PORQUE ERA SÁBADO NO UNA - De manhã, o Sol na feira: sabores do campo,
odores de sovaco e lamaçal. Burburinho sem horrores, passos e pressas, motores
roncando nas idas e vindas pro mercado, toldas dos cordéis, fruteiras e
precisões, bagaços e rumores de fôlegos avexados, da La Ursa ao Mané Gostoso, tudo vendável aos gritos das ofertas: é só
hoje, amanhã não tem mais. Das flores as cores e curaus, olores matinais de
moça que acordou, gente a dar com pau. Sacolas de milho, cheirinho bom de
munguzá. Quem vai querer? Raízes saborosas, frutos tirados do pé. Lapadas,
meiotas e cuspidas, tinindo! Como vai? Até já. Escolhas na urupema, enche a
bisaca. Quanto é? Um tantinho de nada, feito caldo de cana. Opa! Ali está mais
em conta. Ah, pode levar, aqui manda o freguês, cortesia cristã, usura aos
trocados. Até o homem da cobra juntava curiosos, receitas de cura, bregueços de
tudo. A vida passava e nem nem, o troco das graças, troços de festas, fuxicos e
pesos pesados nas medidas dos bolsos. É andar que só a má notícia. Carrega de
monte, a tuia desfeita num quarto de hora, do jeito que vai não chega meio dia.
Nada, pelas dez o saudoso Tininho invocando o risível em voz alta trechos do
Aleph de Borges, enquanto Karajan soava baixinho o último movimento da Nona de
Beethoven na vitrola lá de dentro. Pilhérias do Velho Faceta com as cenas do
Porteiro de Cavani, Tininho misturava as Carmina Burana ao Agá de Hermilo, nem
se sabia o que era sério ou lorota. Antes das onze chegava Afonso Paulo risonho
ajeitando os óculos no pau da venta com leituras ilustradas de Joyce e dos
Sertões de Rosa, já a hora de ir pro Boteco do Dudé, lá fora a trocar ideias
das Filosofias, Literaturas e músicas de todos os tempos nas conversas fiadas.
Muito depois do meio dia, papo ainda por atualizar de todo, hora do almoço com
a saiadeira. À sesta, o mormaço da tarde e Luciano nos rastros de Décio, Tomé e
do saudoso Jaorish pras claves pianísticas das horas até o crepúsculo com improvisos
de jazz ou rock progressivo, tons da Orquestra Armorial ou dos solfejos de
Saint-Preux. À boquinha da noite tudo como a poesia da Criação de Vinicius, coisas
de se rir com a Fubana de Berto no teatro pros riscados de Rollandry ou com as
gaitadas de Juhareyz com as matutices poéticas de Ascenso. Já de noite e o bar
no mote de Zé Ripe, aos acordes de Ozi e a Leonor de Célio e Gulu: a gente
mangava de tudo de nem se tocar que a vida é tão breve. Fernandinho Bigode dava
o tom pra Marquinhos como se não houvesse amanhã, enquanto Âneglo desenhava uma
caricatura da trupe perpetuando a besteira da gente viver assim de nada, feito magotes
levados pelo empolgado desentôo de Mauricinho que sacava do Cascudo as coisas
de Jorge Amado e o Profeta recita uma do Jogo Duro preu ensaiar acordes
perdidos. De passagem o insone Mazinho acenava uma canção madrugeira e a gente
toda, aos copos e risos, perdíamos o tempo nas lembranças aos ventos da quase
manhã de Domingo na beira do Una. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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OS ARQUIVOS DE DERRIDA
[...] Depositados sob a guarda desses arcontes,
estes documentos diziam, de fato, a lei: eles evocavam a lei e convocavam à
lei. Para serem assim guardados, na jurisdição desse dizer a lei eram necessários ao mesmo tempo um guardião e uma
localização. Mesmo em sua guarda ou em sua tradição hermenêutica, os arquivos
não podiam prescindir de suporte nem de residência. [...] Para se abrigar e também para se dissimular.
Esta função arcôntica não é somente topo-nomológica. Não requer somente que o
arquivo seja depositado em algum lugar sobre um suporte estável e à disposição
de uma autoridade hermenêutica legítima. É preciso que o poder arcôntico, que
concentra também as funções de unificação, identificação, classificação caminhe
junto com o que chamaremos o poder de consignação.
Por consignação não entendemos apenas, no sentido corrente desta palavra, o
fato de designar uma residência ou confiar, pondo em reserva, em um lugar e
sobre um suporte, mas o ato de consignar
reunindo os signos. Não é apenas a consignatio tradicional, a saber, a
prova escrita, mas aquilo que toda e qualquer consignatio supõe de entrada. A consignação tende a coordenar um único corpus em um sistema ou uma sincronia na qual todos os elementos
articulam a unidade de uma configuração ideal. Num arquivo, não deve haver
dissociação absoluta, heterogeneidade ou segredo
que viesse a separar (secernere),
compartimentar de modo absoluto. O princípio arcôntico do arquivo é também um
princípio de consignação, isto é, de reunião. [...] Fazer justiça a
essa necessidade significa reconhecer que, em uma oposição filosófica clássica,
nós não estamos lidando com uma coexistência pacífica de um face a face, mas
com uma hierarquia violenta. Um dos dois termos comanda (axiologicamente,
logicamente etc.), ocupa o lugar mais alto. Desconstruir a oposição significa,
primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia [...].marcar o
afastamento entre, de um lado, a inversão que coloca na posição inferior aquilo
que estava na posição superior, que desconstrói a genealogia sublimante e
idealizante da oposição em questão e, de outro, a emergência repentina de um
novo ‘conceito’, um conceito que não se deixa mais - que nunca se deixou -
compreender no regime anterior [...]. A
perturbação do arquivo deriva de um mal de arquivo. Estamos com um mal de
arquivo (en mal d'archive). Escutando o idioma francês e nele, o atributo de
"en mal de", estar com mal de arquivo, pode significar outra coisa
que não sofrer de um mal, de uma perturbação ou disso que o nome ‘mal’ poderia
nomear. É arder de paixão. É não ter sossego, é incessantemente,
interminavelmente procurar o arquivo onde ele se esconde. É correr atrás dele
ali onde, mesmo se há bastante, alguma coisa nele se anarquiza. É dirigir-se a
ele com um desejocompulsivo, repetitivo e nostálgico, um desejo irreprimível de
retorno à origem, uma dor da pátria, uma saudade de casa, uma nostalgia do
retorno ao lugar mais arcaico do começo absoluto [...].
Trechos da obra Mal
de Arquivo: uma impressão freudiana (Relume Dumará, 2001), do filósofo
francês Jacques Derrida (1930-2004),
ensaio que trata acerca do lócus da memória, dos registros do passo e da
história, num conceito de arquivo sob a perspectiva tecnica, política, ética e
jurídica, suas correspondências com o momento, o índice, a prova e o testemunho
evocando um sintoma, um forimento e uma paixão como o arquivo do mal, definindo
a interpretação no discurso da história. Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
O
feitiço da naja: tocaia & o bote, Sistemas de comunicação de Joseph Luyten,
Palmares & o coração de Hermilo Borba Filho, Porta giratória de Mário
Quintana, Or de Liz Duffy Adams, a música de Vanessa Lann, a pintura de Joerg Warda & a arte de
Luciah Lopez aqui.
E mais:
Aniversário de Aninha, A escritura & a diferença de Jacques Derrida, O narrador de Walter Benjamin, Bodas de
sangue de Federico García Lorca, a música de Paulo Moura, a pintura de Cícero Dias &
Rembrandt Harmenszoon van Rijn, a coreografia de Lia Robato, Brincarte do
Nitolino & a poesia de Greta Benitez aqui.
A obra de arte & a reprodução de Walter Benjamim, a poesia de Guillaume Apollinaire, a pintura de Rembrandt Harmenszoon van Rijn, Efigênia Coutinho & Programa
Tataritaritatá aqui.
A ponte
entre o amor e a paixão aqui.
As trelas do Doro: doidices na sucessão & a arte de Yayoi
Kusama aqui.
Cantarau Tataritaritatá, a pintura de Candido Portinari
& Vicente do Rego Monteiro, a música de Bach & Wanda Landowska, O
vir-a-ser contínuo de Heráclito de Êfeso, A estrada morta de Mia Couto, As
casas & os homens de Adolfo Casais
Monteiro, Maria Peregrina de Luis Alberto Abreu, Quebra de xangô de Siloé Soares de Amorim, a arte de
Luciano Tasso, Brincarte do Nitolino & Jobs no baço e encarar nocautes de Vlado Lima aqui.
Primeira
reunião, Ética pro novo milênio
do Dalai Lama, Morte ao invasor de Gilvan Lemos, O despertar da
primavera de Frank Wedekind, O testamento de Orfeu de Jean Cocteau, a pintura de Marc Chagall & Edgar Degas, a
música de Toquinho, a arte de María Casares, a coreografia de Alonso Barros
& a poesia de Valéria Tarelho aqui.
Lagoa Manguaba, Teoria do vínculo de Pichon Rivière, História do Brasil de
Laurentino Gomes, as sinfonias de Gustav Mahler, a pintura de Lasar
Segall & Ekaterina Mortensen, Amor por anexins de Artur Azevedo, o cinema
de Vittorio De Sica & Sophia Loren, Kiki, Rainha de
Montparnasse, Pavios curtos de José
Aloise Bahia & Programa Tataritaritatá aqui.
A
rodagem de Badalejo, a bodega de Água Preta, O analista de Bagé de Luis
Fernando Veríssimo, Narração & narrativas de Samira Nahid Mesquita, Iniciação ao teatro de Sábato
Magaldi, o cinema de Hector Babenco, a
música de Meredith Monk, a arte de Vanice Zimmerman, a pintura de Robert
Luciano & Vlaho Bukovac aqui.
Cantando às margens do Una, Psicologia geral de Alexander Luria,
Clonagem & células-tronco de Mayana Zatz, Aquela criança de sempre
de Reinaldo Arenas, a música de Heitor Villa-Lobos & Arthur Moreira Lima, o cinema de Luchino
Visconti & Alida Valli & Marcella Mariani, Ginger Rogers, a pintura de Joshua Reynolds & Carl Larsson, a arte de Ana Paula Arósio & a poesia de Líria Porto aqui.
A família de Jacques Lacan, Pensamento & linguagem de Alexander Luria, a música de Elizeth
Cardoso, Aníbal Bragança & Clevane Pessoa de Araújo Lopes aqui.
Educação,
professor-aluno, gestão escolar & neuroeducação, O livro dos sonhos de Jorge Luis Borges, a música de
Ayako Yonetani, Ciência psicológica, a
fotografia de Anton Giulio Bragaglia, a pintura de Jean Metzinger & Anthony
Gadd aqui.
Cantarau
Tataritaritatá, 1919 de John dos Passos, o teatro pobre de Jerzy
Grotowski, Estética teatral de José Oliveira Barata, a coreografia de Xavier Le Roy, a pintura de Vesselin Vassilev, a arte de Alex Mortensen & a música de Carlos Careqa aqui.
Manchetes
do dia: ataca o noticiário matinal, Folclore
pernambucano de Pereira da Costa,
Filosofia da Linguagem, Vinte vezes de Cassiano
Nunes, a música de Fabian Almazan, a
coreografia de Doris Uhlich, a pintura de Nicolai Fechin & a arte de Roberto
Prusso aqui.
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O CINEMA
DE GUIDO BILHARINHO
Acaba de ser lançado o livro O Cinema de Hitchcock e Woody Allen (Revista
Dimensão, 2017), do advogado e escritor Guido
Bilharinho, editor da revista internacional de poesia e autor de livros de
Literatura, Cinema e História do Brasil e Regional, traçando uma trajetória dos
anos 1930 até 2000. O autor colaborou publicando artigos sobre cinema no nosso
tablóide Nascente – Publicação Lítero-Cultural, que circulou entre os
anos 1995/1999. Veja mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje é dia de especiais do
saudoso maestro, compositor, arranjador, saxofonista e clarinetista Paulo
Moura
(1932-2010) interpretando Radamés Gnatalli & Confusão urbana, suburbana e
rural; a cantora e compositora portuguesa Eugénia
Melo e Castro
cantando Vinicius de Moraes e outros dos seus sucessos; o guitarrista de jazz
estadunidense Pat Metheny desfilando Speaking of Now Live & The Way Up; e a
pianista, compositora, artista e diretora japonesa Tomoko Mukaiyama
executando At the illeseum (parts 1, 2 e 3) e músicas de obras de John Zorn,
William Bolcon & Frank Zappa. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
O TEAT(R)O OFICINA UZYNA UZONA
A arte do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, companhia teatral fundada e dirigida pelo ator
e diretor de teatro José Celso Martinez Correa. Veja mais aqui, aqui e aqui.
A ARTE HAMID ZAVAREEI
Art by Hamid
Zavareei