POETASTRO METE AS CATANAS SEM ENTENDER DO
RISCADO – Imagem: Xilogravura de Amanda Duarte. - Nada dava certo mesmo pras bandas do Doro, tudo
gorava de choco e ele nem se emendava: partia pra outra. Dessa vez abandonou a
candidatura a presidente, queira mais saber não de política, isso é lá coisa
prum sujeito como eu! Que se danem! E saiu vasculhando o que danado ele ia
fazer da vida dagora em diante. Perambulando pela feira, ele deu de cara com
dois repentistas glosando o maior mote. Ficou de mutuca e acompanhando tudo:
vamos sapecar umas parcelas? Vamos de galope à beira-mar, compadre! Agora um
desafio malcriado! Uma taboada pequena, uma carretilha, um quebra cabeça, um
gabinete repetido, nove palavras por seis, língua d’Angola, dez de adivinhação,
coqueiro da Bahia, martelo alagoano, desmancha, rojão pernambucano, trava-língua,
ligeira, oitava, dez de queixo caído, quadrão perguntado, mourão voltado,
gemedeira, e de pé quebrado, chega, vamos emborcar a viola! Ele prestou atenção
em tudo perdendo a noção do tempo: oxe, esses cabras não cantam nada. Vou ser o
melhor cantador, ah, se vou! E foi ver os preços das violas, não tinha um
tostão furado; valeu-se de duas folhas de compensado e caiu no maior teitei:
agora vou me danar no dedilhado da maior violada. Nessa hora chega Robimagaiver
e ele ensaia pra ele: ah, se quer ser poeta, o doutor lá do banco disse que a
melhor poesia é o soneto. Gostei do nome, vou ser sonetista! Danou-se! E
castigou no blem blem desafinando a goela das tripas coração. Foi, então, que
cometeu uns versos, logo se achou o pencó do trupé, lascando uns cordéis
desajeitados, até cair nas graças dum abastado comerciante que apadrinhou sua
empreitada: publicar um livro. Vixe! O bocó cresceu os olhos misturando rimas
de nenhuma métrica, decorando tudo a dizer como improviso – na verdade o pior
goteira, um meia-tigela. Foi se deparar com o embolado do coco: ah, vou ser o
mais afamado coquista! Não deu outra: garranchou numa tuia de folhas de papel
na maior das garatujas, juntou tudo e foi ter com o mecenas que empurrou o
calhamaço pruma gráfica e, tempos depois do ajustado e aprazado, estava ele com
o opúsculo embaixo do sovaco, pra cima e pra baixo, todo ancho e virado da
breca! Topou com uns doutores que se diziam poetas e logo estava reunido com o
tabelião, o tenente, o contador e outros embecados que recitavam seus plectros
e loas como se vates de calibre, bardos da melhor cepa. Falaram duma academia
que ele fez de tudo para participar. A exigência era a publicação de um livro,
oxe, moleza pra ele, depositou o seu na hora, nem leram, muito menos abriram
uma página só que fosse e já deram por acadêmico. Dia lá de reunião,
intrometeu-se no meio, viu de tudo que foi zoada e já se imaginava desfilando
sobre o tapete vermelho da fama: agora esse povinho terá de me bajular porque
virei especial dos especiais, todos terão que lamber o solado dos meus pés.
Ufanou-se, maior venta empinada, peito estufado com ar desprezo e indiferença
para todos, do Afredo esconjurá-lo por cu doce: agora só todo metido com um
deus no bucho, metido a cheio das pregas. Doro nem nem, nada lhe atingia o
espinhaço pronto pra desancar o primeiro que lhe aparecesse, só nos compadrios
com letrados, dado a ser tal qual beletrista de respeito. Já não cumprimentava
mais ninguém, só os seus doutos achegados, mais nada: essa bugrada só merece
desprezo! Não me misturo mais não com essa gentinha porqueira. Destá. Era
chegada a hora prele se amostrar diante de todos na academia, cobravam-no uma
apresentação e não se fez de rogado: abriu a caixa dos peitos e lascou
mastigado torando aço, rompendo pé-de-parede como se cantasse ciência, fugia da
mira no meio do trabalho feito, mas mantinha a toada própria no maior caqueado
da obrigação repetida e enrolada, até rapar a violada, esperando a paga e
aplausos. Maior burburinho inquietante, quando um lá se levantou: isso é lá
desgraça de coisa que se apresente, homem? Não deu, maior opróbrio, rabinho
entre as pernas, Doro escafedeu-se de nunca mais dar as caras. Diziam
maldizentes: bem empregado praquele desinfeliz, todo castigo pra corno é pouco!
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com os álbuns Coisa mais maior de grande,
Moleque Gonzaguinha & Caminhos do Coração, do
cantor e compositor Luiz Gonzaga Junior – o Gonzaguinha (1945-1991);
o Concerto para Violino de Bach, Chiacona Bertali & Elbo Telemann da violinista e maestro
britânica Rachel
Podger; Do samba e do jazz, The Man,
Diamante verdadeiro e Sway com a atriz, locutora, escritora,
cantora e compositora Bia Sion; e os poemas Quem transou com a
Madonna no Brasil?, Nada vai apagar meu sorriso, Sexo em Moscou, 100 Vitrines
& Picareta Cultural do poeta, ator e roteirista Mano Melo. Para conferir é só
ligar o som e curtir.
ERA DA INCERTEZA: TERAPIA &
VULNERABILIDADE - [...]
A invasão do ethos
terapêutico nas outras profissões e formas de autoridade é particularmente
admirável na relação com seus antigos competidores – as instituições
religiosas. Recentemente, o Arcebispo de Canterbury afirmou que a terapia está
substituindo o cristianismo nos países do ocidente. De acordo com o Arcebispo
Carey, “Cristo, o Salvador” está se transformando em “Cristo, o conselheiro” [...] A politização da emoção emergiu como um importante
tema na vida política contemporânea. A intromissão no sentimento das pessoas se
tornou institucionalizado sob o presente sistema de governança terapêutica. Há pouca
oposição a essa tendência e dificilmente alguma preocupação com as potenciais
implicações autoritárias de um sistema de governo que tem como objetivo dizer
às pessoas como devem se sentir [...]. Trechos extraídos da obra Cultura da Terapia: cultivando a vulnerabilidade
em uma Era de Incerteza (Routledge,2004), do sociólogo britânico Frank Furedi, defendendo que a terapia
deixa de se referir a estados mentais exóticos e problemas atípicos para se
tornar comum em situações do cotidiano e encarada como um ideologia com
objetivos que proporcionem uma espécie de reencantamento da experiência
subjetiva, suprindo a vivência emocional com um significado especial, uma vez
que o “emocionalismo” ajuda a reconstruir uma
forma de espiritualidade bastante inusitado.
CAPITAL SOCIAL –[...] O capital social é o conjunto dos
recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de
relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de interreconhecimento
mútuos, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como o conjunto de agentes
que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros e por eles mesmos), mas também que são
unidos por ligações permanentes e úteis.
[...] acumulação de capital cultural desde
a mais tenra infância – pressuposto de uma apropriação rápida e sem esforço de
todo tipo de capacidades úteis – só ocorre sem demora ou perda de tempo,
naquelas famílias possuidoras de um capital cultural tão sólido que fazem com
que todo o período de socialização seja, ao mesmo tempo, acumulação. Por consequência,
a transmissão do capital cultural é, sem dúvida, a mais dissimulada forma de
transmissão hereditária de capital. [...] Trechos de O capital social: notas provisórias, do sociólogo
francês Pierre Bourdieu (1930-2002),
extraído da obra Escritos de educação
(Vozes, 1998), organizado por Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani. Veja mais
aqui, aqui, aqui e aqui.
A EDUCAÇÃO, A FAMÍLIA E A ESCOLA - [...]
Como a vida familiar se constitui na
primeira escola de aprendizagem, os pais devem investir mais na interação
mediatizada para tornar as crianças e os jovens socialmente mais hábeis. Também
na escola os professores, por meio da mediatização, podem criar adultos mais
solidários e mais aptos a responder aos desafios complexos da sociedade futura.
Em síntese, se queremos uma sociedade mais solidária, a família e a escola tem
de ser mediatizadoras. [...] Trecho da obra Pedagogia mediatizadada: transferências das estratégias para novas
aprendizagens (Salesiana, 2002), do professor catedrático Vitor da Fonseca, defendendo que a mediatização
é a chave do desenvolvimento social e cognitivo da espécie humana, tornando-se fundamental
a aplicação da pedagogia mediatizada na família e na escola. Veja mais aqui, aqui e aqui.
PALHAÇOS & PALHAÇADAS - [...]
O Palhaço é a
figura cômica por excelência. Ele é a mais enlouquecida expressão da
comicidade: é tragicamente cômico. Tudo que é alucinante, violento, excêntrico
e absurdo é próprio do palhaço. Ele não tem nenhum compromisso com qualquer
aparência de realidade. O palhaço é comicidade pura. O palhaço não é um
personagem exclusivo do circo. Foi no picadeiro que ele atingiu a plenitude e
finalmente assumiu o papel de protagonista. Mas o nome palhaço surgiu muito
antes do chamado circo moderno. Aliás, seria melhor dizer “os nomes”. Uma das
grandes dificuldades que a maioria dos autores encontra ao estudar a origem dos
palhaços está na profusão de nomes que essa figura assume em cada momento e
lugar. Clown, grotesco, truão, bobo, excêntrico, tony, augusto, jogral, são
apenas alguns dos nomes mais comuns que usamos para nos referir a essa figura
louca, capaz de provocar gargalhadas ao primeiro olhar [...] Esse nosso personagem imaginário sobreviveu a
todas as catástrofes naturais, inclusive às construídas pelos homens. Esteve presente
nas batalhas, nas festas e nos rituais mais sagrados, sempre cumprindo o mesmo papel:
provocar o riso. [...] O palhaço é o sacerdote da besteira, das
inutilidades, da bobeira... Tudo o que não tem importância lhe interessa. É
corriqueira a cena em que o palhaço vai fazer alguma coisa muito séria e
importante - como, por exemplo, tocar uma peça de música clássica - e acaba nos
entretendo com algum detalhe absolutamente insignificante. [...] Durante milênios e até nos dias de hoje
valorizamos a sabedoria e a capacidade para vencer, seja lá o que isso
signifique. Por isso, a apologia do trabalho, da moderação, do equilíbrio.
Grandes valores, sem dúvida, mas a vida não é só isso: existe a farra, a festa,
o prazer! E assim o homem vai vivendo, equilibrando-se entre os contrários,
compreendendo a necessidade de “ganhar o pão com o suor do seu rosto”, mas
criando mecanismos para escapar das pressões cotidianas, reagir aos exageros
dos puritanos e se contrapor à tristeza e à violência do mundo. Millôr
Fernandes complementou Aristóteles dizendo que “o homem é o único animal que ri
e é rindo que ele mostra o animal que é”. Pronto. A principal função do riso é
nos recolocar diante da nossa mais pura essência: somos animais. Nem deuses nem
semi-deuses, meras bestas tontas que comem, bebem, amam e lutam desesperadamente
para sobreviver. A consciência disso é que nos faz únicos, humanos. [...] Palhaço não dá lição de moral, mas também não
é amoral. Mas quem sabe a diferença? Quem conhece o limite? Acho que tudo depende
do lado que escolhemos na vida e de compreender que, a todo instante, é como se
um espelho aparecesse, o muro andasse, trocando os lados de lado. O que é justo
num determinado momento ou situação pode ser muito injusto no momento seguinte.
A Verdade nunca é absoluta, a bondade nem sempre é o melhor caminho, e por aí vão
as coisas, exigindo atenção, sabedoria e um firme exercício de fidelidade aos princípios
que norteiam a vida dos que escolhem ter princípios na vida. [...]. Trechos extraídos
da obra Elogio da bobagem: palhaços no
Brasil e no mundo (Família Bastos, 2005), da atriz, diretora de teatro e
especialista em circo, Alice Viveiros de Castro.
ENQUANTO AGONIZO – [...]
Foi Albert quem me
contou o resto da história. Ele disse que a carroça estava parada na frente da
loja de ferragens do Grummet, com as mulheres espalhadas pela rua com lenços presos
ao nariz, e um bando de homens e rapazes de narizes grandes ao redor da
carroça, ouvindo o xerife discutir com o homem. Era um homem alto e esguio
sentado na carroça, dizendo que era uma rua pública e ele achava que tinha
tanto direito como os outros, e o xerife lhe dizendo que ele teria que ir
andando; as pessoas não agüentariam aquilo. Ela estava morta havia oito dias,
Albert disse. Eles vinham de algum lugar lá no condado de Yoknapatawpha,
tentando chegar a Jefferson com aquilo. Deve ter sido como um pedaço de queijo podre
entrando num formigueiro, naquela carroça toda desconjuntada que Albert disse
que o pessoal temia que de repente caísse aos pedaços antes que eles pudessem
deixar a cidade, com aquele caixão feito em casa e outro sujeito com uma perna quebrada
deitado num catre em cima do caixão, e o pai e um menino sentados e o xerife
tentando fazê-los sair da cidade [...]. Trechos
extraídos da obra Enquanto agonizo
(L&PM, 2010), do escritor estadunidense e ganhador do prêmio Nobel de
Literatura em 1949, William Faulkner
(1897-1962). Veja mais aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS DE
PARANOIA - A piedade: Eu urrava nos poliedros da Justiça meu
momento / abatido na extrema paliçada / os professores falavam da vontade de
dominar e da / luta pela vida / as senhoras católicas são piedosas / os
comunistas são piedosos / os comerciantes são piedosos / só eu não sou piedoso
/ se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria / aos sábados à
noite / eu seria um bom filho meus colegas me chamariam / cu-de-ferro e me
fariam perguntas: por que navio / bóia? por que prego afunda? / eu deixaria
proliferar uma úlcera e admiraria as / estátuas de fortes dentaduras / iria a
bailes onde eu não poderia levar meus amigos / pederastas ou barbudos / eu me
universalizaria no senso comum e eles diriam / que tenho todas as virtudes / eu
não sou piedoso / eu nunca poderei ser piedoso / meus olhos retinem e tingem-se
de verde / Os arranha-céus de carniça se decompõem nos / pavimentos / os
adolescentes nas escolas bufam como cadelas / asfixiadas / arcanjos de enxofre
bombardeiam o horizonte através / dos meus sonhos. Boletim do mundo mágico: Meus pés sonham suspensos no Abismo
/ minhas cicatrizes se rasgam na pança cristalina / eu não tenho senão dois
olhos vidrados e sou um órfão / havia um fluxo de flores doentes nos subúrbios
/ eu queria plantar um taco de snooker numa estrela fixa / na porta do bar eu
estou confuso como sempre mas as / galerias do meu crânio não odeiam mais a
batucada dos ossos / colégios e carros fúnebres estão desertos / pelas calçadas
crescem longos delírios / punhados de esqueletos são atirados no lixo / eu
penso nos escorpiões de ouro e estou contente / os luminosos cantam nos
telhados / eu posso abrir os olhos para a lua aproveitar o medo das nuvens / mas
o céu roxo é uma visão suprema / minha face empalidece com o álcool / eu sou
uma solidão nua amarrada a um poste / fios telefônicos cruzam-se no meu esôfago
/ nos pavimentos isolados meus amigos constroem / [um manequim fugitivo / meus olhos cegam
minha mente racha-se de encontro a / uma calota minha alma desconjuntada passa
rodando. Poemas extraídos da obra Paranóia (Massao Ohno, 1963), do poeta Roberto Piva (1937-2010).
SOCORRO
DURÁN
Com a escritora, professora e acadêmica da APLE, Maria
do Socorro Barros y Durán, na Biblioteca Fenelon Barreto. Veja mais aqui e aqui.
Veja mais:
A arte de Bia Sion aqui.
&
A ARTE DE LIA CHAIA
A arte da artista plástica, performer,
fotógrafa & multimídia Lia Chaia. Veja
mais aqui.