O QUIBUNGO E A CARANGUEJEIRA - O Quibungo é um bicho muito feio que é meio
homem e meio animal, com uma cabeça grande e um buraco enorme no meio das
costas pra comer crianças e filhotes. Não é lá muito inteligente, pois é
medroso e covarde, apavorando-se aos gritos com tudo que perturbe seu poderio. Ele
vivia de comer os filhotes da cachorra Tita, até o dia em que ela cansada de
ver toda a sua cria devorada pelo desalmado, um dia pariu e tratou de esconder
todos eles num buraco, sentando-se em cima toda embelezada com maquiagens
granfinas, vestido de saia longa e um colar de brilhantes no pescoço. Quando o
bicho chegou não reconheceu e ficou desconfiado. Vinha então um cágado e ele
perguntou se tinha visto os filhotes da cachorra Tita e respondeu que não.
Perguntou à raposa que passava, também não. Perguntou ao coelho que lhe disse:
Ora, Quibungo, você não reconhece? Ele então olhou e a cachorra pegou seus
filhotes e saiu correndo. Ficou sem saber se pegava a cachorra ou o coelho. Por
conta da dúvida, perdeu o paradeiro de ambos e ficou de mãos abanando. Então,
dirigiu-se para uma casa que sabia ter crianças. Aproximou-se da residência
cantando: De que é esta casa, auê, como gére,
como gérê, como érá? Aí a mãe responde: A
casa é de meu marido, auê, como gére, como gérê, como érá. Ao perguntar
pelos filhos e a mãe responder que é dela, ele diz: Então, quero comê-los auê, como gére, como gérê, como érá? A mãe
responde. Pode
comê-los, embora, auê, como gérê, como gérê, como érá. Depois que come os filhos, ele pergunta de quem é a
mulher, ao que ela responde ser do marido. Ele parte para comê-la, surge o
marido armado de uma espingarda e atira, ele sai às carreiras cantando: Arrenego desta casa, auê, que tem uma porta
só, auê, como gérê, como gérê, como érá. Na fuga ele se depara com a
caranguejeira na outra margem do rio, pedindo pro urubu atravessá-la para ir
comer fruta do outro lado. O urubu cavalheiro, logo dispôs pra ela se amontar
nas costas dele. Atravessaram e quando o urubu foi comer uma fruta, a
caranguejeira disse que era dela. O urubu pediu desculpas e foi comer de outra
fruteira, repetindo a caranguejeira que também era dela. E assim com todas as
frutas da redondeza, aborrecendo-se o urubu e voando para bem longe dali. O
Quibungo a tudo vigiava e já ia se aproximar dela, quando o jacaré chegou
convidando a caranguejeira para pernoitar na sua casa, com a promessa de mandar
seus filhos levá-la de volta na manhã seguinte. Assim acertado, ela foi pra
casa do jacaré, chegando lá pediu pro jacaré mandar os filhotes passá-la no rio
bem cedo. Tudo ajustado, o jacaré então fez a cama em cima do ninho dos seus
ovos. A aranha agasalhou-se e, passado o tempo em que todos já dormiam, começou
a comer os ovos. Ao quebrar o primeiro, os filhos do jacaré gritaram: - Ronco
de hóspede, papai! Cala boca, meninos, deixa a comadre dormir. Dali a pouco ela
quebrava outro ovo e os filhos tornavam a gritar: - Ronco de hóspede, papai! Se
aquieta, meninos, deixa a comadre dormir. Nessa brincadeira a aranha papou
todos os ovos do jacaré e acordou-se ao primeiro sinal da alvorada, toda
apressada para ir embora: - Compadre, mande os meninos me levar. Ainda é muito
cedo, comadre. Não, compadre, tenho muito a fazer em casa. Assim acertaram e os
filhos do jacaré levaram-na. Quando saíram o jacaré foi conferir os ovos e
enfureceu-se ao perceber que ela havia comido todos eles. Saiu às pressas, mas
já era tarde, ela já estava descendo do outro lado da margem do rio. O Quibungo
que esperava a volta para devorar os filhos do jacaré, assustou-se com a
chegada repentina dele. É que o jacará estava furioso. O urubu que voava, viu a
aflição do jacaré e pousou: - A comadre aranha é muito malagradecida. Destá.
Saíram e o Quibungo resolveu pescar, atirando os peixes atrás das costas. Ao achar
que havia pescado o bastante para suas refeições, virou-se para apanhá-los e
estava o lugar mais limpo. Investigando ao redor deu de cara com a
caranguejeira: - Foi você que comeu meus peixes, num foi? Eu não. Foi. Eu não.
Foi. Não foi. Nessa hora passou voando um juriti e a aranha gritou: - Ei, juriti!
Se eu não tivesse feito você ficar bonita desse jeito, não voaria de jeito
nenhum! Aí o Quibungo perguntou: - Você sabe fazer eu ficar bonito? Ah, se sei.
Então eu quero. Então, vamos. E foram, até que a aranha mandou pegar um toro
especial, o mais pesado e fincasse na terra. Assim ele fez. Depois mandou catar
muitos galhos e cipós para fazer a encomenda. Assim fez. Então ela amarrou,
torceu, deu nó, reamarrou, deu trocentas voltas, bem amarrado e perguntou pra
ele: - Quibungo, veja se pode se bulir aí! Ele fez força, inchou e viu que
estava preso, dizendo: - Tô todo arrochado de num poder nem piar, ora. A aranha
então riu maliciosamente, armou-se de uma quicé amolado e começou a cortar
pedaços da carne dele para comer. Ele gritava, berrava, ela só se abastecendo,
até encher e ir-se embora, deixando-o amarrado. Foi aí que passou uma tartaruga
e ele pediu para soltar os cipós, e ela nem aí, seguiu caminhando. Passou um
veado, depois um boi, depois um caneiro, a todos pedia e nenhum deles atendeu. Foi
então que passou o cupim e aos prantos ele pediu para roer o cipó, ao que
respondeu: - Eu não, quando você soltar, você vai comer os meus filhos. Vou
não, cupim. Vai sim. Prometo que não. Não acredito. Pelo amor de seus filhos,
me solte. Solto não. E ficaram nisso por horas, até que o Quibungo convenceu o
cupim e este roeu os cipós, libertando-o. Ele agradeceu e prometeu não comer os
filhos do cupim, indo à caça da aranha. Foi encontrá-la escondida na pele dum
bode, tomando água numa fonte. – Ah-rá! Vou dar o troco agora, sua danada! E ao
partir para atacá-la, eis que surge o pai aflito de tanto procurar pelos filhos,
encontrando o Quibungo na hora do bote, e às escondidas, mirou e disparou um
tiro certeiro matando-o. Com o estampido a aranha se assusta e cai na água
morrendo afogada. O pai aproxima-se e abre à força o buraco nas costas do
Quibungo e retira os filhos ainda vivos, levando-os para casa feliz por
resgatá-los, providenciando uma festa com a vizinhança. Os festejos corriam
soltos noite alta quase madrugada, quando entrou pela porta da frente, saiu
pela ponta do canivete, quem quiser que contre outra ou invente uma maior que
sete. (Recriada a partir de narrativa oral da minha avó Benita, e registrada na
obra O folclore negro do Brasil:
demopsicologia e psicanálise (Casa do Estudante do Brasil, 1935), de Artur
Ramos). © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
PARA QUE A AULA SEJA BOA DE PEDRO DEMO
[...]
Para que a aula seja boa: precisa estar comprometida com a aprendizagem em
quem dá aula e com a aprendizagem em que escuta a aula; daí segue que a aula
será sempre expediente supletivo, por mais útil que possa ser; é mero
instrumento secundário, jamais o sentido da didática; precisa ser elaborada,
reconstruída: significado que o professor carece de estudo continuado,
evitando-se logo que dê qualquer aula sobre qualquer assunto; só se pode dar
aula daquilo que produz, a rigor; precisa ser atraente ou pelo menos suportável,
envolvendo os ouvintes para além da mera assistência forçada ou passiva; nem
todo mundo expõe bem, mas é preciso pelo menos expor algo de interesse e
pertinência; não pode abusar da atenção dos ouvintes, sendo inócua a aula
longa; precisa ser envolvente, no sentido de estabelecer entre entre professor
e aluno ambiente de emoção possível; não se trata de causar prazer imediato,
porque não nos interessamos apenas por aquilo que dá prazer (se assim fosse,
poucos estudariam matemática ou fariam mestrado/doutorado), mas de travar
relacionamento que envolva as pessoas em questões que as movam a escutar com
atenção e permanecer interessadas; precisa ser curta, porque, de todos os
modos, pesquisar e elaborar sempre são mais importantes que escutar aula. Parece
claro que o sentido da aula está no cuidado com a aprendizagem do aluno: a isto
serve caracteristicamente e a isto jamais deveria impedir. Deve reforçar a
formação da autonomia, não sua subalternidade sempre reproduzida. [...] .
Trecho
do capítulo O ensino na universidade,
extraído da obra Universidade,
aprendizagem e avaliação: horizontes reconstrutivos (Mediação, 2004), do
sociólogo e professor Pedro Demo, discutindo sobre o papel da universidade, o papel do professor, do
significado da aprendizagem e da avaliação no ensino superior, apontando
caminhos, novos horizontes e fundamentando-se na vasta literatura referente. Veja
mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
A lenda
do açúcar e do álcool, Educação não é privilégio de Anísio
Teixeira, História da Filosofia de Wil Durant, a música de Yasushi Akutagawa, Não há estrelas no céu de João
Clímaco Bezerra, Cumade Fulosinha & Menelau Júnior, a pintura de Madison Moore, João Pirahy & Pulsarte aqui.
E mais:
Sorria,
Canto geral de Pablo Neruda, A desobediência civil de Henry David Thoreau, O feijão e o sonho de Orígenes
Lessa, Revolução na América do Sul de Augusto Boal, Monteiro
Lobato & Brincarte do Nitolino, a pintura de Amedeo Modigliani,
a música de Sebastião Tapajós, Mestre Vitalino & Marcelo
Soares aqui.
Psicologia social e educação, a poesia de Pablo Neruda, a pintura
de Amedeo Modigliani, a música de Yasushi
Akutagawa, a arte de Regina Espósito & Ju Mota aqui.
Devagar e sempre, A monadologia de Leibniz, Estudo do
poema de Antônio Cândido, Meu país de Dorothea Mackellar, A arte da comédia de Lope de Vega, o ativismo de Emma
Goldman, a arte de Gilvan Samico, a música de Alceu Valença, a
xilogravura de Amaro Francisco Borges, Brincarte do Nitolino & a pintura de Nina Kozoriz aqui.
A vida
dupla de Carolyne & sua cheba beiçuda, Psicologia da arte de Lev Vygotsky, a poesia de William Butler Yeats, A República de Platão, a pintura de Raphael Sanzio & Boleslaw von Szankowski, a música de Leonard
Cohen, o cinema de Paolo Sorrentino & World Erotic Art Museum - WEAM aqui.
Divagando
na bicicleta, Onde andará
Dulce Veiga de Caio Fernando
Abreu, Os elementos de Euclides
de Alexandria, O teatro e seu duplo de Peter Brook, a música de Billie Myers, a fotografia de Alberto Henschel, a pintura de Jörg Immendorff & Oda Jaune aqui.
A
conversa das plantas, Memória da
guerra de Duarte Coelho, a poesia de Cruz e Sousa,
Arquimedes de Siracusa, a música de Natalie Imbruglia, a arte de Hugo
Pratt & Tom 14 aqui.
Leitoras
de James leituras de Joyce, a fotografia de Humberto
Finatti, a arte de Henri Matisse & Wayne
Thiebaud aqui.
Incipit
vita nuova, As raízes árabes da arte
nordestina de Luís Soler, A divina comédia de Dante Alighieri, a música de Galina Ustvolskaya, a pintura de Jack Vetriano & Paul Sieffert, as gravuras
de Gustave Doré & a arte de Luciah Lopez aqui.
&
O
CAMINHO DE MUMON
O
grande caminho não tem portas, milhares de caminhos levam a ele. Quando atravessamos
esse umbral sem portas, caminhamos livremente entre o céu e a terra.
Pensamento do calígrafo e sábio
zen Mumon Yamada (1900-1988).
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje é dia de especial com a
pianista Maria Teresa Madeira interpretando Ary Barroso &
Recital, o violonista Yamandu Costa ao vivo & In Concert, a
pianista Cristina Ortiz com Alma Brasileira & Ciclo
Brasileiro Heitor Villa-Lobos, o violonista Laurindo
Almeida
com Musico f Brazilian Masters & Cajita de Musica. Para conferir é só ligar
o som e curtir.
A ARTE DE LATIFA LAÂBISSI
A arte da
dançarina e coreógrafa francesa Latifa Laâbissi.