AS DORES IMPREVISÍVEIS DA FELICIDADE - Imagem:
Reino I, do artista plástico e engenheiro civil Daniel Senise. - Lucrecilda
era extremamente bela, verdadeira beldade na flor dos seus vinte e um anos de
idade: olhos negros vivos e vistosos, cabelos lisos e sedosos sobre os ombros,
um corpo escultural e exuberante de mulher. Mantinha uma vida regrada e sem
vícios, religiosamente compenetrada, respirando o ar de uma normalidade
exemplar. Tudo conspirava a seu favor, seus pais, um ideal casal bem de vida, formado
por uma madura juíza numa vara familiar de voz prepotente e inclemente na
defesa das causas feminina e do que julgasse para de justiceira; o pai, um
emergente assessor jurídico de empresas regionais e de associações e grupos de
novos ricos empreendedores com seus negócios legais e escusos, folgando por
vitoriosa ascensão social. Tudo favorável para uma educação esmerada sob os
auspícios das contritas condutas pras bênçãos confessionais. Um dia, em um
retiro espiritual, ela conheceu Dermevaldito, filho de promissores jovens pais
detentores de conglomerado do setor do agronegócio, do mesmo tope dela, parecia
até feitos um pro outro de tão achegados e simpatizantes. Para ela, tudo aquilo
era como um acontecimento de convergências santificadas pelas coisas divinas
que premiavam a sua vida para lá de maravilhosa. Namoraram sob as bênçãos
familiares, noivaram e contraíram núpcias numa engalanada e concorrida festa.
Nada de melhor poderia ocorrer, meses depois, para premiar o casal, que o
anúncio da chegada de um bebê, consolidando a alegria de todos. Nada,
absolutamente nada ameaçaria a harmoniosa convivência entre eles todos, novos
parentescos formados, laços amplos e estreitados, tudo com a santa graça da fé
deles. Na primeira visita ao médico, Lucrecilda só queria saber se o seu filho
seria bonito, normal, perfeito e saudável. Conselhos e cuidados reiteravam essa
possibilidade. Era a coroação da mais plena felicidade, nada de melhor poderia
acontecer para aqueles que se viam privilegiados pela santa graça dos céus. Ao
encontrar a mãe, ela efusivamente festejou: - Mãe, o médico falou que o meu
bebê será bonito, normal, perfeito e saudável. Abraços, beijos, ela não cansava
de repetir que teria um neném bonito, normal, perfeito e saudável, até
contaminar o marido que reverberava para todos achegados e inesperados
presentes, aquela maravilha de contentamento da esposa, indo além até dos seus vínculos
de amizade. E nove meses se passaram, enfim o nascimento para coroar a santa
vida deles. Quando a enfermeira trouxe o recém-nascido para depositá-la ao
seio, ela assustou-se e gritou: - Esse não é meu filho! E gritou, esperneou e
rejeitou a criança, aos prantos de desespero. A mãe ao ver o neto, berrou: -
Médico filho da puta, vou acabar com a sua vida! O pai: - O que foi? Esse não é
o meu neto, quero meu neto, exijo! Calma! Nada disso, quero meu neto! A intranqüilidade
reinou naquele recinto, às correrias. – Chamem o médico, quero vê-lo agora! E a
revolta e as insistentes exigências tomaram conta de todos os próximos, em meio
a carteiradas, esconjuros e fúria desmedida. Lucrecilda agarrada ao marido,
ambos aos prantos, aumentavam o tormento naquela área hospitalar. Um entra e
sai de médicos, enfermeiras, psicólogo, intermediários amigos e familiares,
explicações, discussões, exaltados bate-bocas ente avós e profissionais que
pediam calma no clima tenso que mais se alterava em ofensas e acusações,
gerando reuniões que visavam contornar a situação, tornando o caso ainda mais
conflituoso entre os insatisfeitos. Ao cabo de horas de xingamentos e ásperas
negociações, a normalidade instaurando uma circunstância ainda de extrema
insegurança, Lucrecilda e Dermevaldito, completamente desfigurados pela
infelicidade de não terem um filho bonito, normal, perfeito e saudável,
desconhecendo ambos os castigos de uma justiça divina a qual julgavam nunca
merecedores, perguntando-se entre eles o que fizeram para serem punidos pelo
que nunca fizeram, acompanhados dos genitores desconsolados que clamavam por sua
devoção para a remissão daquela tragédia que se abatia sobre eles, quando foram
surpreendidos pela bisavó – avó do Dermevaldito, dizem que ela não batia bem da
bola e enxergava tudo ao contrário - que entrou e começou a brincar com a
criança recém-nascida: - Cadê meu bisnetinho! Hummm. É feiosinho, parece um
japonês com esses olhinhos apertados, um monstrinho das pernas e pés
tronchinhos, será afilhado da Cumade Fulôsinha? Ah, meu bisnetinho vai ser
cuidado pela bisavozinha, viu? E cantarolando lararis e lararás saiu levando o
bebê, para surpresa e alívio de todos os presentes. Nunca mais se ouviu falar nem
de Lucrecilda, nem de Dermevaldito, casal perfeito agora desfeito, pois, o que
se sabe é que ela jurou nunca mais ter filhos e passou a execrar o marido que,
para ela, ele e a família dele, um bando de ignominiosas e detestáveis pessoas,
responsáveis pelo infortúnio que afligira sua vida para sempre. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ: 24 HORAS NO AR!!!
Hoje
na Rádio Tataritaritatá: especiais São Paulo Brasil
& Solo Brasileiro do pianista e arranjador Cesar
Camargo Mariano;
Sonatas & Liebstod de Wagner com a pianista alemã Silke
Avenhaus;
Hope you enjoy, da cantora, instrumentista e compositosa irlandesa Enya; e Suíte Palmares, Qualquer
coisa que pareça com 68, Reencontro e Quando o pensamento voa, do compositor e
maestro Dery Nascimento & suas parcerias Walkin 1
& 2, com Efrank & Orquestra Invisível. Para conferir é só
ligar o som e curtir.
PENSAMENTO
DO DIA – [...] Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a
de como é estúpido ser inteligente. Quantos não foram os argumentos bem
fundamentados com que os judeus negaram as chances de Hitler chegar ao poder,
quando sua ascensão já estava clara como o dia! Tenho na lembrança uma conversa
com um economista em que ele provava, com base nos interesses dos cervejeiros
bávaros, a impossibilidade da uniformização da Alemanha. Depois, os
inteligentes disseram que o fascismo era impossível no Ocidente. Os
inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros, porque são tão
estúpidos. São os juízos bem informados e perspicazes, os prognósticos baseados
na estatística e na experiência, as declarações começando com as palavras:
“Afinal de contas, disso eu entendo”, são os statements conclusivos e sólidos
que são falsos. Hitler era contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito
que é também anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada. [...] Trecho de Contra os que
têm resposta para tudo, extraído da obra Dialética
do esclarecimento: Fragmentos filosóficos (Zahar, 1985), do
filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão Theodor Adorno (1903-1969) e do filósofo e sociólogo alemão Max Horkheimer (1895-1973). Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
BASES DO PARADIGMA
HOLÍSTICO – [...] O Homem tem por
base ambos os mundos; enquanto mantém um pé plantado no plano mecanicista, o
outro está firmemente assentado no plano holístico, com uma distinta inclinação
para este. Ele é essencialmente um ser espiritual e holístico, não de um tipo
mecanizado, com categorias de ordens mental e ética sui generis [...] A liberdade não é, portanto, um conceito
meramente formal, senão uma atividade real, na qual o Holismo molda e
desenvolve a personalidade individual [...] Assim como um campo físico tem suas linhas de força, também o campo
orgânico da natureza, que resulta da interpenetração de todos os campos de
conjuntos que a compõem, tem suas próprias curvas estruturais de progresso. Na
sociedade humana vemos como o campo social ou atmosférico torna-se um sistema
de controle, uma influência moldadora à qual todos os membros nele introduzidos
estão sujeitos [...]. Trechos extraídos da obra Holism
and Evolution (1926), do estadista, advogado e visionário sul-africano
Jan Christiaan Smuts (1870-1950), privilegiando os todos sociais (do
grego holos, o
todo), o todo na sua inteireza.
Em termos gerais, todas as perspectivas que consideram que o todo é superior à
soma das respectivas parcelas. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
MULHERES
APAIXONADAS – [...] continuava andando, através de toda aquela
mesquinhez, pela rua arenosa e feia. Ia exposta a todos os olhares, como que se
força voluntariamente a um tormento. Era estranho ter querido voltar,
sujeitando-se a tanta coisa desagradável! Por que se teria ela exposto ao
cenário ignominioso que a torturava, à presença daquele gente desagradável,
naquele recanto característico da província? Experimentava a sensação de um
escaravelho lutando contra a poeira. Sentia náuseas. Mudando de rumo,
contornaram a mancha escura de uma horta, onde troncos fuliginosos se erguiam
impudentemente. Ninguém sentia vergonha, ninguém tinha vergonha de coisa alguma.
[...] se sentiu tomada de uma cólera
súbita e violenta, cheia de desejos homicidas. Sentiu vontade de aniquilar
aquela gente, arrasar tudo aquilo de modo que o mundo ficasse inteiramente
desimpedido. Tinha horror de fazer aquele trajeto, de galgar a escadaria e de
pisar a passadeira vermelha, sempre acompanhada pelos olhares dos outros [...]
“o lobo é o seu totem – pensou ela – “e a
mãe é uma loba velha e rebelde”. E logo a seguir experimentou um verdadeiro
paroxismo, puro arrebatamento, como se tivesse fieto uma descoberta incrível,
desconhecida de todas as pessoas da terra. Um estranho êxtase a tomou e por
todas as suas veias correu seiva dolorosa e violenta. “Meu Deus”, exclamou no
seu intimo, “o que é isto?”. E depois, passada a primeira sensação, murmurou,
agora mais calma. “Preciso saber tudo a respeito desse homem”. Torturava-a o
desejo de tornar a vê-lo, espécie de saudade, de imperioso desejo de o
contemplar de novo; necessidade de certificar-se de que não tinha havido
engano, de que não iludira a si mesma, que sentira, de fato, em face dele, tão
extraordinária impressão – conhecimento do individuo em sua própria essência,
percepção dominadora e cruel! “Estarei realmente marcada, de qualquer maneira,
para ele?” [...] A vida de qualquer
pessoa está sujeita a meras eventualidades. [...] Tudo se equilibra no mundo, no mais profundo dos sentidos. [...] Sei disso, e acho que não é bom provocar
esse espírito de rivalidade. Desorganiza o sangue. E o sangue corrompido vai-se
acumulando. [...] Ninguém esmurra o
semelhante a não ser que este mostre vontade de ser esmurrado. Eis a pura
verdade. É preciso duas pessoas para haver um crime: o assassino e a vítima. A
vítima é uma criatura assassinável; e quem apresenta esta qualidade, tem
profundo, embora oculto, o desejo de ser assassinado. [...] É o espírito – acrescentou – é, portanto, a
morte. – Encarou-o novamente e repetiu, contraindo o corpo em um movimento
convulso: - Não é o espírito que nos mata? Não é ele que destrói toda a nossa
espontaneidade, todos os nossos instintos? E essas pequeninas criaturas, que
estão crescendo agora, não teriam sido atingidas pela morte antes mesmo de
experimentarem a vida? [...] – Em
todos os sentidos – afirmou Birkin. – Somos terrivelmente mentirosos. O que nos
anima é só a ideia de mentirmos a nós próprios. Temos o ideal de um mundo
perfeito, correto, eficaz e decente. Mas, em seguida, cobrimos a terra de
imundícies; a vida é um pântano de fadigas, nós, um amontoado de insetos
debatendo-nos no charco, a fim de que o mineiro tenha um piano na sala e você
um mordomo e um automóvel na sua casa modernizada; e todos, como nação, podemos
divertir-nos no Ritz ou no Empire, com a Gabuh Deslys e com os jornais de
domingo. É lúgubre, meu amigo! [...] –
Você devia partir de exemplos concretos – disse Gerald. (A esta contestação
Birkin não respondeu nada). – Devemos ter algum fim na vida e não sermos apenas
gado que pasta e que não sabe fazer mais nada. [...] Os homens são vampiros e as coisas são todas
fantasmagóricas [...] A
vida de qualquer pessoa está sujeita a meras eventualidades [...] Uma das coisas mais difíceis desse mundo é o
ato de espontaneidade [...]Não se faz
instintivamente o que não se pode [...] Quando,
na realidade, queremos qualquer coisa melhor, tratamos primeiro de destruir o
que existe [...] No fique de contas a
humanidade não é senão uma expressão do incompreensível [...] Todos começamos por beber leite, depois
comemos pão e carne, todos queremos andar de automóvel; eis o começo e o fim da
fraternidade entre os homens. A igualdade não existe [...] Mas a humanidade não passa de uma árvore que
secou, coberta de belas e brilhantes frutas secas, que somos nós [...]As pessoas precisam é de ódio, ódio e nada
mais. E em nome da justiça e do amor, não fazem senão espalhá-lo! [...] Ainda que o homem seja dono dos animais
domésticos, continuo a achar que não tem direito de violentar os sentimentos de
seres que lhe são inferiores [...]O
amor é uma direção que exclui quaisquer outras [...] Nunca lamento os mortos, uma vez que estão mortos. O pior é que se
agarram aos vivos e nunca mais os largam [...] quando preenchemos nossa existência, o melhor é morrer, exatamente como
um fruto maduro que se desprende do ramo [...] Preciso de alguém a quem possa falar com o coração nas mãos [...] O desejo vale mais que a posse [...].
Trechos extraídos da obra Mulheres
Apaixonadas (Record,
1987), do escritor britânico D. H.
Lawrence (1885-1930), centrada nos problemas psicológicos e sociais,
tratando ousadamente a questão das relações entre o homem e a mulher,
questionando seu significado e analisando os problemas sexuais que surgem. Em
1970, a obra foi transformada em romance dramático no filme homônimo dirigido
por Ken Russel, narrando casos
amorosos que se desenrolam na década de 1920, de forma complexa, quando dois
senhores se apaixonam em plena confraternização ao ar livre por duas mulheres
irmãs de pensamentos diferentes sobre o amor e o sexo, retratando a essência
entre o amor e o sexo na Inglaterra conservadora. Veja mais aqui e aqui,
TERAPIA
DE DOIDOS – A comédia independente Terapia de Doidos (Home movies, 1980), dirigida
pelo cineasta estadunidense Brian De
Palma,
conta a historia de um homem que desempenha a função de instrutor de filmes,
quando um aluno passa a filmar tudo o que acontece em casa, registrando
incidentes paternos, favorecimentos familiares, explosões dramáticas e
conflitantes, como se ocorresse um processo terapêutico em expressões
espontâneas e pouco usuais entre os envolvidos: o pai um cirurgião e um filósofo em série, a esposa depressiva obcecada com
as infidelidades do marido, o irmão que é um líder culto auto-absorvido, a noiva
com um espírito livre e louco e o irmão mais novo que é um voyeur tímido que
registra tudo com sua câmera de 16mm. Veja mais aqui, aqui e
aqui.
ARTE DE DANIEL SENISE
A
arte do artista plástico e engenheiro civil Daniel
Senise.
Veja mais:
&
A ARTE & ENTREVISTA DE DERY
NASCIMENTO