VOCÊ TEM MEDO DE QUÊ? - A primeira resposta foi o medo de barata,
pois a catsaridafobia é a mais comum entre todas as fobias. A ofidiofobia
aparece logo em seguida na mesa das revelações: rastejado de cobra deixa o
cabelo em pé de muita gente. Os musófobos também logo se entregam: qualquer
remexido de catitas ou guabirus, logo sobem em cima da cadeira. O aracnófobo
fica todo arrepiado a qualquer menção de teias, seja das mais pirrototinhas às caranguejeiras,
extensivo aos lacraus e similares. Os melissófobos não podem ouvir falar de
mel, zangão ou abelha-raínha, que se borram todo. Isso afora tantos outros
medos estranhos e incomuns que aparecem. Nem ignoro, pois desde bem criancinha
com o boi da cara preta ao não faça isso que o bicho vai lhe pegar, que metem
medo na gente, seja no seio familiar, na escola, nos templos, nas relações
sociais, tudo sobrecarregado de interditos e punições. No meu tempo mesmo tinha
o Velho do Saco, aquele que levaria qualquer criança que causase contrariedade
aos pais ou adultos, ou que fosse desobediente ou tranquinas. Eu mesmo cheguei
ao ponto de ter medo pavoroso até o do coração de Jesus aceso no alto da sala,
de tanto medo que pais e parentes imprimiram na infânca, de passar noites e
mais noites sem dormir por causa de um bicho horroroso que havia embaixo da
cama. Por conta disso, não largava o cós da saia da minha mãe. Temendo tudo,
mortos-vivos, vampiros, espíritos erráticos, a La Ursa, os ETs, os astronautas
que foram pra Lua, cavernas, terrenos baldios, casas abandonadas, alagadiços e
charcos, ora, fui crescendo e perdendo alguns desses temores, contudo ganhando
outros tantos e novos na adolescência. Tanto é que há os medrosos que distribuem
seus medos generosamente para todos, como aqueles que temem até qualquer
surpresa, a ponto de passar mal ou cair duro com qualquer insinuação de agouros
ou acidentes, bem como aqueles geradores das brabas e perogosas circunstâncias
malévolas, as quais a gente nem saber mesmo como apareceram, ou de estranhos pânicos
que nem sabíamos que tínhamos antes, como os acrófobos ou os abissófobos: as
alturas e o abismo são verdadeiros terrores porque levam às quedas
intermináveis; os nictóofobos que podem ter ablepsifobia ou acluofobia: o medo
de escuro e da cegueira; os isolófobos não podem ficar só, os pirófobos diante
de qualquer centelha ou riscado de fósforos, ou os mirmecóbofos que correm
diante de qualquer formiga e por aí vai. Os tripanófobos como eu não podem ver
seringa ou injeção, lona na hora. Os brontófobos, ceraunófobos ou tonitrófobos
não se sentem bem em dias de tempestades com trovoadas e relâmpagos. Os
tatófobos possuem o terrível medo de serem entrerrados vivos, ou aqueles que
por causa dos filmes viraram selachófobos e, por tabela, talassófobos: nem vão
mais à praia temendo serem devorados por cações ou mesmo tubarões. Os que se
tornaram tanatófobos que pensam que vão ficar pra semente, ou os que chegaram
aos extremos, como os fobófobos ou pantófobos: tudo mete medo, até mesmo as
fobias. Quando não ficam paralisados, congelam arrepiados dos pés à cabeça,
choram, gritam, mesmo diante de uma lagartixa ou morcegos, sentem tonturas ou
mesmo uma fraqueza nos joelhos diante de um caçotinho ou dum cururu no canto do
terraço, ou de gafanhotos, libélulas, lesmas, vagalumes, da mesma forma que diante
de despachos ou de catimbós. Encontrei quem me dissesse que morre de medo de
ladrões, quem não? Fazem questão de dizer que basta qualquer mal-encarado já
vai logo se escondendo. Ué? Há quem se renda à rupofobia ou misofobia: basta
ver qualquer poeirazinha lá no mais escondido de qualquer móvel que logo perde
o controle aos tremeliques. Ou agoráfobos aos montes, bibliófobos
incorrigíveis: se eu soubesse quem inventou estudo eu mataria. E fronemófobos
nem se fala: ah, dá medo pensar muito e descobrir que não tem mais jeito pra
nada, só a morte. Curioso mesmo foi me deparar com eisoptrófobos, sobretudo
nesse tempo umbigocentrista de metrossexuais e glamourosas, não é pra menos
diante da espetacularização, banalização e naturalização da violência pelos
veículos de comunicação de massa, tanto nos telejornais como em programas
alarmistas montados sob os mais duvidosos alardes ideológicos. Parece mais que
imprimir o medo é a arma pro consumo, desconfio, principalmente pras
prescrições de medicamentos com teores de panacéia e do lazer que vende
felicidade gratuita. Não me surpreende saber que há medo pra tudo e pra todo
mundo, distribuídos no varejo ou no atacado, basta só escolher o mais
apreciável pras manias de cada um e meter-se patologicamente no meio dessa
redoma. Eu, hem!?! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
O MEDO LÍQUIDO DE BAUMAN
Bizarro, embora muito comum e familiar a
todos nós, é o alívio que sentimos, assim como o súbito influxo de energia e
coragem, quando, após um longo período de desconforto, ansiedade, premonições
sombrias, dias cheios de apreensão e noites sem sono, finalmente confrontamos o
perigo real: uma ameaça que pode mos ver e tocar. Ou talvez essa experiência
não seja tão bizarra quanto parece se, afinal, viermos a saber o que estava por
trás daquele sentimento vago, mas obstinado, de algo terrível e fadado a
acontecer que ficou envenenando os dias que deveríamos estar aproveitando, mas
que de alguma forma não podíamos - e que
tornou nossas noites insones... Agora que sabemos de onde vem o golpe, também
sabemos o que possamos fazer, se há algo a fazer, para afastá-lo – ou pelo menos
aprendemos como é limitada nossa capacidade de emergir incólumes e que tipo de
perda, dano ou dor seremos obrigados a aceitar. [...] Podemos profetizar que, a menos que seja
controlada e domada, nossa globalização negativa, alternando-se entre privar os
livres de sua segurança e oferecer segurança na forma de não-liberdade, torna a
catástrofe inescapável. Sem que essa profecia seja feita e tratada seriamente,
a humanidade pode ter pouca esperança de torná-la evitável. O único início
promissor de uma terapia contra o medo crescente e, em última instância,
incapacitante é compreendê-lo, até o seu âmago – pois a única forma promissora
de continuar com ela exige que se encare a tarefa de cortar essas raízes. O
século vindouro pode muito bem ser a época da derradeira catástrofe. Ou pode
ser o tempo em que um novo pacto entre os intelectuais e o povo - agora significando
a humanidade em seu conjunto – seja negociado e trazido à luz. Esperemos que a escolha
entre esses dois futuros ainda nos pertença.
Trechos
da obra Medo líquido (Zahar, 2008), do
sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), tratado sobre a origem, a
dinâmica e os usos do medo, o pavor da morte, o medo e o mal, o horror do
inadministrável, o terror global e o pensamento contra o medo, fazendo um
inventário dos medos presentes e apresentando um diagnóstico mapeado das
origens comuns das ansiedades contemporâneas, analisando os obstáculos para o
pleno conhecimento da situação e eimaninando os mecanismos que possam deter a
influencia do medo sobre as vidas humanas. Veja mais aqui, aqui, aqui &
aqui.
Veja
mais sobre:
Quando
ela dança tangará no céu azul do amor, A condição pós-moderna de
François Lyotard,
Estética da desaparição de Paul Virilio, a música de Anna-Sophia Mutter,
a pintura de Alex Alemany & Eloir Junior, a arte
de David Peterson & Luciah Lopez, a poesia de
Isabel Furini & Carlos Zemek aqui.
E mais:
Elucubrações
das horas corridas, O pensamento
comunicacional de Bernard Miège, O outro por si mesmo de Jean Baudrillard, a arte de David Lynch & Edilson Viriato, a
coreografia de Doris Uhlich, a pintura de Vicente Romero Redondo & Sandra
Hiromoto, a música de Sarah Brasil, Efigênia
Rolim & Érica Christieh aqui.
Por onde é que anda o doro, hem?, A revolução de Florestan Fernandes, Olga de Fernando Morais, O Uruguai de Basílio da Gama,
Teatro & ciência de Bertolt Brecht, a pintura de Cristoforo Munari, a música infantil de Adriana
Calcanhoto, Olga Benário Prestes, o cinema de Patrice Chéreau & Isabelle Adjani, Clube Literário de Andrelândia & Sonia
Medeiros Imamura, a arte de Rollandry Silvério
& Brincarte do Nitolino aqui.
Reino dos sonhos, A palavra na democracia
& na psicanálise de Jurandir
Freire Costa, Avalovara de Osman Lins, a poesia de Denise Levertov, Mal educação de Pedro Almodóvar, a música de Renato Borghetti, a pintura de Cédric Cazal, a arte de Laszlo Moholy-Nagy & Mike Todd aqui.
Mentes & máquinas de João de Fernandes Teixeira,
Gerontodrama & Neurociência, a poesia de
Basilio da Gama, a pintura de Edward Hopper & Odete
Maria Figueiredo, a música de Silviane Bellato, Zacarias
Martins & Programa Tataritaritatá aqui.
A poética do espaço de Gaston Bachelard, Neurociência cognitiva de Steven
Pinker, Visão hoslística em psicologia e educação, a música de Renato Borghetti, a pintura de Antonio
Rocco, Mácia Malucelli, Menalton Braff & Diego Lucas aqui.
Literatura de cordel: Melancia & Coco Mole aqui.
Retrato do artista quando jovem de James Joyce aqui.
Barrigudos, afagando o ego aqui.
Literatura de cordel: História da princesa da Pedra Fina, de
João Martins de Athayde aqui.
A arte de Jozi Lucka aqui.
Ah, se em todo lugar houvesse amor, Origem do indivíduo
reprimido de Herbert Marcuse, Exército da
arte de Vladimir Maiakovski, Teatro pobre de Jerzy Grotowski, o cinema de Ken
Loach & Eva Birthistle, a pintura de Edgar Degas, Os
Saltimbancos de Chico Buarque, Brincarte & Literatura
Infantil & O lobisomem zonzo aqui.
Entre
topadas e sonhos, Linguagem
poética de Jean Cohen, a poesia de Ledo Ivo, Esferas de Peter Sloterdijk, a coreografia de Pina
Bausch, a música de Miguel
Álvarez-Fernández & a pintura
de María Blanchard aqui.
Juramento, a poesia de Federico Garcia Lorca, Entre o passado e o futuro de
Hannah Arendt, Memorável
viagem ao Brasil de Johan Nieuhof, a
música de Gabriel Pareyon, a fotografia de Lionel Wendt, a pintura de Vera Rockline & Leonid Afremov, a arte de Rufino Tamayo & Sergio Ramirez aqui.
Os
feitiços da paixão, Ação
cultural para a liberdade de Paulo Freire, Aforismos de Oscar Wilde, Poesia
viva do Recife de Juareiz Correya, a música de Yanto Laitano, a
coreografia do Corpo, a pintura
de Ernst Ludwig Kirchner, a arte de Ericka Herazo & Larry
Carlson aqui.
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MEDOS
& SUPERSTIÇÕES DE RALPH LEWIS
Deve-se
compreender que a superstição jamais existe onde as causas reais de uma coisa
ou condição são conhecidas, ou onde o fato pode suplantar a suposição. [...] Quase todo homem acredita que nada realmente acontece por acaso e que
existe uma causa para todas as coisas, conhecidas ou desconhecidas do homem. Se
o homem compreende a causa, ele tente utilizá-la ao máximo ou procura evitar
seus resultados, se os considera perigosos ou prejudiciais. Quando, contudo,
não consegue perceber ou compreender a causa, ainda, assim, não declara que a
ocorrência foi um acidente. Em vez disso, a atribui, com mais frequencia, a uma
causa desconhecida. Porém, a menos que seja bastante inteligente, na maioria
das vezes, atribui as causas desconhecidas a poderes sobrenaturais; isto é, se
não pode perceber uma causa ou compreendê-la, em sua opinião, ela deve
pertencer a outro mundo ou esfera de influencia. Nisso vemos, também, o ego do
homem. Este tema e respeita as coisas que não pode compreender ou dominar.
[...] Para evitar sermos supersticiosos,
o que temos de fazer, é, primeiramente, tentar compreender as causas das
coisas; se não conseguirmos, não devemos presumir que conhecemos a causa. Tal
presunção, sem base em fatos, é perigosa. Segundo, lembrar-nos de que não
existe o chamado sobrenatural; há apenas leis Cósmicas e naturais que existem
por todo universo. O sobrenatural é um termo inventado pelo homem, para
explicar-se a si mesmo, ou tentar explicar o que não compreende. [...]
Trechos extraídos da obra O santuário do eu (Renes, 1976), do
escritor e místico Ralph M. Lewis (1904-1987), que adotou o
pseudônomo de Sir Validivar. (Imagem: Sanctuary by Sarah Treanor). Veja mais aqui, aqui e aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje
é dia de especiais com o conjunto instrumental-vocal Quinteto
Violado,
a violinista e maestro britânica Rachel
Podger,
o Duofel formado pela dupla de
violonistas Fernando Melo e Luiz Bueno, e a compositora, performer, vocalista,
cineasta e cenógrafa estadunidense Meredith
Monk.
Para conferir é só ligar o som e curtir.
A ARTE
DE SOPHIA NARRETT