OS AVÓS SÓ BOTAM A PERDER – Imagem: Art by Marie Johnson Harrison - Vivi momentos felizes de muitas aventuras na
minha infância com os meus avós. O primeiro neto que apareceu no meio de uma
penca de tios e tias, pronto, virava eu o xodó e o centro das atenções,
manhando dengoso no meio da maior plateia, isso no de menos. Na garupa do
cavalo, meu avô Arlindo me levou por vales, rios e canaviais. Quando não, por
ser o administrador de engenhos de cana de açúcar do Rio Grande Norte até
terras no sul de Minas Gerais, eu podia gabola beiçudo impressionar os matutos
com minhas invencionices e trelas de menino tagarela, tudo abestalhado com o
meu poder de inventar pinóias cada uma pior que a outra: esse menino bebeu água
de chocalho. Essa e muitas outras aventuras nos engenhos só paravam de mesmo
quando meu avô ia pra casa dele em Água Preta, eram dias de reinação na bodega
sortida de vó Benita, coisa de levar carão o dia todo e esperar pelos acalantos
e histórias de trancoso que ela mandava ver pra me amedrontar arrepiado embaixo
do cobertor. Os acalantos e histórias dela era coisa de ciúmes nos cabarés,
soldados que se perderam, mães que se vingaram, mortes e brigas de famílias,
afora coisas do outro mundo e presepadas de espíritos zombeteiros. Quando eu
não tremia de medo, morria de rir, e ela mais ainda, até se esquecia das horas
contando cada coisa. Findavam as férias e eu de volta pra casa, eram os tempos
de ganhador aberto: Pai Lula mesmo todo dia trazia um Mané Gostoso, uma peteca,
ioiô, cavalo de pau, boneco de barro, brinquedos de plásticos, doces, biscoitos,
confeitos e guloseimas regionais, afora me atiçar com piadas e adivinhações que
me premiavam independente de que eu acertasse ou não. Ganhava de todo jeito. Às
vezes me levava pra casa dele e lá eu virava artista de cinema com Carma que me
recepcionava com o sorriso mais lindo do universo. Depois eu puxava conversa e
parava todo movimento da casa, Carma atenta às minhas leseiras, me tratando
como um homenzinho que mais queria aparecer que crescer. Oxe, eu ficava
contando coisas engraçadas só pra ver a risada de Carma, quando não me
ressentia pra ela da minha mãe que não deixava eu brincar no quintal com minha
irmã nem com meus primos, me amarrava no pé da mesa, não podia botar o pé
descalço no chão, nem chacoalhando na água, nem atrepar no pé de fruta, nem no
muro, nem por cima do quintal do vizinho, nem comer chocolate, vixe, ela não
deixa, Carma, não deixa! E Carma ria me abraçando e me oferecendo doces e bolos
os tantos. O melhor de tudo de todos os meus aprontamentos com meus avós, era
que quanto mais eu folgava nas peraltices, mais eles me davam corda para mandar
ver nas presepadas. Pois é, os avós botam mesmo tudo a perder, como eu que sou
perdido de não prestar mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
OS ARQUÉTIPOS E O INCONSCIENTE DE JUNG
[...] Uma existência psíquica só pode ser
reconhecida pela presença de conteúdos capazes de serem conscientizados. Só
podemos falar, portanto, de um inconsciente na medida em que comprovarmos os
seus conteúdos. Os conteúdos do inconsciente pessoal são principalmente os complexos
de tonalidade emocional, que constituem a intimidade pessoal da vida anímica.
Os conteúdos do inconsciente coletivo, por outro lado, são chamados arquétipos.
[...] Estou convencido de que o
depauperamento crescente dos símbolos tem um sentido. O desenvolvimento dos
símbolos tem uma conseqüência interior. Tudo aquilo sobre o que nada pensávamos
e a que, portanto, faltava uma conexão adequada com a consciência em
desenvolvimento, foi perdido. Tentar cobrir a nudez com suntuosas vestes
orientais, tal como fazem os teósofos, seria cometer uma infídelidade para com
a nossa história. Não caímos no estado de mendicância para depois posar como um
rei indiano de teatro. Mais vale, na minha opinião, reconhecer abertamente
nossa pobreza espiritual pela falta de símbolos, do que fingir possuir algo, de
que decididamente não somos os herdeiros legítimos. Certamente somos os
herdeiros de direito da simbólica cristã, mas de algum modo desperdiçamos essa
herança. Deixamos cair em ruínas a casa construída por nosso pai, e agora tentamos
invadir palácios orientais que nossos pais jamais conheceram. Aquele que perdeu
os símbolos históricos e não pode contentar-se com um substitutivo, encontra-se
hoje em situação difícil; diante dele o nada bocejante, do qual ele se aparta
atemorizado. Pior ainda: o vácuo é preenchido com absurdas idéias político-sociais
e todas elas se caracterizam por sua desolação espiritual. Mas quem não
consegue conviver com esses pedantismos doutrinários vê-se forçado a recorrer
seriamente à sua confiança em Deus. Embora em geral se constate que o medo é
ainda mais convincente. Tal medo decerto não é injustificado, pois onde o
perigo é maior, Deus parece aproximar-se. É perigoso confessar a própria
pobreza espiritual, pois o pobre cobiça e quem cobiça atrai fatalidade. Um
drástico provérbio suíço diz: "Por detrás de cada rico há um demônio e
atrás de cada pobre, dois". Da mesma forma que os votos de pobreza
material, no cristianismo, afastavam a mente dos bens do mundo, a pobreza
espiritual renuncia às falsas riquezas do espírito, a fim de fugir não só dos
míseros resquícios de um grande passado, a "Igreja" protestante, mas
também de todas as seduções do perfume exótico, a fim de voltar a si mesma,
onde à fria luz da consciência, a desolação do mundo se expande até as
estrelas. Já herdamos essa pobreza de nossos pais. [...] Nosso intelecto realizou tremendas proezas
enquanto desmoronava nossa morada espiritual. Estamos profundamente convencidos
de que apesar dos mais modernos e potentes telescópios refletores construídos nos
Estados Unidos, não descobrirem nenhum empíreo nas mais longínquas nebulosas;
sabemos também que o nosso olhar errará desesperadamente através do vazio
mortal dos espaços incomensuráveis. As coisas não melhoram quando a física
matemática nos revela o mundo do infinitamente pequeno. Finalmente, desenterramos
a sabedoria de todos os tempos e povos, descobrindo que tudo o que há de mais
caro e precioso já foi dito na mais bela linguagem. Estendemos as mãos como
crianças ávidas e, ao apanhá-lo, pensamos possuí-lo. [...].
Trechos
extraídos da obra Os arquétipos e o
inconsciente coletivo (Vozes, 2000), do psicoterapeuta suíço Carl Gustav
Jung (1875-1961), trazendo fundamentações teóricas que descrevem arquétipos
específicos num estudo sobre as relações deles com o processo de
individualização e da psicoterapêutica. Veja mais aqui & aqui.
Veja
mais sobre:
Do raiar
do dia aos naufrágios crepusculares, Sempre poesia de Helena Kolody, História dos hebreus de Flavio Josefo, Metafísica
do real & virtual de Michael R. Heim, Yanomâmi de Milton Nascimento &
Fernando Brant, a fotografia de André Brito, a pintura de George Grosz & Fernando Rosa, a arte de Rollandry Silvério & a poesia
de Carla Torrini aqui.
E mais:
Alter ego, Arquétipo de criança de Carl Jung, Eminência parda de Aldous Huxley, A
flauta roubada de Cassiano Ricardo, a literatura de George Bernand Shaw,
Laranja Mecânica, o cinema de Stanley Kubrik, a música de Gilson Peranzzetta & Mauro Senise, a pintura de Jean Baptiste Camille Corot & Demócrito
Borges, Brincarte do Nitolino & Rachel Lucena Colégio Fator aqui.
Terceira idade & envelhecimento, Aldous Huxley, a música de Armando José Fernandes, a pintura de Camille Corot, a poesia de Ivaldo
Gomes & o blog de Mônica e Monique Justino aqui.
Vade-mécum:
enquirídio, um preâmbulo para o amor aqui.
Por onde é que anda o Doro, hem?, Teatro & ciência de Bertolt Brecht, Ziraldo, Revolução
de Florestan Fernandes, Canto primeiro de Basílio da Gama, a música infantil
de Adriana Calcanhoto, Olga
Benário Prestes, Rainha Margot & Isabelle Adjani, Clube Literário de
Andrelândia, a pintura de Cristoforo Munari, a arte de Rollandry
Silvério & Brincarte do Nitolino aqui.
Segura o
jipe!, a prima da Vera & a pintura
de Pedro Cabral aqui.
Todo
dia, a primeira vez, a arte de Gilvan
Samico & a pintura de Paul Mathiopoulos aqui.
&
CONTRAPONTO
DE HUXLEY
[...] Era sempre demasiado fácil para ele
dispensar os outros. Gostava muito de se fechar no fundo de seu próprio
silêncio. Mas podia ter aprendido a se exteriorizar mais, se não sobreviesse
aquele horrível acidente. [...] - Eu
quisera que Phillip tivesse ido à guerra. Não por motivos belicosos ou
patrióticos. Mas porque se me pudessem garantir que ele não morreria nem
ficaria mutilado, teria sido tão bom para ele […] Podia ter-lhe quebrado a concha, podia tê-lo libertado de sua própria
prisão. Liberdade sob o ponto de vista emocional, porque o seu intelecto já é
bastante livre. [...] Duma
maneira abstrata sabes que a música existe, e que é bela; mas não partas daí
para fingir, ao escutar Mozart, que estás num arrebatamento que não sentes. Se
procedes assim, transformas-te num desses esnobes musicais idiotas que se
encontram na casa de Lady Edward Tantamount. Incapazes de distinguir Bach de
Wagner, babando-se de êxtase quando os violinos se fazem ouvir. O mesmo se
passa exatamente com Deus. O mundo está cheio de esnobes religiosos
perfeitamente ridículos. Pessoas que não estão verdadeiramente vivas, que nunca
praticaram um ato verdadeiramente vital, que não têm relação viva com coisa
alguma; criaturas que não têm o menor conhecimento pessoal ou prático do que é
Deus. Mas andam pelas igrejas, rosnam suas orações, pervertem e destroem a
totalidade de sua existência sem brilho, agindo de acordo com a vontade duma
abstração arbitrariamente imaginada a que resolveram dar o nome de Deus. [...]
Tudo será incrível, se pudermos tirar a
crosta de banalidade evidente que os nossos hábitos põem nas coisas. Todo
objeto, todo acontecimento contêm em si uma infinidade de profundezas dentro de
outras profundezas [...]
Trechos
extraídos da obra Contraponto (Globo, 2014), do escritor inglês Aldous
Huxley (1894-1963). Veja mais aqui, aqui & aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje é dia de especiais com o
saudoso arranjador, maestro, compositor e multi-instrumentista Moacir
Santos
(1926-2006): Ouro negro & Coisas; com a multifacetada cantora, guitarrista,
compositora, atriz & performer argentina Érica
Garcia:
Amorama & El Cerebro; do compositor holandês Jacob de
Haan:
Concerto d’ Amore, Ross Roy, Utopia & Pacifi Dream; e do grupo vocal e
instrumental de pesquisa e recriação muscial Mawaca: Canto da Floresta & Gayatri
Mantra. Para conferir é só ligar o som e curtir.
A ARTE
DE JENNY SAVILLE
A arte
da pintora britânica Jenny Saville. Veja mais aqui.