se cagando de engasgado. Foi preciso um
mudo aguçar o ouvido para prestar atenção. O mudo falou pro fanho, que falou
pro gago, que passou pro tato e, enfim, só se soube de toda frase da expressão
dele de chamar todos os presentes de criaturas mesquinhas. Como é? Esse cara tá
doido, meu! Tá nada, tá é biritado, ora! E ele lá aos peidos e engasgos, sem ninguém
saber nada do que ele queria dizer. Daí apareceu um compadre dele, achegado de
tempos, deu-lhe uns tabefes nas costas e ele desentalou: Gente pecadora de
Jericó, vocês não deram certo, a humanidade não deu certo, Deus vai castigar essa
gente fracassada, cristuras rastejantes da miséria! De novo ele se entalou,
falava, soluçava, peidava e arrotava, quase de cagar entalado pelos engasgos.
De novo, bufe-bufe nas costas dele, e soltou a falação: Não haverá sobrevivente!
Hummmm. Parece que agora ele pegou no tranco e começou a repetir Ah, Jericó! Prepara-te
pro pior! Passase quem fosse e ele gritava: Jericó, Jericó, vocês vão todos
tomar no fiofó! E foi jutando gente intrigada com o seu vocativo: Já fui um
publicano muito rico, cobrei muitos impostos! Todos me invejavam e caluniavam. Êêêêêê!
A populaça parece que entrou na brincadeira, maior festa. Povo pecador de
Jericó, ouçam o que tenho a dizer! Saibam vocês que ao me ver no galho da
figueira, Jesus me chamou, queria visitar a minha casa. Foi aí que me arrependi
de ser corrupto, jurei fazer uma festa para todos e me transformei num homem
correto. A partir de então, fui apelidado de Matias e assumi o posto que era de
Judas Iscariotes entre os apóstolos, após a ascensão do salvador. Tornei-me o
primeiro bispo de Cesareia Marítima, fui canonizado como Santo Amador e sou o
fundador do santuário francês de Rocamadour. Em minha honra, os ortodoxos
celebram o Domingo de Zaqueu para a Grande Quaresma, sendo a primeira
celebração a cada ciclo pascoal. Êêêêêêê! U-hu! Aprendi a não desistir, a manter
a humildade ao reconhecer as minhas falhas, fui salvo e abandonei o pecado
vivendo de forma honesta. Êêêê! Hoje vim praqui como profeta, estou aqui nesta
terra de Jericó para salvar a todos os desencaminhados em nome de Jesus. Viva
Jesus! Viva! Êêêêêê! Jericó, Jericó! Hoje vocês vão ver a força do cipó!
Uóuóuó! Isso aqui tudo vai virar o piroró! Uóuóuóuó! Acreditem todos, isso aqui
vai ver o maior toró! E a turma caiu no gracejo: Uóuóuóuó! Óóóóóóó! Ele foi
perdendo as estribeiras e ameaçou danar o cacete em todo mundo. Eita! Vixe! Danou-se!
Parece que ele espritou-se. É nada? O homem parece que pirou mesmo ou está
cheio das manguaças. E ele fazia que ia meter o cajado no povo, o povo
enfrentava como se fosse pra cima dele e ele corria. Ele retomava o ataque,
aprontava o confronto! Ele fez que ia avançar, o povo bateu o pé, ele saiu na
maior carreira. E o povo atrás: Pega! Pega! Oxe, subiram ladeira, desceram
morro, ele na frente, o povo atrás. Arrodearam tudo e findaram no mesmo lugar
de antes, quando ele gritou: Escute bem, povo de Jericó: daquii a pouco as
águas vão inundar de não se salvar um! Dito isto, meteu o pé na bunda e sumiu!
O povo morria de rir. Daí a pouco, ouviu-se um estrondo pras bandas do Cocão do
Padre. Foi água de não acabar mais. A população atrepou-se em cima das casas,
outros se penduraram em cima dos morros. Uma avalanche! Maior enxurrada! Nunca se
tinha visto uma coisa daquela. Foi uma enchente sem precedentes nos anais de
Alagoinhanduba. Gente! A água veio com tanta força que saiu arrancando tudo:
poste, calçamento, calçada, o que tivesse pela frente. Quem estava abrigado sobre
os telhados teve de dar um jeito de se salvar da destruição, aos pinotes pros
montes e montanhas. Foi um Deus nos acuda. Três dias depois as águas baixaram e
foi possível ver a tragédia toda. Semanas e meses para reconstruir tudo na
maior tristeza. Quase um ano depois, Zaqueu reaparece e na praça central da
cidade, subiu num pé de coco e lá de cima: O povo de Jericó aprendeu a lição? Ah,
o povo injuriado queria pegá-lo pra malhação do Judas. Foi preciso intervenção
da polícia e do corpo de bombeiro pra proteger o rapaz. Lá pras tantas,
escapando ileso, perguntei pra Zaqueu: E aí, Zaqueu, e agora? Ué, não posso
fazer nada, o povo não aprendeu a lição. Vou-me embora que a próxima será pior.
Fui. E desapareceu para sempre. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do
cantor e compositor Lucas Kallango: Minha Odisseia, Retorno a Saturno & Dr.
Mário; da cantora, compositora e ilustradora Tulipa Ruiz: Efêmera & Tu &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...]
não há estado democrático que não esteja
totalmente comprometido nesta fabricação da miséria humana. [...]. Texto
extraído da obra Controle e devir
(34, 1992), do filósofo
francês Gilles Deleuze (1925-1995). Veja mais aqui.
PRISÕES DA MISÉRIA - [...]
uma vasta constelação dscursiva de termos
e teses vindos dos Estados Unidos sobre o crime, a violência, a justiça, a
desigualdade e a responsabilidade – do individuo, da “comunidade”, da
coletividade nacional – que pouco a pouco se instram nos debate público europeu
e que devem o essencial de seu poder de persuasão à sua onipresença e ao
prestigio redescoberto de seus pioneiros na cena internacional [...] apresenta o seguinte paradoxo: pretende
remediar com um “menos Estado” policial e penitenciário o “menos Estado”
econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da
insegurança objetiva e subjetiva em todos os países tanto do Primeiro como do
Segundo Mundo. [...] aplicada em
países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de
oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática [...] a sociedade brasileira continua
caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza de massa
que, ao se combinarem, alimentam o crescimento da inexorável da violência
criminal. [...] cada um permanece
responsável por seus atos. Enquanto aceitarmos desculpas sociológicas e não
colocarmos em questão a responsabilidade individual, não resolveremos esses
problemas [...] apenas fabricando
campos de concentração para pobres. [...] das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas levadas a uma escala digna do
Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela indiferença estudada dos políticos e do
público [...]. Trechos extraídos da obra As prisões da miséria (Zahar, 2011), do sociólogo e pesquisador Loïc Wacquant. Veja mais aqui.
GUERRA SEM TESTEMUNHAS – [...]
Achava belo, a essa época, ouvir um poeta
dizer que escrevia pela mesma razão por que uma árvore dá frutos. Só bem mais
tarde viera a descobrir ser um embuste aquela afetação: que o homem, por força,
distinguia-se das árvores, e tinha de saber a razão de seus frutos, cabendo-lhe
escolher os que haveria de dar, além de investigar a quem se destnaram, nem
sempre oferecendo-os maduros, e sim podres, e até envenenados. [...]. Extraído
da obra Guerra sem testemunhas
(Ática, 1974), do escritor e
dramaturgo Osman Lins (1924-1978). Veja mais aqui.
QUE A ESPERANÇA DE PIEDADE – Que uma esperança de piedade / não me
confunda; imagens tais / como Antílope, águias reais / não são da minha
qualidade. / Humano ser, nasci sozinha; / mulher, sou dura de roer. / Tenho
espremido pra viver / o suco da pedra mesquinha. / De austeras máscaras de siso
/ os anos passam um a um / não mereceu meu medo algum / nem um livrou-se do meu
riso. Poema da escritora estadunidense Elinor
Wylie (1885-1928), famosa por sua beleza e personalidade etérea, como pela
melodiosa e sensível poesia.
SEMPRE AMIGOS
O premiado
filme The Mighty (Sempre Amigos, 1998), dirigido por
Peter Chelsom, é baseado no livro Freak
the Mighty, de Rodman Philbrick, conta a história de uma época em que a
sociedade possuía ainda mais dificuldades em acolher alunos portadores de
deficiência. É a histórias de dois jovem que vivem com os avós e têm
dificuldades de aprendizado, desde que testemunharam o assassinato de sua mãe,
e, por isso, sofrem bullying dos
colegas. Um deles, muito inteligente, é acometido por uma
doença que o impede de se locomover. Ao se mudar, encontro um semelhante que se
tornam grandes amigos e, juntos, enfrentam o preconceito das pessoas à sua
volta.
Veja mais:
O verbo
no coração do silêncio, A
música de Ástor Piazzolla & Eduardo
Isaac, a literatura de Eliane Potiguara, a arte de Steve Hanks
& a pintura de Wassily Kandinsky aqui.
É pra
ela na Crônica de amor por ela, Heitor
Villa-Lobos, Liev Tolstói, Ernesto
Sábato, Pablo Neruda, Rosana Lamosa, Délia Maunás, Magali Biff, Aurélio D'Alincourt,
Alipio Barrio & Michelle Ramos aqui.
Os clecs
de Eno Teodoro Wanke aqui.
A poesia
de Bocage aqui.
De golpe
em golpe a gente vai aprendendo aqui.
O que
sou de praça na graça que é dela aqui.
O que
sei de mim é só de você aqui.
Ética e
Moral aqui.
A luta
pelo direito, de Rudolf Von Ihering aqui.
A saúde
da Mulher aqui.
Abuso
sexual, Sonhos lúcidos, Antropologia & Psicologia Escolar aqui.
Cândido
e o otimismo, de Voltaire aqui.
A
liberdade de Spinosa aqui.
Ada
Rogato & Todo dia é dia da mulher aqui.
&
LUCAS KALLANGO
Recepcionando em Palmares – PE o cantor e compositor Lucas Calango
com o cantor e compositor Antonio Ferreira.
A ARTE DE
EDUARDO CHILLIDA
A arte do escultor e
gravurista espanhol Eduardo Chilida
(1924-2002).