QUANDO SE SENTIR SÓ, FALE COMIGO! - Imagem: A caverna das mãos, Patagônia,
Argentina. - Vambora, contagem regressiva, vira a chave, dá partida e aciona o
motor, nove, acelera, oito, apruma a direção, sete, debreia, seis, engata
primeira, cinco, pé no canto e na táboa, quatro, tem que usar o cardan, três,
tudo na marra, dois, força na munheca, um, leva tudo nos peitos, zero, simbora!
Sacode a segunda, manda ver no solado pra terceira e pisa fundo, salta pra
quarta, segura o pisado senão morre, o aclive é sempre íngreme, ajeita pra
quinta: é agora ou nunca, a horagá, o Dia D! Bota fé na pesada e seja lá o que
Deus quiser! Vai que o negócio é sério, largar em primeiro, seguir na frente,
manter a dianteira, só para-choque sem língua de fora, viu? Mostra o ronco do
leão, trocentos cavalos, saúde de bicho! Urra! Não olhe pra trá, nem pelo
retrovisor, concentração na subida, ladeira sem fim, o céu por limite, só vale
se chegar ao topo! Não tem que dar colher de chá pra ninguém, da goela pra
baixo tudo é perna! Arriba! Não dê moleza, tem que aguentar o trupé! Avante! Não
pode esmorecer, tem que ter gás sem precisar abastecer, manobra direito, não vá
derrapar, vixe! Segura nos punhos, mostra quem é que vale mesmo ser a cocada
preta! Segura o catombo, olhe o quebra-mola, empina a rieira, sai do atoleiro, olhe
o roçado, se avie, use acostamento se preciso, vai no domínio das rédeas, não vá
abrir da vela nem cagar fora do penico, dê seus pulos que você não é quadrado!
Quando der pulo saiba como cair, aumente o pinote, não vá perder o equilíbrio na
passada, ao rebolar não dê rabo de arraia nem cavalo de pau, segura o pencó,
esporada no espinhaço do bicho! Olha a bandeirada! Chegou? Agora segura as
pontas que pra descer todo santo ajuda embolando na ribanceira, pode findar
relando a bunda no chão no maior deslizado de perder troféu e campeonato. Já que
chegou ao ápice, agora é mostrar quem manda no riscado. Bote sua mola! Qualquer
vacilo, queda feia e desenfreada de não saber nem onde vai parar, sacou? Se está
em riba, veja como é que faz pra ficar por lá. Se puder, suba mais: cacunda dos
outros pode ser mais que degrau! Se não der, se aguente, não vá fazer papel
safado de se acovardar nem cair na leseira de virar a casaca. Logo aparecerão
simpatizantes antes antipáticos, amigos antes algozes, parentes antes perdidos,
achegados antes de costas, e se souber mandar bem no caqueado, terá sempre
plateia aplaudindo até nas meladas, nas topadas e no que não era nem pra ser. Errar
é humano, mas não erre demais. Mantenha o nariz empinado, peito estufado, a
valentia em dia, se trastejar cai do burrico na maior cama de gato. Não se
abestalhe, um olho no santo e outro no vigário, um dormindo e o outro acordado,
se tiver de fazer, faça duma vez e bem feito, nunca conserte que empiora e dá
mais trabalho ter de fazer tudo novo. Ria e ria sempre, fraquezas são
perdedores, derrota é pra quem não tem imaginação. Se cuspir pra cima, saia
debaixo; se for pedir penico, tenha humildade, aliás a maior nobreza é a
humildade, antes um abraço que o poder da força, antes diálogo que empenado
litígio, antes aperto de mão que quebra-de-braço. Tudo em cima? Se desceu, ache
o chão antes da queda; se vê que vai se estrepar, melhor arrumar os muafos e
pedir parada puxando a cigarra; se na eversão não achou mão alguma de apoio, é
que adivinham a ruína como se fosse labéu, aí tudo vai pro beleleu! E se
mangarem do tropeço, sorria e vá pensando como é que pode dá volta por cima só
no truleu leu leu. E se procurar por alguém e não achar, não leve por desfeita,
é que estão todos ocupados, babau. E se sentir ao rés-do-chão, talvez seja uma
emergência, sobreviva, melhor curau que perdeu o bonde que ser levado na maior
boiada. Enfim, quando se sentir só, fale comigo, estou aqui. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
O VELHO & O MAR DE HEMINGWAY
[...] Na treva,
porém, sem clarão fulgindo, nem luzes, só com o vento e o firme impulso da
vela, sentiu-se como se já estivesse morto. Juntou as mãos para sentir as
palmas. Não estavam mortas, e era capaz de sentir a dor da vida, apenas com
abri-las e fechá-las. Encostou as costas à popa, e reconheceu que não estava
morto. Os ombros lho disseram. [...] "Não
devo pensar em tolices. A sorte é coisa que vem de muitas formas. Quem sabe
reconhecê-la? No entanto, eu aceitava alguma em qualquer forma, e pagava o que
me pedissem. Quem me dera ver o clarão das luzes. Quem me dera tanta coisa! Mas
é isto o que eu quero agora". Procurou instalar-se mais confortavelmente
ao leme, e pela dor sabia que não estava morto. [...] Sentia-se
dormente, dorido, e as feridas e as partes mais esforçadas do corpo doíam-lhe
com o frio da noite. "Espero não ter de lutar mais, pensou. Tanto espero
não ter de lutar outra vez!" Mas, por volta da meia-noite, lutou e dessa
vez sabia que era inútil. Vieram em massa, e apenas via as linhas que as barbatanas
abriam na água e a fosforescência deles ao atirarem-se ao peixe. Batia-lhes na
cabeça, ouvia o estalo das queixadas, sentia o tremer do esquife quando eles mordiam
por baixo. Batia-lhes desesperadamente no que apenas sentia e ouvia, e sentiu
que alguém lhe agarrava no cacete, que se sumiu. Arrancou a cana do leme, e
bateu e feriu com ela, segurando-a com ambas as mãos, abatendo-a vezes
seguidas. Mas vinham pela proa, um após outro, juntos, arrancando pedaços de
carne, que brilhavam dentro do mar quando eles se voltavam para um novo ataque.
Veio, por fim, um, que se atirou à cabeça, e o velho viu que tudo acabara.
Acertou com a cana na cabeça do tubarão, cujas maxilas estavam presas na dureza
da cabeça do peixe, que se não rasgava. Vibrou a pancada uma, duas, três vezes.
Ouvia a cana partir-se, e espicaçou o tubarão com a ponta estilhaçada. Sentiu-a
penetrar e, ciente de que era aguçada, enterrou-a mais. O tubarão soltou-se e
rolou para longe. Era o último tubarão do bando que aparecera. Nada mais havia
de comer. O velho mal podia respirar, e sentia na boca um sabor estranho,
adocicado, metálico, e por instantes teve medo. Mas não durou muito. Cuspiu
para o oceano e disse: -- Comam isso, “galanos”. E fiquem a julgar que mataram
um homem. Sabia-se irremediavelmente derrotado e voltou à popa e verificou que
a ponta partida da cana encaixava no olhal do leme o suficiente para ele poder
governar. Compôs o saco pelos ombros e repôs o esquife no rumo. Vogava ligeiro,
e o velho não tinha pensamentos ou sentimentos nenhuns. Passara por tudo, e
limitava-se a dirigir o barco para o porto, tão bem e tão inteligentemente
quanto podia. Pela noite, tubarões atacaram a carcaça, como alguém pode apanhar
migalhas da mesa. O velho não lhes prestou atenção e a nada prestava atenção
senão ao leme. Apenas reparava em como o barco singrava bem, muito ligeiro,
agora que não levava grande peso na borda. [...].
Trechos da obra O velho e o mar (Livros do Brasil, 1956), do escritor estadunidense & Prêmio Nobel de 1954, Ernest
Hemingway (1899-1961), contando a história de um velho pescador que luta
com um gigante marlim em alto mar. Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
A
esperança equilibrista, O espaço da cidadania de Milton Santos, Admirável mundo novo de Aldous
Huxley, Os saberes da educação de Edgar Morin, a música de Vivaldi & Michala Petri, a fotografia de Andreas Feininger, a pintura de Gianluca Mantovani & Jose De la Barra, a arte de
Daniele Lunghin & Dave Stevens aqui.
E mais:
Ah, se em todo lugar houvesse amor, Indivíduo reprimido de Herbert Marcuse, Ordem ao exército da arte de Vladimir
Maiakovski, Testamento do teatro de Jerzy Grotowski, o cinema de Ken Loach
& Eva Birthistle, Os saltimbancos de Chico Buarque, a pintura de Edgar Degas, O lobisomem Zonzo & Brincarte do Nitolino aqui.
A liberdade de expressão, A natureza de Parmênides de Eléia, A filha de Agamenon de Ismail Kadaré, O poema sujo de Ferreira Gullar, O
teatro essencial de Denise Stoklos, o
cinema de o Ingmar Bergman &
Liv Ullmann, a música de Badi Assad, a escultura de Emilio Fiaschi, a pintura de Gustav Klint & Vera Donskaya-Khilko, o Programa Tataritaritatá & muito mais aqui.
Aniversário de Aninha, A esritura & a diferença
de Jacques Derrida, O narrador de Walter Benjamin, Bodas de
sangue de Federico García Lorca, a música de Paulo Moura, a pintura de Cícero Dias & Rembrandt
Harmenszoon van Rijn, a coreografia de Lia Robato, Greta Benitez & Brincarte do Nitolino aqui.
Cantando às margens do Una, Psicologia geral de Alexander Luria, Clonagem & células-tronco de Mayana
Zatz, A criança de sempre de Reinaldo
Arenas, a música de Heitor Villa-Lobos
& Arthur Moreira Lima, a pintura de Joshua Reynolds & Carl Larsson, o cinema de Luchino Visconti & Alida
Valli & Marcella Mariani, Ginger Rogers, a arte de Ana Paula Arósio & a poesia de Líria Porto aqui.
Maria Esperantina,
orgasmo de uma noite & nunca mais, O sexo na história de Reay Tannahill, a poesia de Ascenso
Ferreira, a literatura engajada de Ulrike Marie Meinhof, a música de Alceu Valença, a pintura de Xenia Hausner
& a arte de Guazzelli aqui.
À
procura da paternidade, Lenda, Mito & Magia, A trombeta do anjo vingador de Dalton Trevisan, Vivendo com as estrelas de Duília de Mello, a
música de Cristina Braga & a pintura de Ernest Descals aqui.
&
POEMA
PÓSTUMO DE MAIAKOVSKI
Duas
horas em breve. Estás deitada, talvez.
Na
noite, como um Oka de prata a Via Láctea corre.
O
tempo é meu, e os relâmpagos que eram meus telegramas,
Não
mais te virão despertar, atormentar.
Comose
diz: encerra-se o incidente.
A
canoa do amor foi-se quebrar de encontro ao cotidiano.
Eis-me
quite com a vida.
E
é inútil o passar em revista penas, azares e recíprocas feridas.
Vê,
que paz no universo.
A
noite impôs ao céu a servidão de tantas estrelas.
Chegou
a hora em que a gente se ergue e em que fala aos séculos,
À
História, ao universo.
Poema
póstumo,
extraído da obra Autobiografia e poemas
(Presença, 1977), do poeta,
dramaturgo e teórico russo Vladimir Maiakovski
(1893-1930). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje
é dia de especiais com o guitarrista britânico de jazz John
McLaughlin;
da pianista e compositor polonesa Felicja
Blumental
(1908-1991); do músico, arranjador, regente, pianista e compositor Wagnert
Tiso;
e da violonista francesa Ida Presti (1924-1967). Para conferir é só
ligar o som e curtir.
A ARTE
DE CILDO MEIRELES
A arte do artista plástico Cildo Meireles.