A VIDA E A SORTE
POR DOIS TOSTÕES - Imagem: arte da artista
plástica e professora Vilma Caccuri.
- A vida segue e tudo passa por um fio. Fé em
Deus, pé no mundo. Dois tostões, apenas: um pra ida, outro pra volta. Mais
nada. Em frente. Pra onde? Trapos todos, restinho de sobra à beira do
precipício. Pra onde mesmo? Sei lá, seja o que Deus quiser. O centro é longe,
bote lonjura nisso. Tenho de ir. Como? Vou. A ida, já era, só conta agora com o
da volta. E foi: gente como a praga, pra lá e pra cá, vitrines, esbarrões,
buzinadas, tá cego, é? Ah, meu, olha por onde anda! Pra lá ou pra cá, tanto
faz. Na sorte: prali! Direção da venta. Um pé na frente, outro atrás, contando
casa, passadas. Anda que só a má notícia. Volta. Não, melhor retornar. Pra onde
é que eu vou, hem? Dobra esquina, apruma meio feio, uma topada, um safanão, na
corda bamba, escorrega, mas não cai, se ajeite, vai e agora? Deu numa praça,
ah, inda bem, um banco, melhor sentar pra aprumar as ideias. Sal na moleira,
cheio de nó pelas costas. A existência toda revista, o que fez e o que deixou
de fazer, os erros muitos, acertos, ah, isso é outra coisa, o que fazer agora é
que é outra coisa, de mesmo não sabe, só que vai acertar em cheio, ah, se vai,
tudo vai dar certo, não fosse um bêbado aparecer, atrapalhar tudo, sentar do
lado e começar a falar num idioma estranhíssimo, coisa sem coisa, blábláblá,
ih, só faltava essa, e tome lero de conversa oca, entendia nada, miolo de pote,
até que passou uma bêbada com charminho provocante, dois ou três laralá e ele
foi atrás, graças a Deus, agora podia retomar seus pensamentos e endireitar as
ideias roubadas pelo intruso, ah, esqueceu um jornal amassado no banco, peguei,
folheei, notícias, manchetes, fatos e páginas, ah, os classificados, deixe ver,
hum, precisam disso, nada, aquilo, nada, mais isto, nada, vira a página, ah,
tem vagas para isso, precisa-se de quê mesmo? Ah, vou nesse. Ei, moço, onde
fica isso? Ei, sabe onde é isso aqui? Um, dois, quinze, vinte, muitos e uma
alma perdida para, olha, pensa, imagina e diz: Tá de carro? Não. Vai de ônibus?
Não posso, só tenho a volta, nada mais. Sabe onde é o fim do mundo? Sei, onde
eu moro. É mais longe. Mesmo? Você pega ali, dobra acolá, depois pra direita,
em frente, pega a esquerda, daqui mais ou menos umas duas horas indo reto, você
chega lá. Duas horas? Sim, mais ou menos, talvez três. Eu vou. Obrigado. E foi
mesmo. Léguas pra quem não sabe pronde ir é muito mais longe, a dobra de um
beiço: ali. Andou, bote pé gastando solado, um dia chega. E tome chão. Meio dia
em ponto, é ali, pronto, chegou, mais de duas horas e meia de caminhada, Sol na
testa, o corpo lavado. Moça, é aqui que é aqui? É. Como faço? Tem hora marcada?
Não. Trouxe currículo? Não. O que veio fazer aqui? Pelo anúncio. Tá, me dê os
documentos dessa lista. Não trouxe. Volte amanhã. Não posso. Ah, meu senhor,
assim não posso fazer nada. O senhor está vendo essa tuia de gente todinha aí
sentada e aqueles todos lá fora em pé? Estou. É a fila que vai ser atendida. Eu
topo. Topa o quê? Ir pra fila. Mas todos estão já agendados, com documentos
acertados e prontos para serem testados. Estou pronto. O senhor não trouxe
nada. Olhe eu aqui, estou pronto? Ah, meu senhor... Pelo amor de Deus, moça, me
deixe ir pro final da fila, eu espero. Ah, vai lá, te vira! Obrigado. Fim da
fila, trocentos na frente, 1, 2, 3, melhor não contar, deixa o barco correr, um
dia chega a minha vez. Um por um, a vida toda, o primário, o ginasial, a merda
que fez, o casório, as broncas, os negócios atrapalhados, o fim da picada,
pegar o bonde, apostar o que tinha e o que não tinha, fé em Deus, pé na vida, e
a tarde toda indo embora, lá pras tantas, chegou sua vez, a psicóloga: Cadê seu
currículo? Não trouxe. Documentos da lista, não tenho, o que veio fazer aqui?
Pelo anúncio. Tá, o que você sabe fazer disso aí, aprendi na escola.
Experiência? Nenhuma. Tá. Pode ir. E o emprego? Vamos avaliar e a gente entra
em contato. Mas sem anotar nada meu? A gente lhe encontra. Como? A gente usa o
satélite, gravei sua cara e a gente lhe encontra e avisa o resultado. Mas dona
psicóloga... o próximo... sou o último. Então, passe bem e até. Saiu e teve de
sair, também. E agora? Já na rua, parou na calçada, a volta pronta no bolso,
uma mão na frente e outra atrás. Futuro nenhum, desculpa nenhuma. O que vou
dizer em casa? Oxe! Vou nada. Voltou, chegou à secretária: O senhor de novo?
Minha senhora, por favor, deixe eu falar com o chefe! Você foi pra psicóloga?
Fui. E ela não disse quando voltar? Disse. Então, atenda. Não, por favor, deixe
eu falar com o chefe, é só uma pergunta e não lhe importuno mais. Eu tenho o
que fazer. Eu sei, é só uma pergunta, não importuno mais, não posso, pelo amor
de Deus, uma só, só essa vez, não posso, pelo amor dos seus pais, filhos,
parentes ou aderentes que a senhora tiver, não posso, só dessa vez, mais nunca,
só dessa, que peitica, é só dessa vez, por favor, tá. E discou: ã-ram, sim,
hum, certo, sim, não, ok. Desligou e virou-se pra ele: ele virá. Aguarde. Chá
de cadeira. Um tempo depois e bote tempo, um senhor de idade finalmente apareceu,
tranquilamente: Quem quer falar comigo? Ele olhou pra recepcionista e
perguntou: É ele? É. Sou eu. Pois não. Sabe, meu senhor, eu cheguei por esse
anúncio, sou do Nordeste e estou em São Paulo sem saber o que fazer da vida e
blábláblá. Tá. O que você sabe fazer? Bem, o que sei aprendi na escola. Tem
experiência? Não. O senhor sabe que muitos foram testados, uma fila enorme,
todos dispensados, não serviam. Sei, eu era o último da fila. E aí? Estou aqui.
Â-rã! E o que você quer? O emprego. E não sabe nada, nem tem experiência. Sim.
Venha cá, como é mesmo seu nome? Severino. Ah, tá, vamos tomar um cafezinho.
Agora mesmo. Foram pra lanchonete do lado, sentaram numa mesa, o senhor de
branco pediu dois cafezinhos, olhou pra ele: Como é mesmo seu nome? Severino.
Ah, mais um dos de João Cabral. Hem? Nada. Vá, me conte a sua história. Ah, tá,
eu sou e blábláblá, mais dois cafezinhos e blábláblá, o senhor com a maior
paciência, ouviu tudo, rosário debulhado, vida toda contada, situações toda
mostrada e ele com a maior paciência disse: Fui com a sua cara. Vamos ali.
Braço sobre os ombros do solicitante, seguiram por um corredor, dois, três,
dobraram, contornaram, retomaram, seguiram e chegaram a um local depois de
passar por onde Judas perdeu as botas e o diabo esqueceu de voltar, no qual
outras dúzias de pessoas estavam todas ocupadas, quando o senhor de idade
disse: Atenção todos! Este aqui é Severino, não sabe nada, não tem experiência
e quer trabalhar! O emprego é dele, ensinem a ele o que fazer! E virou-se pro
Severino: Bem, são 18:30hs, pode ficar até às 20 horas? Ajoelhou-se, ergueu as
mãos pros céus e disse: Posso, o senhor manda. Ficou até às 23 horas. Até
amanhã. Usou a volta, contou as novas, ninguém acreditou. Às 6 da matina,
embecou-se, pegou o dinheiro emprestado que lhe deram os parentes, pegou a
condução e foi trabalhar. Até hoje e a sensação de que Deus e também pessoas
boas ainda existem nesse mundão arrevirado e de porteira escancarada. Eita,
bicho cagado de sorte! É a vida e vale mais que dois tostões, hem? (Homenagem
do Severino pro doutor Biaggio Rivellino). © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com o violonista Turíbio
Santos Violão Sinfônico &
Orquestra de Violões, a pianista Magda
Tagliaferro com recitais da obra de
Heitor Villa Lobos; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - Dentre
todas as criaturas existentes na Terra, somos, talvez, o único animal que sente
preocupação. Passamos a vida temendo o futuro, descontentes com o presente,
incapazes de aceitar a morte, incapazes de descansar. Pensamento do médico,
poeta, etimologista, ensaista, administrador, educador,
conselheiro de política, e investigador estadunidense Lewis Thomas (1913-1993).
BOOTSTRAP: FILOSOFIA DE REDE – [...] dada a longa tradição da
ciência ocidental, a concepção bootstrap ainda não goza de boa reputação entre
os cientistas, não sendoreconhecida como ciência precisamente por sua falta de
uma base firme. Toda a ideia de ciência, num certo sentido, está em conflito
com a abordagem bootstrap, pois a ciência quer perguntas expressas com clareza
e que possam ter uma verificação experimental isenta de ambighuidades. Faz
parte da concepção bootstrap, no entanto, que nenhum conceito seja considerado
absolito, havendo sempre a expectativa de eencontrarmos falhas nos conceitos
antigos. Estamos a todo instante rebaixando ou desacreditando conceitos que no
passado recente teriam sido considerado fundamentais e usados como linguagem
para a formulação de perguntas. [...] quando
formulamos uma pergunta, estamos aceitando conceitos básicos para podermos
formulá-la. No entanto, na abordagem bootstrap, em que o sistema todo
representa uma rede de relações sem nenhum fundamento firme, a descriçãode akgo
pode começar numa enorme variedade de pontos diferentes. Não há ponto de
partida claro e definido. E da maneira como nossa teoria vem se desenvolvendo
nesses últimos anos, é muito comum nãos abermos quais perguntas fazer.
Orientamo-nos pela consistência do sistema; cada aumento dessa consistência
sugere algho que ainda está incompleto, embora isso raramente assuma a forma de
uma pergunta bem definida. Estamos indo além de toda estrutura de perguntas e
respostas [...]. Pensamento do professor e físico teórico PhD estadunidense
Geoffrey Chew, extraído
da obra Sabedoria incomum: conversa com
pessoas notáveis (Cultrix, 1995), do físico e escritor austríaco Fritjof
Capra. Veja mais aqui e aqui.
A CORRUPÇÃO DE UM JUIZ – Fosse
o Brasil um país sério, e, livros como este, não seriam apresentados em edição,
por existir honorabilidade o homem e seriedade no Juiz, função que faz do homem
um ser inatacável. Mas, o Brasil que, também, é o país mais sem memória deste
mundo, está precisando que mais se escreva assim, para se mostrar que nem tudo
é retidão na magistratura brasileira [...]. Trecho da obra A corrupção de um juiz (Patativa, 1998),
do controvertido advogado criminalista Gil
Teobaldo de Azevedo (1932-2017). Veja mais aqui.
HAROUM – Era uma
vez, no país de Alefbey, uma triste cidade, a mais triste das cidades, uma
cidade tão arrasadoramente triste que tinha esquecido até o seu próprio nome.
Fica va à margem de um mar sombrio, cheio de peixes — peixes queixosos e
pesarosos, tão horrí veis de se comer que faziam as pessoas arrotarem de pura
melancolia, mesmo quando o céu estava azul. [...]
Haroun costumava pensar que seu pai era um malabarista, pois cada
história era, na verdade, uma porção de histórias diferentes entremeadas uma na
outra, e Rashid as mantinha todas sob controle, numa espécie de rodamoinho
estonteante, e nunca se atrapalhava. [...] de onde vinham essas histórias todas?
Parecia que bastava a Rashid abrir a boca, com um sorriso rosado e rechonchudo,
e lá vinha uma saga novinha em folha, completa, com bruxarias, inte resses
amorosos, princesas, tios malvados, tias gordas, gângsteres de bigodinho e
calça xadrez amarela, lugares fantásticos, covardes, heróis, batalhas, e meia
dúzia de canções cativantes, fáceis de cantar. “Tudo vem de algum lugar”,
raciocinava Haroun, “portanto, não é possível que essas histórias sejam feitas
assim, só de ar...” [...] Haroun, esforçando-se
para ouvir pela janela, resolveu que não gostava do Sr. Sengupta, esse homem
que odiava histórias e contadores de histórias; não gostava dele nem um pouquinho
mesmo. Pra que servem essas histórias que nem sequer são verdade? [...] “Mas porque você
odeia tanto as histórias? As histórias são divertidas...”. O Mestre do Culto
responde: “O mundo não é feito para ninguém se divertir. O mundo é para se
Controlar”. [...] “Todos os mundos
existem para serem Dominados. E dentro de cada história, dentro de cada Fio do
Mar de Histórias, existe um mundo, um mundo de histórias, que eu não consigo
dominar. Esta é a razão”. [...].Trechos extraídos da obra Haroun e o Mar de Histórias (Companhia
das Letras, 1998), do escritor britânico de origem indiana Salman
Rushdie. Veja mais aqui.
TRES POEMAS – Carrego
o peso da lua: Carrego o peso da
lua, / Três paixões mal curadas, / Um saara de páginas, / Essa infinita
madrugada.Viver de noite / Me fez senhor do fogo. / A vocês, eu deixo o sono. /
O sonho, não. / Esse, eu mesmo carrego. 2:
à noite / fantasmas das coisas não ditas / sombras das coisas não feitas / vêm
/ pé ante pé / mexer em seus sonhos. 3:
Dor elegante / Um homem com uma dor / É muito mais elegante / Caminha assim de
lado / Com se chegando atrasado / Chegasse mais adiante / Carrega o peso da dor
/ Como se portasse medalhas / Uma coroa, um milhão de dólares / Ou coisa que os
valha / Ópios, édens, analgésicos / Não me toquem nesse dor / Ela é tudo o que
me sobra / Sofrer vai ser a minha última obra. Poemas do poeta, critico
literário, tradutor e professor Paulo Leminski (1944-1989). Veja mais
aqui, aqui, aqui & aqui.
ATITUDES SIMPLES, RESULTADOS EXTRAORDINÁRIOS
A psicóloga
Lia Helena Giannechini & outros
escritores da área de Coaching
apresentam o e-book Atitudes Simples Resultados Extraordinários, trazendo ações práticas para resolver os problemas
cotidianos e alcançar o sucesso na vida. O livro fala sobre oito áreas para uma
existência feliz: Saúde e bem estar, Relacionamento, Financeiro, Profissional,
Desenvolvimento pessoal, Espiritualidade e Realizações e propósitos. São artigos
que falam de finanças através de personagens, mostrando fraquezas, como o
pica-pau que se mete em confusão o tempo todo ou o Popeye que aprende a dar os
passos certos para conquistar vitórias, propondo oferecer ferramentas que possibilitem
encarar o crescimento como pessoa e profissão, ligando o motor do navio rumo
aos sonhos onde quer navegar, além de tratar sobre resiliência, a profundidade
do ser e do se portar, potencialidade, espiritualidade, sucesso, relacionamento,
sentido da vida, liderança, negociação e administração de conflitos, entre
outros assuntos. Veja detalhes aqui.
Veja mais:
Com a
perna na vida foi ser feliz como podia, Anastasia Eduardivna
Baburova, a música de Rachel
Kolly d’Alba, a pintura de Rui Carruço & Alina Percovich aqui.
Cobiça
na Crônica de amor por ela, Buda, Miguel de Cervantes y Saavedra, Montesquieu, Magda Tagliaferro, Ciro
Alegría, Lucrécio, Charles Robert Leslie, Emerico Imre Toth, Millie Perkins & Jussanam Dejah aqui.
Edgar Allan Poe, Paul Cézanne, Magda Tagliaferro, Jacques Lacan, Nara
Leão, Janis Joplin & Miguel Paiva aqui.
Émile
Durkheim, Paul Niebanck, Mauro
Cappelletti, Juliette Binoche, Rodolfo Ledel, Samburá, Intrépida Trupe,
Micahel Haneke, Ernesto Bertani, Janaína Amado, O direito como linguagem e decisão aqui.
Quando
Ciuço Pacaru embarcou no maior revestrés
aqui.
Pra vida
ofereço a outra face aqui.
Canto
paródia de mim aqui.
Candidato
faz tudo cara de pau na maior responsa aqui.
Alagoas e o império colonial português aqui.
A viagem
de Joan Nieuhof & Pernambuco nos séculos XVI e XVII aqui.
&
SEVERINO MANOEL
DA SILVA FILHO
Recepcionando o palmarense historiador e servidor público em São Paulo, Severino
Manoel da Silva Filho, na Biblioteca Fenelon Barreto, em Palmares (PE).