CUROU, MORREU – Jardelito
era bem servido de nariz. Pense numa lapa de venta! Cyrano de Bengerac era
pinto perto dele. Há quem diga que aquilo no meio da cara dele não era outra
coisa senão um pênis: Ah, ele não passa aperto na horagá com a mulherada. Cheio
de recursos! Aquilo era um pinto encolhido, feito o que estava amuado entre os
colhões. É que na hora de precisão, bastava amolegar e virava uma bicanca com
um chapéu de vaqueiro estendido pra sua satisfação e de quem mais fosse ter com
ele. Era ele só na sua, pra tapiar tocava instrumento de sopro, diziam: que sax
que nada, aquilo é a extensão do narigudo, só na moita. A tragédia foi quando
ele gripou: uma bica escorria pelos septos nasais: atchim! Uma constipação
inquietante, na mesma hora do espirro, o frosquete solidário: poin! Eita. E
ele: dá pra tirar o maior som, meu: espirra-peida. Era só: atchim, poin! atchim,
poin! atchim, poin! Aí deu de se amostrar com seus pendores artísticos, até
então nem mesmo jamais desconfiados. Já que é assim, vai que cola e deu certo. Com
o resfriado, ele assoava no narigão fazendo força, muco como a peste para
ensopar papel higiênico, lenços, trapos e retalhos, e era só: atchim, poin!
atchim, poin! atchim, poin! Maior catarreiro escorrendo. Assopra mais,
desgraçado! E numa dessa estourou os tímpanos. Pode? Ouvia mais nada. Aí era
uma orelha de abano imitando Beethoven, isso aliado a uma tosse de cachorro,
daquelas de botar os bofes todos pra fora: cof, cof, cof, poin. atchim, conf, poin!
atchim, cof, poin! Vixe! Aí virou espirra, tosse, peida: atchim, cof, poin!
Danou-se! atchim, cof, poin! Pelo jeito, ia era virar a bandinha do coreto, no
maior matinê. atchim, conf, poin! atchim, cof, poin! O pior mesmo era aguentar
a fedentina, uma orquestra fedorenta, espirra, tosse, peida: atchim, conf, poin!
atchim, cof, poin! Foi assim que ele passou a abusar dos seus dotes musicais. Um
dia, três, uma semana, um mês, nada do resfriado passar: atchim, conf, poin!
atchim, cof, poin! Maior coriza escorrendo, defluência que não dava fim, mas
como não ouvia nem cheirava, nem sentia gosto de nada, era só: espirra, tosse,
peida: atchim, conf, poin! atchim, cof, poin! Aí ele conferindo nada nas ouças,
nos cheiros, nos gostos, gritou: Ah, tô curado! E quem tinha coragem de avisar pro
cabra que ele já tinha passado dessa pra melhor, hem? Pois é, o povo sempre
disse que para curar dessa gripe, só morrendo. Curou, morreu. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do
compositor japonês Tōru
Takemitsu (1930-1996): Archipelago, Nostalghia & Qotation of dream
– Say sea, take me; da pianista, solista e camerista Maria Helena de Andrade: Piano, A seguida de Francisco Mignoni,
Concerto nº2 de Beethoven & do Clássico ao Choro; do violonista,
compositor, cantor e professor Paulinho
Nogueira (1927-2003): Antologia do Violão, Violão & Samba, O Fino do
Violão & A nova bossa é violão; e da cantora e compositora Isabella Taviani: Eu Raio X ao vivo
& outras músicas. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...]
O lirismo
encontrado nas canções pop, na ficção escapista e nas estórias das revistas
para adolescentes é muito esclarecedor a esse respeito. Não é o conteúdo de tal
lirismo que conta, mas o seu significante. O que está sendo dito não é tão
importante, desde que seja algo que possa dar estrutura à comunidade, uma forma
de estruturação para o qual o "discreto" nicho uterino da pequena
comunidade local ou da aldeia é particularmente propício. Assim, pode-se
perceber que o recurso à privacidade é extremamente comum e representa a
renovação dos vínculos com a comunidade que pode ser assinalada ao longo de
toda história humana e sem a qual não poderia ocorrer nenhuma das cristalizações
específicas da vida social (tais como as civilizações, os costumes, as
instituições e os governos). Mas enquanto que essas cristalizações deram origem
a uma historiografia capaz de as articular, a privacidade que as alicerça não
tem outra garantia de sobrevivência além de sua própria persistência. [...]. Trecho de Privacidade, do sociólogo francês Michel Maffesoli, extraído da obra Dicionário do pensamento social do século XX (Zahar, 1996), organizado por William Outhwaite
e Tom Bottomore. Veja mais aqui e aqui.
O CÍNICO
E O CINISMO - [...] O cínico percebe o
nexo entre as dores mais numerosas e mais fortes do homem superiormente
cultivado e a profusão de suas necessidades; ele compreende, portanto, que a
pletora de opiniões sobre o belo, o conveniente, decoroso, prazeroso, deveria
fazer brotarem ricas fontes de gozo, mas também de desprazer. Em conformidade
com tal percepção ele regride no desenvolvimento, ao renunciar a muitas dessas
opiniões e furtar-se a determinadas exigências da cultura; com isso, ganha um
sentimento de liberdade e de fortalecimento; e aos poucos, quando o hábito lhe
torna suportável o modo de vida, passa realmente a ter sensações de desprazer
mais raras e mais fracas que os homens cultivados, e se aproxima da condição do
animal doméstico; além do mais, sente tudo com o fascínio do contraste – e pode
igualmente xingar a seu bel-prazer: de modo a novamente se erguer muito acima
do mundo de sensações do animal. – O epicúrio tem o mesmo ponto de vista do
cínico; entre os dois existe, em geral, apenas uma diferença de temperamento. O epicúrio
utiliza sua cultura superior para se tornar independente das opiniões dominantes;
eleva-se acima destas, enquanto o cínico fica apenas na negação. Aquele anda,
digamos assim, por caminhos sem vento, bem protegidos, penumbrosos, enquanto
acima dele as copas das árvores bramem ao vento, denunciando-lhe a veemência
com que o mundo lá fora se move. O cínico, por outro lado, vagueia nu na
ventania, por assim dizer, e se endurece até perder a sensibilidade. [...]. Trechos extraídos da obra Humano,
demasiado humano (Abril Cultural, 1978), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Veja
mais aqui e aqui.
SOLITÁRIOS
ANÔNIMOS – [...] Pela
instabilidade cromática da aura dele, de qualquer modo indicadora analógica da
possível recuperabilidade do sujeito, a curto ou a longo prazo, mas
recuperabilidade, eu lhe diria o seguinte: meu prezado, peço-lhe perdão por não
ser como você é. Se o ilustre fosse como eu, quem eu seria? Não direi que eu
esteja satisfeito como que sou, por ser o que sou: em outras palavras, insisto
que sentimento e razão não rimam. [...] Vivemos
dizendo que só há responsabilidade dentro da liberdade. Mas será o homem
realmente livre de todos os seus pensamentos, palavras e atos, se tudo o que
ele pensa, diz e faz, ontologicamente já é um condicionado de infinitesimais
condicionados? [...] Pigarreou: – Não
é um discurso: é uma advertência dos bons espíritos, que recebo e transmito, na condição
de amigo e colega de tarefa. Compreende? – Não. – De conformidade com os
postulados da filosofia oriental do que corre... porque ocorre (percebe?),
realmente não é fácil. Os ventos e as chuvas modelam as pedras, dando-lhes
formas animais. As águas fabricam os seixos, seios e nádegas, redemoinhos dos
rios, onde os peixes proliferam sem pecar na carne, pela carne. No intervalo,
os homens esbanjam os dias na disputa de títulos honoríficos, cargos e posições,
digerem o fígado, o baço, os rins... perfuram os pulmões e os intestinos,
alimentam o câncer geral, esclerosam as veias, engrossam o sangue, que entope o
coração e o cérebro, ao mesmo tempo em que, devagarinho, vão enforcando as
almas nos pênis que a idade reduz a uma polegada, sendo, por isso, muitas vezes
obrigados a recorrer ao suicídio pra apressar o fim de seus tormentos.
Compreende, afinal, a indigente parábola? – Ainda não. – Nesse caso, vamos
mudar de conversa: e cuidar de coisa mais compatível com o tempo de duração de
nossa estada nesse rolante depósito de sorridentes e auto-satisfeitos imbecis.
Trechos de A.S.A – Associação dos
Solitários Anônimos (Ateliê, 2003), do escritor, dramaturgo, jornalista,
advogado e critico literário Rosário
Fusco (1910-1977).
TECENDO A MANHÃ – Um galo sozinho não tece
uma manhã: / ele precisará sempre de outros galos. / De um que apanhe esse
grito que ele / e o lance a outro; de um outro galo / que apanhe o grito de um
galo antes / e o lance a outro; e de outros galos / que com muitos outros galos
se cruzem / os fios de sol de seus gritos de galo, / para que a manhã, desde
uma teia tênue, / se vá tecendo, entre todos os galos. / E se encorpando em
tela, entre todos, / se erguendo tenda, onde entrem todos, / se entretendo para
todos, no toldo / (a manhã) que plana livre de armação. / A manhã, toldo de um
tecido tão aéreo / que, tecido, se eleva por si: luz balão. Poema
extraído da obra A educação pela pedra
(Nova Fronteira, 1996), do poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Veja mais aqui e aqui.
PROJETO PINTANDO NA PRAÇA
Acontecerá neste mês
de outubro, a quarta educação do projeto Pintando
na Praça, realizado pelo Instituto Belas Artes Vale do Una, que terá exposições na Biblioteca
Fenelon Barreto e culminará com artistas do Recife, alunos da UFPE e artistas
locais pintando na Praça Paulo Paranhos. Veja mais aqui e aqui.
Veja mais:
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A ARTE DE BARBARA MARCZEWSKA