OS UIVOS DE
GUIOMAR - Imagem: arte da pintora, desenhista,
aquarelista e gravurista Angelita
Cardoso. - Guiomar sempre foi jeitosa, nunca deixou cair a pose, todo dia
na feira, vendendo verduras e montada na última moda. Sempre um decote profundo
com um trancelim de ouro espremido entre os seios robustos, uma saia ligada com
um lascão no meio de causar vertigem na marmajanda zarolha, ou uma calça justa
desenhando suas formas abundantes e assimétricas de futucar endoidecimento no
juízo de qualquer cristão, um sapato de salto alto e bico fino, maquiagem
discreta aformoseando as faces, um batom vivo para realce dos lábios bicudos,
pulseiras, anéis, fivelas, brincos, tiaras, chovesse ou maior calorzão, todo
dia ela assim, vistosa, provocante, apetitosa. Ela já virou a cabeça da
macharia toda, enviuvou de dois – dizem que ela matou-los, bateram as botas na
horagá do teitei -, deixou três na rua da amargura – melhor dizendo, deram um
carreirão da gota porque não agüentaram o trampo dela -, afora ter endoidado e
desmoralizado muito cabra metido a priapo pras suas bandas. Hoje se dizendo swofty, uma loba que uiva dia sim outro
sim, tem na ponta da língua o riscado: Homem só serve pra duas coisas, furunfar
quando a gente quer e depois jogar fora. Pra mim, nenhum homem presta, todos
calçam quarenta e andam só atrás do caqueado, responsa de mesmo, nenhum que
sirva. Até meus finados maridos não tinham a menor serventia. Só os tive porque
era jovem, ingênua, fui preaparada só pra casar. Soubesse disso antes, nunca
tinha me casado. Vez ou outra aparece um intrometido cheio dos galanteios com
buquê de rosas: Meu filho, pegue o beco, vá! Só na outra encarnação, tá! De
fiu-fius insolentes às cantadas atrevidas, ela já anda cheia: Isso é que é pandeirão,
dava preu tocar maior partidão! Arreda, Zé-Mané, isso não é pro teu bico, besta!
Com uma dessa eu entrava no céu de nunca mais sair, podecrê! Sai pra lá,
rancolho, tu num agüenta essa carga, sai-fora! Até gente de posse deitou maior
fortuna e ela nem nem. Outros mais impertinentes, vão direto ao assunto: Ô
coroa, dá pra gente dá uma voltinha aí nessa garupa tesuda? Ah, meu filho,
cresça e apareça, você precisa de tutano pra dar uma voltinha nisso aqui, viu?
Vê se enxerga, Zé-roela! Mas tem duas ou três coisas, afora outras que nem sei,
que a tiram do sério. A primeira, quando toma uma, ela vai com força e cai de
cabeça no pileque, aí abre a porteira do mundo e passa todo tipo de gente, de
esmoléu a menino, chega fazer fila e ela lá prontinha e insaciável, pedindo
mais e chamando um batalhão. Por isso é corrente tratá-la por ninfomaníaca.
Outra é no dia seguinte, de ressaca: Eita, Guiomar, lá vem a chuva! Ela fica
fula, levanta a saia e manda o intrometido pra puta que pariu expondo as partes
pudendas. Virou folclore, todo mundo sabe: dia de ressaca, ela sai de casa toda
arrumada e sem calcinha por baixo, devido um calor desgraçado na bacorinha.
Basta dizer: Olha a chuva! Ela não deixa mole e passa recibo na hora: Olha
aqui, seus fidapestes! A pior mesmo é quando dizem que os peitos dela é uma
tuia de papel no sutiã. Não deixa por menos, arreia a blusa e expõe aquela
fartura de seio, de todo mundo não querer desgrudar as vistas. Essa Guiomar é
doida, dizem as outras mulheres enciumadas que nem chegam perto, sabedoras que
são que se ela descer do tamanco, a coisa enfeia e tira a roupa toda, fecha o
quarteirão e chama pra briga, seja quem for, de autoridade a pé-rapado, mulher
ou velho. Ainda ontem de tarde eu vi o seu pisado forte rebolador pra cima e
pra baixo. Que é que há, Guiomar? Hoje tô inheta! Fechei a tolda pra resolver a
aposentadoria, não dou mais caldo. Oxe, que é que isso, mulher! Você ainda está
com tudo em cima de não precisar nem se preocupar com isso por uns vinte anos
ou mais. Você que pensa, meu filho, você que pensa, tô vencendo, a idade pesa, a
validade deu prazo, além do mais homem hoje é pé de cobra, quando não
desmunheca, só aparece salafrário cabra safado nas paradas. E não quis mais
conversa, empinou o pau da venta, estufou o peito e saiu toda provocante às
reboladas rua afora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do
cantor Ayrton Montarroyos ao vivo & em estúdio; da cantora e compositora Luisa
Maita: Lero-lero & Fio da Memória; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...]
O que faz com que a presquisa tenha uma
razão de ser é a sua efetiva contribuição para melhorar as relações das pessoas
com sua realidade e as situações com que se defrontam, elevando a qualidade de
suas vidas. [...]. Trecho extraído da obra Pesquisa alienada e ensino alienante (Vozes, 1996), do psicólogo e
professor Silvio Botomé.
TEMPOS ATUAIS - [...]
Necessitamos de instrumentos para remover
os obstáculos à atividade criativa, venham estes de instituições venerandas que
se dizem guardiães da herança cultural, de comerciantes travestidos de mecenas
ou do poder burocrático. Trata-se, em síntese, de defender a liberdade de
criar, certamente a mais vigiada e coarctada de todas as formas de liberdade.
Portanto, essa terá que ser umaconquista do esfocço e da vigilância daqueles
que crêem no gênio criativo do nosso povo. [...]. Extraído de Quando o futuro chegar (Companhia das
Letras, 2001), do economista brasileiro Celso Furtado (1920-2004). Veja
mais aqui.
SOMBRA SEVERA – [...]
O corpo, o que restava do corpo em Dina,
estava domado. Acostumado aos bichos, Judas não seria sufocado por uma mulher,
por mais cruel e estúpida que fosse a luta. As saias levantadas, rasgadas, as
roupas de baixo partidas, não pôde mais resistir. Sentiu-o, entre a dor e o
prazser agonioso, os olhos tinham mais raiva do que doçura. Dina nainda queria
gritar – e gritava: mas os gritos, ao contrário, entravam pela garganta. A
mordaça prendia a boca, os dentes, a raiva, a alma. Quando Judas se levantou,
ainda era o mesmo homem: o rosto taciturno, os olhos de cão medonho, cão que
fareja presas pelos matos. Tendo concluído o trabalho – se era mesmo trabalho,
luta ou prazer, retirrou a mordaça. Dina, violada, estava sentada no chão – o
sangue era o sinal, tão pouco o sangue, as vestes denunciando a violência. [...]
De dentro da sombra que antecede a luz,
sentado no canto esquecido da sala, os olhos sofreram: quem estava saindo do
banheiro, os cabelos molhados caindo sobre os ombros, a toalha na mão, era
Dina. Saía nua, o corpo alto e esgio, coxas grossas, os seis pequenos que se
sacudiam, ventre macio. Atravessou a sala, o perfume que se entranha no corpo.
Não olhou para ele. Dina não o olhou. Uma visão, uma miragem. [...]. Era uma visão mágica e terna, não tinha
dúvida, aquela de Dina, nua, atravessando a sala. E ela não parecia
preocupar-se – ou fingia – com a presença do homem. Nem sequer sorriu – se é
que as mulheres costumam sorrir quando ficam despidas. [...]. Extraído de Sombra severa (Iluminuras, 2004), do
premiado escritor, crítico, editor e jornalista pernambucano Raimundo
Carrero. Veja mais aqui.
RECITAL DE SINTOMAS – Não gosto do meu estado mental: / sou
amarga, encrenqueira, indelicada. / Odeio minhas pernas, odeio minhas mãos. /
Não espero mudar-me para terras mais agradáveis. / Temo a luz recorrente da manhã.
/ Odeio ir para cama à noite. / Torço o nariz ao povo simples e sério. / Não
suporto a pilhéria mais inocente. / Não encontro paz na pintura ou nas letras.
/ Meu mundo é um monte de destroços. / Estou desiludida e tenho o coração
vazio. / Seria presa se revelasse o que penso. / Não estou doente e nem sadia.
/ Meus sonhos... / Minha alma... / Não gosto mais de mim. Arrepio-me quando
penso nos homens / devo estar me apaixonando novamente. Poema da da escritora, dramaturga e crítica estadunidense Dorothy Parker (1893-1967). Veja mais aqui.
SILÊNCIO
A peça
teatral Silêncio, dramaturgia do
Teatro D’Adega, com direção de Fabiana Monsaiú e elenco formado pelas atrizes Elis
Menezes, Fernanda Gama & Paula Bega, retrata uma mesma mulher com suas
respectivas vertentes, muitas vezes opostas umas às outras. Tem como fio
condutor o silêncio, do qual ressoam tempestades, segredos e revelações.
Veja mais:
Pra quem
só vê superfície, todo rio é sempre raso, o pensamento de Zygmunt Bauman, a música de Maria Azova,
a pintura de Júlio Pomar
& Anna Ewa Miarczynska aqui.
Convite
no Crônica de amor por ela, Zygmunt Bauman, Sérgio Porto, Friedrich
Hölderlin, Oswald de Andrade, George
Gershwin, Anaïs Nin, Kiri Te Kanawa, Lucélia
Santos, Pedro Almodóvar, Parmigiano, Penélope Cruz Sanchez, Sumi Jo &
Luciah Lopez aqui.
&
ARTE DE ANGELITA CARDOSO
A arte da pintora, desenhista, aquarelista e gravurista Angelita Cardoso.