SEXTA FEIRA – Imagem:
arte do pintor estadunidense Richard
Diebenkorn (1922-1993). - Reviro inheto na madrugada longa e meus olhos
flagram agora o que já foi passado esquecido, dado por morto, sepultado, de
nunca mais saber. Há dias, muitos dias, como se fantasmas forjassem vinganças
deletérias, as coisas se complicam incompreensivelmente. Ao me comprromissar
com o meu tempo e a minha terra, jamais soubera que emergeria agora, a
contragosto, o que não se previra: andar para trás - isso não é usual. Teimo para que em mim
renasça a vida na manhã vindoura, sabendo que será outro dia, não da esperança inalcançável,
mas como território para ação. Constato, contudo, que tudo é extremamente
delicado, como se uma paz falsa e forasteira se instaurasse nesse instante, olvidando
da hora, como se nada estivesse acontecendo, nem acontecesse ou tivesse
acontecido, enquanto desenterram os desvarios de ontem e do presente. A
quietude esconde as adversidades que transitam entre sabidos e incautos, como
se não houvesse degradação saindo das normas para evacuar os campos de batalhas
em sinal de enganoso armistício. Afinal, já é sexta-feira, a meio caminho
andado pra loucura. Enquanto todos dormem, sigo de ventas acesas a livrar-me de
chatos no rol dos cretinos e de temperamentais metidos a besta que se escondem
por trás de togas e gravatas arbitrárias investidas pela legalidade de plantão ao
arrepio da própria lei. Enquanto todos dormem, mil atos desumanos evoluem nas
disfunções sistêmicas dos interesses, ninguém os vê, são invisíveis e ubíquos,
assumem disfarces mil na força do engodo e pra nosso desespero. Segue a
sexta-feira silenciosa e calma para mais um dia chocho como outro qualquer que
se faz pela vigência da exceção, aquele que, ao contrário de todas as boas aparências,
mantém subjacente a premência iminente da indignação. Hoje é sexta-feira e
denuncio a mim mesmo: não há como aceitar tudo isso, não há como se omitir, nem
se calar. Havia um tempo em que toda sexta, meio dia em ponto, eu traquinava
solto na buraqueira, feliz da vida, rindo ao Sol, a mais do tanto. Hoje, no
máximo, apenas minhas mãos para medir o tamanho da coragem de seguir adiante,
retomando a direção da vida, teimando em viver, persistindo, perseverando –
quase completamente inútil fora do convencional, e não me aquieto. Apesar de ser
tudo muito difícil, é possível sonhar que a partir de hoje, a partir desta
sexta-feira, a vida seja plena e verdadeira, senão, ao contrário dos finais
felizes das telenovelas, seja como um filme que nos cobre no final,
provocativamente, explicação pelo que somos, isso pra quem não tem a coragem de
encarar o espelho. Vamos aprumar a conversa. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá
especiais com a música do cantor e compositor Raimundo
Fagner:
O quinze, Eternas Ondas e A arte; a panista Karin
Fernandes
interpretando Shajarat al-Hayah tanmow fi al-Sahra Yahi, de
Tatiana Catanzaro, Seresta, para piano e orquestra, de Camargo Guarnieri, Nó,
de Sergio Kafejian & Concerto Romântico de Radamés Gnattali; do compositor estadunidense de
música minimalista Morton Subotnick: The Last Dream of the Beast,
Axolotl & Ascent
into Air; e da cantora Sônia Mello: Desejo, Aurora/Minha Voz, Começo meio e fim, Proposta
& Outra vez. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Eu,
que sou cega, posso dar uma sugestão aos que vêem – um conselho àqueles que
deveriam fazer completo uso do dom da vida: servi-vos dos vossos olhos como se
amanhã fosseis cegar. O mesmo princípio é valido para o restante dos sentidos. Ouvi
a música das vozes, o canto de uma ave, os poderosos acordes de uma orquestra
como se amanhã fossem vbítima de surdez. Tocai em tudo o que desejais tocar,
como se amanhã viésseis a ficar privados da faculdade do tato. Aspirai o
perfure das flores, sobejai com deleite os vossos alimentos, como se amanhã perdêsseis
o olfato e o paladar. Pensamento da escritora, conferencista e ativista
social estadunidense Helen Keller
(1880-1968), ela foi a primeira pessoa surda e cega a conquistar um
bacharelado. Veja mais aqui e aqui.
O POETA & O ASSOMBRO – [...] "Ninguém
poderá ser chamado de poeta", escreve o influente crítico italiano
Minturno na década de 1550, se não se sobressair no poder de provocar assombro"
Para Aristóteles, o assombro está associado ao prazer como fim da poesia, e na Poética
ele
examina as estratégias pelas quais os poetas trágicos e épicos empregam o maravilhoso
para provocar assombro. Também para os platônicos o assombro é um elemento
essencial na arte, pois é um dos principais efeitos da beleza. Nas palavras de
Plotino, "Este é o efeito que a Beleza deve sempre induzir, assombro e
pasmo deleitoso, desejo e amor, e um terror que seja prazeroso." No século
XVI . o neoplatônico Francesco Patrizi define o poeta como O
"criador
do maravilhoso", e afirma que o maravilhoso está presente quando os homens
ficam "estupefatos, arrebatados em êxtase". Patrizi chega ao ponto de
considerar o maravilhamento uma faculdade especial da mente, uma faculdade que
na verdade é mediadora entre a capacidade de pensar e a capacidade de sentir. [...]. Trechos
da obra As possessões maravilhosas (Edusp,
1996), do teórico e critico literário estadunidense Stephen Greenblatt.
MIRAMAR – [...] À minha
frente, o mar sem-fim estendia-se, azul, claro e belo. As ondas calmas
brincavam com as perolas que o sol lançava. Um vento agradável me envolveu. [...]
Estava quase me entregando à melancolia,
quando ouvi um barulho no quarto, olhei, era Zohra arrumando minha cama com
lençois e cobertas. [...] Contemplei
sua estonteante beleza camponesa. [...]. Trecho do romance Miramar (Berlendis e Vertecchia, 2003),
do escritor egípcio & Prêmio Nobel de Literatura de 1988, Naguib Mahfuz (1911-2006), contando a
história de seis personagens exilados pelas circunstancias em Alexandria, no
início dos anos 1960, em hotel antes refinado, agora pobre e decadente,
administrada por uma envelhecida proprietária e uma linda jovem ajudante,
Zohra, cujas relação com os hóspedes refletem a realidade social e política do período
e das transformações da sociedade egípcia seguida à revolução de 1952.
O PODER OCULTO DA MULHER BONITA
[...]
Qualquer um religioso
Querendo experimentar
Fazer uma procissão,
Sem a mulher ajudar,
Chegando no meio do caminho,
O santo fica sozinho
Sem ter quem o carregar.
A mulher indo no meio,
Como é acostumada,
Anima-se todo mundo,
Ali não falta mais nada...
Da minha parte eu garanto
Que o povo carrega um santo
Que pesa uma tonelada!
Poema do poeta
popular paraibano João Martins de Athayde (1880- 1959). (Xilogravura de Airton Marinho). Veja mais
aqui.
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A ARTE RICHARD DIEBENKORN
A arte
do pintor estadunidense Richard
Diebenkorn (1922-1993).