A SEGUNDA DO PADRE CÍCERO – Depois
de matar duas, o Padre Cícero obrou milagre: ressuscitou uma delas. A que se
foi, Deus tenha em bom lugar. Desse dia em diante, Vera nunca mais deixou de
dedicar uma hora que fosse do seu dia, para contritas rezas pro seu devotado.
Não perdia sequer a oportunidade de narrar aos amigos e presentes acerca da
experiência de ter visto de um só lance anteriores encarnações, como teve a
oportunidade de ser levada por seu padroeiro, à presença do Criador, de passear
no céu, de ficar alarmada com as cavernas de fogo do inferno, de ser
recepcionada no purgatório e de ressurgir incólume do Hades. Graças ao seu santificado
padrinho, pode percorrer tudo e retornar com vida para contar a todos. Tanto é
que a tia dela, bastante sensibilizada com o que ela contava repetidamente,
passou, então, também a adorá-lo, a ponto de, certo dia, ao chegar na feira,
deu de cara com uma imagem que se diga lá de mais ou menos, mas que lembrava
bem o virtuoso pároco nordestino. Quanto é? Quinhentos. Dou cem! Quatrocentos!
Duzentos! Trezentos! Aí ela abraçou-se com ele, viu que era pesado, tinha pra
mais de metro e meio, quilos do muito. Duzentos pra deixar lá em casa! Duzentos
e cinqüenta! Fechado. Onde a senhora mora? Ela dobrou o beiço de baixo, como se
apontasse a direção: logo ali. O vendedor emborcou a imagem na cacunda, pesava
muito, andou mais ou menos uns quinze a vinte quilômetros, não sei, aos
reclamos: A senhora não podia morar mais longe não? Chegamos! Ah, ainda bem!
Dinheiro na mão, santo num canto da sala. Todo dia, ela e Vera se ajoelhavam em
preces por horas. Deu-se um dia da tia bater as botas e havia um pedido seu a
ser cumprido no sepultamento: ela queria ser enterrada com a imagem do santo.
Mas não dá! Tem que dar, é o último pedido dela, tem que ser cumprido. Um
bêbado aproximou-se do caixão: hem, hem, tão nova, partiu dessa pra melhor. E
ouviu a arenga entre Vera e o rapaz do serviço funerário: ah, pedido de morta
tem que ser cumprido! Vai pra lá, bêbo! Quando deitaram a imagem, era maior que
a defunta! Num tá vendo? Providenciaram outro caixão: também não dá, o chapéu
do padre é muito grande! Aí o bebo: besteira, tira o chapéu! Foi, então, a marteladas,
arrancaram a aba do chapéu. Quanto trouxeram a estátua para colocá-la no
caixão, o bêbo gritou: eita, o padim padre Cícero veio de moto, oxe, vão
enterrá-lo com capacete e tudo, é? Sai pra lá bebão. Fecha o cachão! Perai,
deixa eu me despedi do santo e da defunta! Vai pra lá, cachaceiro! Tenho
direito! E deixaram, o embriagado abriu a tampa do caixão e gritou: Pade Ciço,
não me enrole, vá, me dê a chave da moto que eu quero ir pra casa! Avie, homem!
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com o cantor e compositor Elomar Figueira de Mello com seus álbuns Das barrancas do Rio
Gavião & Fantasia leiga para um rio seco; a pianista, compositora, artista
e diretora japonesa Tomoko Mukaiyama interpretando Multus #1 Canto Ostinato, Zorn Bolcom Zappa
& Illuseum #1; o guitarrista e violonista Ricardo Silveira com seus
álbuns Bom de tocar & Sky light; e a
cantora e compositora Ná Ozzetti com
os álbuns Love Lee Rita & Show. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Nossos olhos são limitados, de modo que não
podemos ver as coisas que estão bem à vista, até que chegue o momento em que
nossa mente esteja amadurecida. do
escritor e filósofo estadunidense Ralf Waldo Emerson (1803-1882). Veja
mais aqui, aqui e aqui.
A HISTÓRIA DA PENINHA - Um sujeito propôs a outra esta adivinhação:
“Qual o bicho que tem quatro pernas, come ratos, mia, passeia pelos telhados e
tem uma peninha na ponta da cauda?” Está claro que ninguém adivinhou. – Pois é
o gato, explicou ele. – Gato com peninha na cauda? – Sim. A peninha está aí só
para atrapalhar. Trecho extraído do texto O nosso dualismo (Cult,
maio/2002), do escritor Monteiro
Lobato (1882-1948). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O SOL ALÉM DA MINHA RUA – [...]
A rigor, o destino parecia ter-lhe
reservado o desconforto divino das viagens de ônibus. Aperto, calor, tempo
perdido. A vida é difícil, cruel, para quem é jovem pai de família e vive feito
eu, sem perspectiva numa grande cidade do terceiro mundo. Cruel no sentido que
o destino, se é que existe, costuma premiar poucos e punir a maioria. Cruel pra
fechar o horizonte aos anseios dos mais jovens. Trecho extraído da obra O sol além da minha rua (Bagaço, 2003),
do escritor e editor Paulo Caldas.
Veja mais aqui.
EITA, GOTA! – Você tem toda razão / dizer que não falo bem / papai chamava pru mode /
mamãe dizia qui nem / um filho desse casal / que português é que tem! Poema
do poeta Generino Batista. Veja mais
aqui e aqui.
BIBLIOTECA FENELON BARRETO
Recepcionando a
estudantada com os poetas Paulo Santos & Genésio Cavalcanti na Biblioteca
Fenelon Barreto.
Veja mais:
Padre Cícero matou duas aqui.
A arte musical de Tomoko Mukaiyama aqui.
A secretária do Tataritaritatá aqui.
A arte musical de Ná Ozzetti aqui.
&
A ARTE DE SÉRGIO VALLE
DUARTE
A arte do fotógrafo e artista multimídia Sérgio Valle Duarte.