RENASCER NA MANHÃ - Imagem: Intérieur au pot gris, do pintor francês
Marcel Gromaire (1892-1971). - Um
pé na frente, outro atrás. Um passo após outro, estradas que me perco trocando
pernas riso solto olho ao longe. Ali, lá longe a barra da bonança enquanto
chuva torrencial desmorona meu pranto por atoleiros, pântanos, desfigurando a
fantasia, o futuro e tudo do que fui nem resta mais nada. Você não sabe como as
coisas acontecem, apenas acontecem, reação de ação. De repente tudo muda, antes
tarde ensolarada, noites de tempestades. Tantas vezes morri, renasci das
cinzas, juntando restos, cacos, quase nem sobrevivi, dos pedaços histórias pra
contar, coisas de doer, quando dói sai bonito, a dor emancipa. Fui pra longe de
mim mesmo, quase nem me reconheci, terra que nasci, vida que plantei, frutos
que caíram podres antes de amadurecer. Passei à toa, quanse nem senti o que
sangrou, talhos que nem sei, feridas abertas escondidas. Quase nem sonho, o
concreto bruto do asfalto entrou rasgando minha cabeça, arrebentando tudo,
ideias, ideais, sonhos, quase viro viga parede sem reboco, desbocada,
desbotada, piso que afundou, telhado que caiu e só pude ver o Sol sentir e renascer
na manhã. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
A UNIVERSIDADE DE GIANNOTTI
Foi-se o mundo de antigamente. A revolução tecnológica alterou por
completo nossas relações com a natureza e com o outro. Vivemos mergulhados numa
segunda natureza constituída de máquinas sábias, verdadeiros raciocínios
ambulantes dos quais pegamos o começo e o fim. O protótipo da máquina moderna,
o computador, não tem nada a ver com a ferramenta, que prolonga o gesto e poupa
esforços; consiste na encarnação duma teoria, saber feito material volátil, que
por si só a verifica e abre um espaço inédito que o conhecimento do indivíduo nunca
poderia desenhar. O computador é um cientista coletivo posto à disposição do
pesquisador ou da dona-de-casa. Por isso reúne, no seu pequeno intervalo, a teoria
e a prática, sendo o exemplo mais extraordinário de como a ciência neste século
se transformou numa força produtiva. Se, na verdade, pode ser objeto de consumo
individual, jogo de salão moderno, é quando se integra numa fábrica ou numa
instituição prestadora de serviços que cumpre seu destino social. Mas nem só de
computador vive o homem moderno. O telefone, a televisão, o processador de
palavras, o avião ultrarápido são peças de sistemas diante dos quais cada um se
põe isoladamente, fascinado pela máquina como se ela fosse uma tela de cinema
que, no escuro, abole o pensamento próprio. Nada mais próximo do que a voz que
fala do outro lado da linha, ouvimo-la como se estivesse ao lado. Enquanto
porém o outro visível foge de nosso arbítrio e resiste a nossos caprichos, a
voz alheia no aparelho depende duma ligação desejada e está sempre à mercê
daquela ira que bate um telefone na cara. Desse modo, a confissão mais íntima
vive sob a ameaça dum corte abrupto, que empresta à individualidade contemporânea
o caráter duma mônada sem janelas. A ilusão narcísica é contraparte da
cientificação da natureza. [...] A
Universidade é coisa perigosa em países subdesenvolvidos. Só o fato de possuir
hoje mais de 1.600.000 estudantes dá uma idéia da revolução intelectual que
haveria se a maioria deles fosse eficaz e inventiva. Daí a funcionalidade da infra-estrutura
precária e da incompetência. [...] Não
se trata de separar uma Universidade que o Estado organiza como uma comunidade
de sábios, de outra que se identifique com uma empresa capitalista. Nem uma nem
outra são viáveis em sua pureza. A questão crucial é saber como se vai
controlar a relação da Universidade com a comunidade e quem vai desempenhar
essa função. O departamento estatal isonômico pode converter-se num ninho de burocratas,
aquele intimamente ligado ao Governo ou à empresa privada, num inferno
competitivo. O primeiro perigo a evitar é que ambos se julguem a si mesmos. Só
me parece sair do impasse se a Universidade aprofundar seu processo de democratização,
obviamente evitando o assembleísmo dum lado, e a farsa parlamentar de outro.
Criar um sistema efetivo e eficaz de representação, eis a tarefa mais urgente.
[...] No imaginário das sociedades ocidentais
reside o impulso para o conhecimento racional. Por isso, estamos mal acomodados
neste conhecer que se resolve num fazer de conta de conhecimento. [...].
Trechos
extraídos de A universidade e a crise
(Novos Estudos, 1984), do filósofo e professor universitário José Arthur Giannotti.
Autor de
A universidade em ritmo de barbárie (Brasiliense, 1986), entre outras obras.
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vida, A terceira mulher de Gilles Lipovetsky, Toda palavra de Viviane Mosé, A vida mística de Jesus de Harvey Spencer Lewis, a música
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da paixão aqui.
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SABIÁ
COM TREVAS DE MANOEL DE BARROS
Me abandonaram sobre as pedras infinitamente
nu,
e meu canto.
Meu canto reboja.
Não tem margens a palavra.
Sapo é nuvem neste invento.
Minha voz é úmida como restos de comida.
A hera veste meus princípios e meus óculos.
Só sei por emanações por aderência por incrustações.
O que sou de parede os caramujos sagram.
A uma pedrada de mim é o limbo.
Nos monturos do poema os urubus me farreiam.
Estrela é que é meu penacho!
Sou fuga para flauta e pedra doce.
A poesia me desbrava.
Com águas me alinhavo.
Meu canto reboja.
Não tem margens a palavra.
Sapo é nuvem neste invento.
Minha voz é úmida como restos de comida.
A hera veste meus princípios e meus óculos.
Só sei por emanações por aderência por incrustações.
O que sou de parede os caramujos sagram.
A uma pedrada de mim é o limbo.
Nos monturos do poema os urubus me farreiam.
Estrela é que é meu penacho!
Sou fuga para flauta e pedra doce.
A poesia me desbrava.
Com águas me alinhavo.
Sabiá
com trevas, poema extraído obra Arranjos para assobio (Companhia das Letras,
2016), do poeta Manoel de Barros
(1916-2014). Veja mais aqui, aqui & aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje é dia de especiais com o
compositor, arranjador, produtor musical e guitarrista Toninho
Horta;
a cantora, violonistak, compositora e percussionista Badi
Assad;
o compositor alemão Max Richter; e a cantora e atriz
franco-inglesa Charlotte Gainsbourg. Para conferir é só ligar o som
e curtir.
A ARTE DE
GROMAIRE
A arte do pintor francês Marcel Gromaire (1892-1971).