QUEM ANDA DE NOITE QUE VÊ MUITA COISA, TAMBÉM
CALA A BOCA – Imagem: arte do desenhista, ilustrador, gravador, químico
e professor Oswaldo Goeldi
(1895-1961). - Um dia lá, não sei quando, apareceu em Alagoinhanduba o afoito
sargento Satanás que, mal chegando à delegacia da cidade, mostrou logo ao que
veio. No primeiro plantão não deu moleza: recolheu uma ruma de bêbados,
desocupados, suspeitos e abestalhados que marcavam bobeira depois das dez
badaladas noturnas. E agora tem toque de recolher é? Tem sim, senhor! Agora é a
minha lei! Foi o maior escarcéu, a cidade em peso não pregou os olhos,
amanhecendo todo mundo de ressaca. Expediente vinte e quatro horas no ar, o
último interrogado findou quase meio dia, ao final ele encarou a multidão: - De
agora em diante, aqui é direto que nem cantiga de grilo! Quero ver meliante,
desocupado ou quem quer que seja que tenha o topete de não respeitar minhas
ordens. Agora é pra valer! Podem dizer aos quatro cantos que agora a cidade
está sob as ordens do sargento Satanás! E chispem todos daqui que quero
descansar um pouco para manter a ronda! Não deu nem meia hora, ele já estava de
casa em casa perguntando por crimes dos matagais, do canavial, de vinte anos
passados. Oxe! Quem mais se lembra? Comigo não tem prescrição penal, matou,
roubou ou cometeu qualquer delito, pode ser de duzentos anos atrás, eu pego e
prendo! Esse homem é a gota! Vixe! Ele não dorme, é cada boticão de olho,
parece mesmo o tinhoso de tão aceso que é! Mas num é que é mesmo! Será que ele
tem partes mesmo com o desnaturado? Sei não, sei que ele está falando pelas
casas que visita de crimes de não sei de onde, outros do tempo do ronca, vôte!
Dizem que é porque está sabendo que a cidade é calma, mas nos canaviais, nos
arredores, nos ermos distantes, todo dia aparece presunto. Tem mais: ele disse
que vai descobrir o que é que está acontecendo por aqui. Ué, mas aqui não morre
gente nem de morte matada, nem de morte morrida, faz tempos! O coveiro já
desapareceu porque não se enterra gente de jeito nenhum há muitos anos. Pois é.
Você aí, que é que você sabe sobre aquele corpo que apareceu ontem no canavial?
Não sei, não vi, sei de nada não! E você? Oxe, sargento, nem sabia que tinha
defunto no canavial, ora! Vocês estão de bico calado, estou só brechando a
conduta de vocês, está todo mundo suspeito. Tenho certeza que tem um monte de
gente envolvida! Minha cisma não me deixa enganar, vou investigar a fundo e ai
de quem estiver implicado! E todo dia ele partia da entrada à saída da cidade,
prendendo quem fosse encontrado no meio da rua depois das dez da noite. Gente que
largava do turno da usina, enfermeira, vigia, prostituta, gigolô, cafetão, quem
saía da sessão de cinema ou largava da escola, duzentas voltas do camburão e
gente como a praga no interrogatório até depois do dia amanhecer. Uma semana se
passaram e ele não conseguiu avançar um passo nas investigações. Até o dia em
que um bêbado linguarudo delatou: sargento, o senhor tem que investigar é nas
cidades vizinhas, na rodovia, por aí, não é aqui não. Bastou isso e o cabra
teve que se explicar, como estava completamente embrigadíssimo, no primeiro
aperto, arriou no ronco. A autoridade não deixou por menos e carregou o
camburão, foi pra rodovia inquirir o primeiro que passasse: sei de nada não,
estou indo pra casa. Uma hora dessas? Seu polícia, larguei agora. Está sabendo
de defunto no canavial? Seu polícia, saber, não sei não, mas sei que quem dá
com a língua nos dentes já tem missa de sétimo dia encomendada. Como é? Ah,
aqui falou, no outro dia aparece com a boca cheia de formiga! E é? É, sim
senhor. Pois você está detido para maiores esclarecimentos! Ei, ei! Sim? E você?
Eu o quê? O que é que está fazendo por aqui uma hora dessa, hem? Ah, nem sei o
que estou fazendo aqui! Preso! Mas, sargento! Preso sob suspeita! Leva! E saiu
vasculhando tudo até topar um estranho que não abriu o bico nem com aperto, nem
com cano de revólver no toitiço. Esse é teimoso, encarca mais! Aperta mesmo! Um
que ia passando e foi interpelado, explicou: ele é surdo-mudo. Ah, tá. E você? Estou
indo pegar ficha no posto de saúde. Oxe, a essa hora? As fichas são distribuídas
a partir das três da manhã. Está sabendo dos crimes no canavial? Olhe, seu
polícia, saber, eu até soube sim, mas tem um ditado que diz: quem anda de noite
e vê muita coisa, também cala a boca. Preso para averiguação! Assim era todo dia,
maior trupé! Prendia trocentos de noite, tudo solto lá pelo meio dia. E nada de
apuração nenhuma, nenhum inquérito instaurado. E pra valer, os esquifes eram
encontrados em terras de outros municípios, não de Alagoinhanduba. Mas ele não
arredou pé, de mutuca dia e noite. Até ser surpreendido: quem é? Sargento! Quem
é? Ele olhou do lado e não viu ninguém. Quem é? Apareça disgramado! Seja home,
mostre a cara, cabra safado! Sargento, aprenda: quem anda de noite que vê muita
coisa, também cala a boca. E ninguém nunca mais viu o sargento. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com o cantor, compositor e
miltiinstrumentista Beto Guedes ao vivo + o álbum Contos da lua
vaga + Todo azul do mar com Roupa Nova; a pianista Miriam
Ramos
interpretando Retrata de Ricardo Tacuchian + Grande Valsa Brilhante &
Fantasia de Chopin; o violonista Álvaro
Henrique
com a Suíte Candanga, Preludes de Villa-Lobos e a Grand Overture de Mauro
Giuliani; e a cantora e compositora Cris
Braun
cantando músicas do seu álbum Cuidado com as pessoas como eu. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – A dor não está piorando; sua capacidade de
suportá-la é que está diminuindo. Você precisa aprender a empurrar a rocha para
onde ela quer ir. Pensamento do mestre zen Tenshin Tanouye Roshi (1938-2003).
PROJETO BRASIL - [...]
a natureza, o alcance e os riscos da
chamada política de integração latino-americana poderão ser colocado sob nova
luz. O mesmo pode-se dizer com respeito à controvérsia em torno do papel do
Estado no desenvolvimento. Como a eliminação do desenvolvimento à base de um
projeto nacional não seria compatível com a preservação da identidade cultural,
não é demais afirmar que política de desenvolvimento e luta pela preservação da
personalidade nacional tenderão a confundir-se em nosso país. Trecho
extraído da obra Um projeto para o Brasil
(Saga, 1968), do economista brasileiro Celso Furtado (1920-2004). Veja
mais aqui.
MEIO AMBIENTE & EDUCAÇÃO - [...]
os trabalhos sobre poluição e preservação
ambiental surgiram com freqüência cada vez mais crescente. A maioria diz respeito
ao desaparecimento de espécies vegetais e animais, à devastação de florestas, à
inadequação do uso do solo, ao uso de ecossistemas hídricos com depósitos de resíduos
industriais e, sobretudo, à solicitação desregrada de recursos naturais pela
indústria. Seus resultados preconizam dois pontos básicos: a preservação da
natureza e o combate à poluição. O crescimento populacional e o tipo de
desenvolvimento econômico têm sido apontados como causas básicas do desequilíbrio
ecológico. [...] partindo do
princípio de que a educação pode ser usada como instrumento para reforçar a
integração do homem com o ambiente, discute-se e questiona-se seu papel naquela
comunidade. [...] é possível cogitar-se
de uma prática educativa integrada à realidade e, portanto, a serviço do
bem-estar humano. [...] Na prática
significa que a educação, vista como instrumento das relações sociais, inculca
paradoxalmente um efeito conscientizador, libertador, propiciando condições
para um papel reformista. E, pois, neste contexto de relacionamento dialético
que se situa o espaço onde a consciência ecológica emerge, postulado a defesa
ambiental para sobrevivência do homem e da sociedade. Trechos extraídos do
livro Ecologia humana: realidade e pesquisa (Vozes, 1984), da professora, bióloga
e pesquisadora Maria José Araújo Lima.
Veja mais aqui, aqui e aqui.
DIREITO SEM DIREITO – O palácio do governo, seguramente, não era o
meu lugar. Ali estava eu, indicado pelo advogado José David Gil Rodrigues, ao
então governador Paulo Guerra. Quando cheguei em casa, vários recados me
aguardavam, depois de exaustiva caminha por algumas cidades do interior. E o
convite estava aceito. Abril de 1964. Abril de 1964: senti que ali não era o
meu lugar. Um dia, o poeta Edson Régis, então secretario do governo, me pediu
para defender dois presos políticos, um dos quais, Maria Celeste Vidal,
militante das Ligas Camponesas, organização onde atuei como advogado, durante
muito tempo, chamado que fui por Francisco Julião. Foi a minha primeira causa
política. Com ela, o motivo decisivo para que deixasse o Palácio do Campo das
Princesas. Também começava ali a ser gerada a ideia de como se desenvolviam os
processos juridic0-militares. Conselho composto de oficiais do Exército. Iniciada
a audiência, interrogados os réus do processo – como determinava o então Código
de Justiça Militar – arguí a incompetência da Justiça Castrense sob alegação de
que não se tratava de crime militar, coisas assim. – Portanto, esse Conselho é
incompetente. Nem bem terminei, e o seu presente, aborrecido: - Incompetente é
V. Excia. O pedido do poeta e o início de tudo, recolhido da obra Alvará de soltura, meu amor (Recife,
1983), do advogado e produtor teatral Bóris
Trindade.
O MÉDICO E O MONSTRO – [...]
O espelho não me deteve mais que um
instante. [...] Faltava verificar se
eu perdera minha identidade sem possibilidade de volta, tendo que deixar aquela
casa, que já não me pertencia, antes de amanhecer. Voltei correndo para meu
escritório e novamente preparei e bebi a poção; mais uma vez, sofri as dores da
dissolução e, mais uma vez, voltei a mim com o caráter, a estrutura e o rosto
de Henry Jekyll. [...]. Trecho extraído da obra O médico e o monstro (Saraiva, 1960), do escritor britânico Robert Louis Stevenson (1850-1894).
DICIONÁRIO DOS SONHOS
(fragmentos)
Comprava
uma rapadura
E um pão
no meio da feira
Era lanche
no caminho
Para subir
a ladeira
Da velha
Serra do Sapato
Que dava
muita canseira
[...]
No bolso
eu já levava
Um folheito
do Pavão
Comprado
a João de Lima
Por pouco
mais de um tostão
Que ao
chegar em casa
Era a
minha diversão
[...].
Trechos do poema O
cordelista por ele mesmo, extraído da obra Dicionário dos sonhos e outras histórias de cordel (L&PM,
2003), do poeta e xilogravurista J.
Borges. Veja mais aqui e aqui.
Veja mais:
Liberdade de expressão aqui.
A pianista Miriam Ramos aqui.
O violonista Álvaro Henrique aqui.
&
TERRA DOS PALMARES
Pérola do Una
Menina faceira
Ambiente das letras
Tens sempre tu’alma em festas
Desenvolvida
És tão querida
Como terra dos poetas.
Teu Clube Literário
Abrigo de gente de cultura
Silva Jardim, Zé Mariano
E o nosso Joaquim Nabuco
Grandes líderes
Do ditoso torrão
De nosso Pernambuco.
Parte dos Quilombos
Começo de tua história
Que teus filhos te amem
Estudando, pesquisando
E trabalhando vençam,
Escrevendo, vivificando
No apanágio da glória.
Eia, Palmares, em frente!
Poema extraído da
obra Das musas de ontem e hoje (Recife, 1985), do poeta, professor e
pesquisador Amaro Matias Silva (1922-2002), autor da obra Dos Palmares – extensão, lutas e fatos
(Bagaço/Fundação de Hermilo, 1988). Veja mais aqui.