UMA COISA E OUTRA MAIS – Imagem:
art by Margaret Dyer - Sou vivo e
estou espontâneo andejo. Nada me faz melhor que outros, nenhum privilégio. Por
que haveria de ser melhor? Não há pra quê. A única distinção: eu os vejo e eles
nem ninguém a mim. A chuva molha o meu corpo e dela vejo o contorno dos seios
nus colados na blusa, água na boca, imã nas mãos do que sou nela a calça
apertada nas coxas estufando o ventre saboroso que é dela pra mim e vou como
quem é premiado pelo amor maior. O Sol brilha para todos e esquenta a minha
pele que deseja a dela bronzeada em tons de rosa, pra que eu tenha o pomar e
seja seu jardineiro e possa seguir na tarde por dias infindos e teimar no dia
que não sou melhor que ninguém, apenas dela e pra ela. Mais que nunca a noite dela
fosse a lua ao alcance da mão no nosso céu estrelado de todas as alvoradas e
crepúsculos, no meio do caminho entre ela e eu o hálito das rosas dela, a parte
que me cabe do que vem antes ou depois do amor, despedidas, acenos, quão longe
tivera ido dentro dela para ser-me e ao que me dou de prazer nela. De longe
ouço as malsinações: rumores plangentes de coisas e nada: escarcéu de misérias,
turba de insurretos. Não temo, todos temem entre céus e infernos, prospectados
e ejaculados, os gritos dos desejos, as lamentações dos quereres não
alcançados, frustrações, lamúrias, exacerbações. Ninguém mais sabe o que é
justo nem justiça, não se sabe o que é direito, só o prazer do umbigo e todos
que se danem com suas olheiras e clausuras. Passo ao largo tudo isso, ela é o
meu olhar e direção, nada além do que me seduz o olhar pedinte e lânguido, o
ombro requerente que vai dar nos seus seios nus, o ventre em brasa pronto pra
me incendiar, as coxas de tocaia pronta nas pernas pros botes e me aprisionar
no que dela será todo meu e poder romper seus limites e os meus além dos seus
quadris enfeitiçadores, além do seu dorso nu a me servir de guarida e
possessão, além dos seus cabelos aos ventos que me aprisionam Medusa de todos
os seus redutos e presságios, além das suas mãos firmes agarradas ao meu membro
viril e à minha carne toda exposta ao seu apetite para servi-la do que possa
ter a me dar em troco muito mais que o esperado. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do cantor
e compositor Tom Zé: Todos os olhos, Com defeito de
fabricação & Canções eróticas de ninar; da pianista Sonia Maria Vieira:
Sonatas de Ricardo Tacuchian, Mizael Domingues & Sugestões poéticas de
Guerra Peixe; do tecladista e compositor japonês Isao Tomita (1932-2016): The Ravel Album, Concert de Aranjuez, The
Planets & The Bermuda Triangle; e da violonista Cristina Azuma: Sonhos latinos, Contatos, É de lei, Álbum &
Santiago de Murcia a Portrait. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Penso efetivamente que
não há um sujeito soberano, fundador, uma forma universal de sujeito que
poderíamos encontrar em todos os lugares. Sou muito cético e hostil em relação
a essa concepção do sujeito. Penso, pelo contrário, que o sujeito se constitui
através de práticas de liberação, de liberdade, como na Antigüidade – a partir,
obviamente, de um certo número de regras, de estilos, de convenções que podemos
encontrar no meio cultural. [...]. Trecho de Uma estética da existência, extraído da obra Ditos e escritos: ética, sexualidade, política (Forense
Universitária, 2004), do filósofo, historiador, filólogo, teórico
social e crítico literário francês Michel
Foucault (1926-1984). Veja mais aqui, aqui e aqui.
LITERATURA & SOLIDARIEDADE – [...] Uma literatura
menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua
maior. No entanto, a primeira característica é, de qualquer modo, que a língua
aí é modificada por um forte coeficiente de desterritorialização. [...] Mas sobretudo, ainda mais
porque a consciência coletiva ou nacional está "sempre inativa na vida exterior
e sempre em vias de desagregação", é a literatura que se encontra
encarregada positivamente desse papel e dessa função de enunciação coletiva, e
mesmo revolucionária: é a literatura que produz uma solidariedade ativa, apesar
do ceticismo; e se o escritor está à margem ou afastado de sua frágil
comunidade, essa situação o coloca ainda mais em condição de exprimir uma outra
comunidade potencial, de forjar os meios de uma outra consciência e de uma
outra sensibilidade. [...]. Trechos da obra Kafka: por uma literatura menor (Imago, 1977), do
filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) e do filósofo, psicanalista
e militante revolucionário francês Félix Guattari (1930-1992). Veja mais
aqui e aqui.
OS SONHOS DE KAFKA - Escrever uma
autobiografia me daria grande prazer, pois seria tão fácil quanto anotar sonhos. [...] Há momentos em que, falando ou ditando, durmo melhor do que sonhando [...] Mas o verdadeiro
espólio só se encontra nas profundezas da noite, na segunda, terceira, quarta hora
[...] Na penúltima ou
antepenúltima noite sonhei com dentes sem parar: não com dentes alinhados na
dentadura, mas formando uma massa, é isso, dentes encaixados como em brinquedos
para criança montar, e que eram guiados por meus maxilares num movimento
corrediço. [...]. Trechos extraídos da obra Sonhos (Iluminura, 2003), do escritor tcheco Franz Kafka
(1883-1924). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O TESTAMENTO DE ORPHEU - Você tem certeza
de não ter fugido voluntariamente para fundir essas personalidades que dividem
vocês e porque o incomoda vocês serem dois? Vocês não estavam tentados em
formar apenas uma personalidade, ao serviço da extravagância desse homem,
igualmente duplo, seu pai verdadeiro e seu pai adotivo? Trecho do filme O
Testamento de Orfeu (Le Testament d’Orphée, ou ne me demandez pourquoi!
- 1960), do poeta, cineasta, designer, dramaturgo, romancista, ator e encenador
francês Jean Cocteau (1889-1963), que
afirma que: O ser humano
procura no mito uma forma de fugir de si mesmo. E para tal utiliza-se de todas
as formas. Drogas, álcool ou mentira. Incapaz como é de adentrar em si mesmo, o
ser humano se disfarça. As mentiras e as imprecisões lhe proporcionam alguns
minutos de alívio, o mesmo conforto provocado por um baile de máscaras. Desta
forma, destaca-se daquilo que sente e daquilo que vê. Inventa. Disfarça.
Mitifica. Cria. Congratula-se por definir-se artista, imita em escala reduzida os
pintores que, igualmente, acusa de serem loucos. Veja mais aqui.
CARTA ABERTA AOS BRUXOS
Estou em paz, amor
Como os bruxos costumam estar
Se te disser que estou triste ou alegre
Será apenas detalhes de uma lâmina que corta
Será apenas o fio da faca
Que enfeita faces para ceifar:
Palavras restando inúteis querendo sangrar
Absolutamente te digo:
Não estou alegre nem triste – estou em paz
Que é o outro lado do eclipse
Que não vejo
Mas que sutilmente, amor,
Posso tocar.
Poema do livro Viagem
em torno de (Sette Letras, 2000), do poeta Tanussi Cardoso. Veja mais
aqui, aqui e aqui.
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A ARTE DE MARGARET DYER
Art by Margaret
Dyer