SAPO ADERBAL - O sapo Aderbal é um acinte, ele se acha: falante,
embecado, a soberba chegou ali e ficou. Pavoneado, muito esperto a jogar
chistes: sapo de fora não chia. E arremata: quem vai na garupa, não mexe na
rédea. Todo cheio de modas e modos, larga pilhéria: sapo não pula por gosto,
mas por precisão. Quando não, fica recitando o poema de Bandeira: foi! Não foi!
Foi! Ou ditando receitas culinárias, conselhos conjugais, advinhando cartas,
prevendo o futuro, afora aulas de dança, canto e de fantasias sexuais. Isso mesmo,
metido a namorador, o que passou de jias, rãs e pererecas não está no gibi,
afora sodomizar sapos indecisos. Meteu-se em política, pintou o sete, maior
fanfarrão de chegar a ser gerente do purgatório. Ah, não! Na hora do aperto era
só solfejar: Sapientis mutare concilium!
Pois é, escapuliu de lá pulando no meio da várzea pra virar o rei dos patins e
patinetes, caçoando de todos e, vez em quando, aparecer amostrado cantor
lírico. Ah, tudo tem limite, né? Os meninos, por vingança, queriam pegá-lo pra
jogar aos espinhos e ele na maior: isso não me causa o menor dano. Queriam queimá-lo
vivo: no fogo eu me sinto em casa. Iam sacudi-lo nas pedras, e ele: eu acho bom
demais; furá-lo de faca, ah não me atravessa; resolveram, então, jogá-lo na
lagoa, ah, não, ele pediu pelo amor de Deus, ajoelhou-se, lamúria das grandes:
que me bote no fogo, furasse com espinho, cortasse com faca, qualquer coisa,
menos na água que morria afogado. Oxente! Ah, assim fizeram. Ele de lá saiu aos
pulos gritando: Eu sou bicho d’água! A-há, sabia lá de sapo com medo d’água,
hem? Sabido. Doutra feita aparecia saudoso contando do seu primeiro casamento
com a Princesa Jia. Foi uma vez ele andou muito pelo mundo afora, andou demais,
cansado e faminto, deu de cara com um palácio esquisito e deteriorado. Bateu na
porta e uma voz estranha lá de dentro mandou entrar. Entrou, descansou, jantou
e foi surpreendido por uma Jia que não tinha mais fim, grandona, gorda,
repelente. Aí ela lhe deu um saquinho muito sujo, encardido, amarrado por um
cordão imundo: Tome, vá e leve como lembrança para sua mãe. Ele foi e em casa,
a mãe enojada jogou o saquinho no chão: muitas moedas de ouro, brilhantes, pedras
preciosas e tudo de muito. Todos admirados, maior festa, e logo arribou sem se
demorar, pé na estrada. Retornando ao castelo, a Jia depois de servir almoço, janta
e café da manhã, deu a ele um vidrinho com a boca quebrada, cheio de uma água
que parecia lodo: Tome, vá e leve de presente pra sua mãe. Ele foi e lá, a mãe
ao destampar e sacudir o vidrinho, qual não foi a surpresa: surgiram as maiores
belezas do mundo, camisas, toalhas, lençóis, fronhas, todos os arranjos de
casa, bordados delicados e de cores tão feiticeiras que mão de gente não podia
ter feito. Todos felicitaram e ele, ancho de pabo, partiu feliz de volta pro
seu aconchego. Um ano depois, a Jia falou pra ele apresentar sua noiva. Ah, mas
eu não tenho noiva! Tem sim, sou eu. Vixe que ele quase teve um troço: essa
coisa! Mas foi, no caminho a Jia cai mas num cai, aquela mangação toda, ele
ajeitando ela pra não cair do cavalo, até que ouviu-se um estrondo e passou um
clarão azul, tão forte, que cegava. Ele fechou os olhos e quando os abriu,
estava diante da mais bonita princesa que reluzia como uma estrela, vestida de
seda bordada de ouro e com muitos brilhantes. Ela então disse: Eu fui a Jia que
não recusaste para noiva e nunca fizeste pouco dos presentes e da minha feiúra.
Estou desencantada e serei sua esposa fiel e amante. Foram os dias mais felizes
da vida, relembrava de quase virar os olhos. O que é bom dura pouco e findou sozinho,
ninguém sabe como. Quem acreditava numa lorota dessa? Ninguém. Mas ele não se
dava por vencido. Contou que foi pra Festa no Céu! Como? Todo mundo convidado,
menos ele, sabiam todos. Não passou batido, disse pra todo mundo que fora
convidadíssimo e lá estaria todo nos trinques. Todos morreram de rir com sua
jactância: Você vai mesmo? Ah, se vou, e até lá, sem falta! Sem que
percebessem, ele saiu, deu uma volta e ao se deparar com a viola do urubu,
meteu-se dentro e encolheu-se todo. O urubu agarrou-la e pôs a tiracolo,
batendo asas pro céu. Lá chegando, arriou a viola num canto e foi procurar o
povo da festa. Logo apareceu Aderbal todo janota, participou de tudo e lá pras
tantas já de madrugada, ele saiu de fininho e se escondeu de novo dentro da
viola. No voo de volta, o urubu sentiu um mexido dentro do instumento, foi ver,
lá estava Aderbal encolhido que só uma bola. Ah, tais aí, né bichinho! E
daquela lonjura, emborcou a viola e ele caiu: Béu-béu! Se eu desta escapar nunca mais bodas no céu! Em queda
livre gritou pras pedras da serra: Arreda pedras, senão te arrebento! E aí? Lascou-se,
teibei. Caiu que nem um jenipapo, só os pedaços. Aí Nossa Senhora com pena
dele, juntou tudo e enviveceu o enrolador que agora tem o couro todo cheio de
remend0s. Tais vendo, tu? Aprendeste a lição Aderbal? Qual nada. Nem mesmo
quando todo mundo morria de medo da Lagoa do Bicho, lugar asombrado, adusto,
inclemente, diziam temerosas bocas aos ouvidos muitos, lugar onde reina um
bicho misterioso, fantástico e aterrador. Quiseram tirar o terror a limpo e
foram pra mais de mil, armados até os dentes, levando tudo nos peitos. Depois de
noites e dias, quando venceram todos os temores e alcançaram toda dimensão do
lugar, só encontraram Aderbal todo empalitozado entoando solfejos e lalarilarás
de banca e gracejo. Ah, tá, isso é que é marmota, não é não? © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com a música da cantora e
compositora estadunidense Joan
Baez live in New York & Al Star 75th Birthay
Celebration, a banda brtânica Led
Zeppelin live no aniversário do guitarrista Jimmy Page &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - [...]
Precisamos assegurar que a sociedade
tenha mais possibilidade de cobrar resultados. Uma população informada pode se
tornar cidadã. A população desinformada ou mal informada, como a que hoje
temos, tende a ficar apenas angustiadas [...]. Pensamento do economista e
professor Ladislau Dowbor. Veja mais aqui.
DESENVOLVIMENTO SOCIAL INCLUSIVO - [...]
As possibilidades técnicas e humanas
contemporâneas sinalizam a necessidade de compreensão da realidade como uma
totalidade em frequente transformação [...] Precisamos dar um verdadeiro salto à frente dos limites e
condicionalidades do atraso, para ocorrer a reconexão entre o que realmente
somos e o que verdadeiramente podemos ser. Trecho extraído de Por um projeto de desenvolvimento
socialmente inclusivo (José Olympio, 2008), do economista Márcio Pochmann.
O JARDINEIRO - [...]
Desde garotinho já dava mostras do mau
caráter que seria. Todo bairro tem, ou pelo menos tinha, aquele garoto que, ou
por ser efeminado, ou por ser mais fraco, acaba sendo sodomizado pelos outros.
Na nossa rua não existia um menino assim, mas existia o Arrabão que, embora não
tivesse qualquer remota tendência homossexual, se deixava usar por dinheiro.
Gordinho, dentulo, quatro olhos, sempre teve pelo dinheiro um amor profundo e
sincero. Adorava o dinheiro e se deixava... sem trauma, remorso ou culpa, pelos
garotos. Seus pais, embora pobres como os pais dos outros moleques, eram os
mais ricos da rua. Como Arrabão era o único a possuir uma bola de futebol, ele
a alugava. Na escola, denunciava aos professores qualquer traquinagem que
houvéssemos feito e, por alguns selos, estampas do sabonete Eucalol, bolinhas
de gude ou um dinheiro extra, deixava que espiássemos a sua mãe tomar banho nua.
[...] Desde menino, demonstrava possuir
todas as qualidades necessárias ao grande político, homem de negócios,
banqueiro, industrial, latifundiário, ladrão, enfim. Um vencedor que certamente
iria longe. Depois de falsificar um cheque e retirar do banco todas as
economias do velho pai, mudou-se para São Paulo onde, em pouco tempo, já era
dono de um prostíbulo que oferecia menores para pedófilos. Ganhou muito
dinheiro. De volta ao Rio, com o capital do lenocínio, inaugurou uma cadeia de
supermercados, comprou um banco, investiniu numa rede de televisão da qual
acabou por se apropriar através de métodos que seriam considerados escusos
antes do Brasil transformar-se numa democracia neoliberal. Dizem que, além
disso, hoje em dia, tem terra no Pará onde se poderia instalar umas três Bélgicas,
e é testa-de-ferro de inúmeras multinacionais tão necessárias para a
modernidade de um país como o nosso. Finalmente, para não ter mais que apelar
para o poder, transformou-se no próprio poder ao comprar os votos necessários
para se eleger senador. [...]. Num
país onde não existem mais crotos, apenas ex-crotos, num país onde se noticia o
futuro, num país onde se plantam doenças em vez de flores, tudo pode acontecer.
“Como foi que deixamos a coisa chegar a esse ponto?”, me perguntei enquanto era
preparado pelo barbeiro, manicure, alfaiate e tres seguranças, para o meu
próprio enterro. Extraído de Melhores
contos (Global, 2007), do jornalista e escritor Fausto Wolff
(1940-2008). Veja mais aqui.
UM DILÚVIO EM SUSPENSO – I – O apagar de si mesmo, de uma parte de
si, a mais profunda. A medida do ser. O combate sem armas. A luta corpo a
corpo. A neblina que enregela por antecipação. Somente a neve pode nutrir o
olhar. Apaziguar o futuro. Ela ilumina os cabelos. II – Membro pro membro,
desmembrar-se sobre uma linha invisível do horizonte. Se cantar Manhatan vai
despedaçar os gatos, as pessoas, op mínimo passante, o vagabundo, a rua, o céu.
O ocoeano se descama na medida em que as vagas roçam os buildings de aço, os
tanques, os vigamentos, a fumaça negra dos pássaros, lá em cima. III – Não há
saída. Acomodar-se no céu. Restringir-se a sua parte corpórea. O menor grão de
areia revoluteia difuso. IV – A nece continuamente, todos os dias, sobre as
caçadas, o asfalto, o alcatrão, os bueiros do esgoto. A neve aos montes, no
canto das ruas. Ninguém retira. Ela se enrijece, gelada. Agarra-se aos
passantos que estremece. Para a história. V – A mudança de estação, inoportuna,
esfrangalha. Reter-se do lado de cá. Acreditar-se protegido. Entre o mar e nós,
a mesa sobre seus quatro pés. Um naco de pão, as palavras. VI – As vadas se
desdobram sobre os degraus, afrontam o barulho, se desmesuram. A confrontação
com elas ignora o tempo, explora o espaço. Todos os imigrantes assinam com seu
sangue essa passagem, esse afluxo. Se os sonhos se corroem como os ferros se
enferrujam, o cordame dos navios apodrece lentamente. Os corpos defecam longe
de casa. VII – No ocoeano, o reflexo das janelas. As vidraças quebradas
escrevem a epopéia em negro sobre o verde. O canto se mede por algumas notas
fortes. Da múisca trecho que sai da cervejaria em frente ao mar. Lá, as
crianças, pés nus em suas sandálias luminosas: elas gritam como latem os cães,
erguem seus peitos jovens, chegam às pernas de seus pais. Noras suspensas e
lavdas em lágrimas. VIII – A melopéia, a ferida profunda crava-se na espuma, as
migaljas de pão jogadas aos pássaros. Na água, adivinham-se vestígios de
passos. Entre o fluxo e o refluxo, um cheiro fétido de fritura, a fumaça de um
churrasco. Eles escreveram “Battery Historic Park” sobre os toldos azuis das
carrocinhas. Os carrinhos de mão sobrem à noite para Broadway. Eles fecham a
loha. 1626: Peter Minuit, escuto Duke, Ella, Billie. Na janela que não se abre
a chuva, décimo andar. IX – Essa espécie de entorpecimento que retem você. Esse
assobio lento nas orelhas. Calçar meias-luvas para permitir que as unhas se
arroxeiem. X – Dirigir-se para o norte. Preferir negar o oceano, seus rumores.
Ainda pencas de pessoas que se espantam de estarem vivas, empurram-se, cospem no
vento que vem do mar. XI – A dor não é apenas uma palavra, mas a cor das
pedras. Embrigadas pelo suor dos homens, as pernas esguias das meninas púberes
não podem correr. Lenox Avenue, mataram Malcom X na Audubon Ballroom. Numa
praça de Brooklyn os balanços rangem sobre os girassóis, as orquedeas, as mãos,
a solidão. XII – Um dilúvio em suspenso. Uma esquadrilha. As portas revolveres.
Entra-se e sai-se. Sentar-se à noite, em um gigantesco vestíbulo. De novo as
cores para matar o tempo. Há mesmo uma margem. De cada lado, um rio. Seria como
aprender a morrer. O movimento da água, essa canção de ninar. Poema da
escritora e crítica literária francesa Jeanine
Baude.
ARTE DE MICHELLE L’AMOUR
A arte
da artista neo-burlesca estadunidense Michelle
L’amour.
Veja mais:
Dos
temores da infância aos arroubos juvenis, o pensamento de Estrella
Bohadana, a arte de Nuno Ramos, a música de Mariana Aydar & a pintura de Leonid
Afremov aqui.
Fonte na
Crônica de amor por ela, Gabriel García Márquez, Paul
Éluard, José Paulo Paes, Alan Watts, Carmina
Burana de Carl Orff, Michel de Montaigne, Fernando Bonassi, Ingmar
Bergman, Birgitta
Valberg, Maurice Béjart, Birgitta Pettersson & Rachel
Lucena aqui.
Ana
Lins, a Revolução Pernambucana de 1817 & Todo dia é dia da mulher aqui.
João
Cabral de Melo Neto, Joan Baez, Rigoberta Menchú, Simone de Beauvoir &
Eduardo Viana aqui.
A
paranoia da paixão por ela aqui.
Manoel
Bentevi, Sinhô, Marshal McLuhan, Parafilias, Ópera Maldita, Giulia Gam &
Anna Bonaiuto aqui,
Fecamepa:
quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
O
evangelho segundo padre Bidião & Jesus voltou aqui.
Pra tudo
tem jeito, menos pro que não pode ou não quer aqui.
Tantas
fazem & a gente é quem paga o pato aqui.
Globalização,
Educação & Formação Pedagógica, Direito Ambiental & Psicologia Escolar aqui.
A
poética teatral de Federico Garcia Lorca aqui.
DST/AIDS, Educação & John Dewey aqui.
Sincretismo
religioso aqui.
Racismo aqui.
O
trabalho da mulher aqui.
Levando
os direitos a sério, de Ronald Dworkin aqui.
Todo dia
é dia da mulher aqui.
A
croniqueta de antemão aqui.
Palestras:
Psicologia, Direito & Educação aqui.
&
A ARTE DE ANNA
RAZUMOVSKAYA
A arte da
pintora russa Anna Razumovskaya.