A REDENÇÃO DO AMOR - Imagem: arte da poeta, artista visual &
blogueira Luciah Lopez. - Ao
amanhecer ainda ouvia o seu sussurro a me chamar “Etienne!”. Alvoroçado, eu a
procurava enquanto sua melíflua voz ecoava ao ouvido. Cadê você, minha Isabeau?
Sabia-lhe presente, mas não a encontrava. Ela estava em mim, eu me sentia nela,
sabíamos, ela o meu amor e eu o seu. Cadê-la? Inútil procura, nem mais a voz,
só a certeza dentro de mim de que ela estava em mim e ao meu redor, sempre. Até
que surgia um belo falcão, asas abertas, crocitando nas imediações, se
aproximando, chegando mais perto de mim. Contornava montanhas e pradarias com o
seu voo veloz, sempre se achegando como se falasse comigo e eu entendia que o
seu piado era aviso de emboscadas ou malsinações. Estava sempre atento aos seus
sinais, pipiava pra me guiar o caminho a seguir durante a manhã e toda tarde. No
primeiro crepúsculo, a sua transformação: era ela a amada Isabeau d’Anjou, a
mulher que povoava meus sonhos e pensamentos. No afã de abraçá-la, tudo
escurecia e não via mais nada, apenas o seu cheiro e toque como se estivesse o
tempo inteiro comigo. Ouvia sua voz cantarolando, sua suave mão a me alisar
carinhosamente, sabia da sua presença na minha noite longa, por meus sonhos
mais inusitados, mesmo que eu não visse nada e não tivesse nada além que a
sensação de sua envolvente emanação, sabia da sua presença na minha carne e
alma. Sempre que a aurora apontava na barra do horizonte, eu acordava e ainda
via a sua imagem suplicante se desfazer de braços estendidos a me chamar como
se eu me mantivesse sonhando, sua expressão se esmaecendo até desaparecer por
completo pra meu mais desolado desgosto. Dali a pouco, logo surgia em voo a sua
plumagem cinzento-azulada no dorso e asas, o bico escuro e a cabeça preta, como
se me chamasse e mais se aproximando, até depois de muito rondar,
definitivamente pousar arfante ao meu braço e se tornar meu talismã, insígnia ao
meu peito de capitão valente e cavaleiro negro solitário. E me guiava pelo
mundo afora até levar-me aos esconderijos do monge Imperius que temia pela
nossa presença. Sua insistência em ter com ele levou-me a capturá-lo e prisioneiro
exigi que se explicasse e me contasse o que estava ocorrendo. Deu-me ele
ciência da traição em que fora forçado e que, por conta disso, fomos condenados
pela maldição do bispo de Áquila a estarmos sempre juntos, eternamente
separados. Como assim? Quanto mais explicava menos eu entendia, coisas de sina
do destino, fatalidade de maldições. Não acreditava nisso, a minha única crença
depois de todas as lutas e batalhas triunfantes e fracassadas era no meu amor
por Isabeau e no dela por mim. Disposto a não mais dar-lhe atenção, o falcão
recusou-se a sair do recinto, insistia em ficar, como se tivesse que prestar
contas com o monge. Virei-me pra ele e, mesmo trêmulo de medo e a suplicar
clemência e perdão genuflexo, Imperius detalhou: de dia você é o capitão
Etienne Navarre e ela o seu fiel falcão; de noite ela é Isabeau e você o lobo
negro protetor dela. Desconfiei que estivesse bêbado, como sempre, mas o Rato,
jovem ladrão que eu mesmo salvei, poupando-lhe de prisão e morte certas,
confirmou a narrativa nos mínimos detalhes, tudo o que o traidor depôs. Fitei o
falcão e vi nos seus olhos a efígie de Isabeau, tal como eu presenciara no
último crepúsculo. E como já estava prestes o ocaso, era a vez de rever o
espetáculo até tudo escurecer. Assim foi e vi Isabeau sumir na minha escura e
longa noite, deixando seu perfume, sua aura e sua presença invisível no meu
coração e na minha alma. Ela estava e sempre esteve em mim. Não sabia o que
fazer ao amanhecer quando tudo se repetia e como nos entregar como o nosso
querer, já que ela estava pra sempre em mim e eu nela até o fim do interdito da
maldição pra nossa redenção com o eclipse solar no dia sem noite e noite sem
dia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
TEATRO NA ESTÉTICA DE SOURIAU
[...] descobrir sob que ângulo de visão o mundo a
ser apresentado é o mais interessante, o mais pitoresco, o mais estranho, o
mais vibrante, ou o mais significativo. É exatamente - a analogia é esclarecedora - fazer no moral o que o
cineasta faz no físico com sua câmara, procurando o melhor ângulo de tomada. [...] Uma situação dramática é a figura estrutural
esboçada, num momento dado da ação, por um sistema de forças - pelo sistema das
forças presentes no microcosmo, centro estelar do universo teatral; e
encarnadas, experimentadas ou animadas pelos principais personagens daquele momento
da ação. [...] Aliás, alguma vez um
artista perdeu um mínimo de gênio por formular com clareza os dados positivos
de sua técnica? Creio, porém, que, entre todas as artes, a do teatro é a que
mais recorre a este gênero de conhecimentos, de cálculos, de formulações. Quem
protestasse contra a idéia de qualquer cálculo nesses domínios, sisplemente
estaria provando que nada entende da arte teatral, na qual sempre existiu
muitos cálculos ou, se esta palavra ofende alguns sentimentais, muitos
artifícios engenhosos e longamente meditados. Aliás, em que arte não há? [...].
Trechos
extraídos da obra As duzentas situações
dramáticas (Ática, 1993), do filósofo francês Etienne Souriau (1982-1979), autor da obra Chaves da Estética (Cultura Atual, 1973). Veja mais aqui.
Veja
mais sobre:
O aperto
que virou vexame trágico, As estratégias sensíveis de Muniz Sodré, O
soldado morto de Sophia de Mello
Breyner Andresen, Tecnologias & esquecimento de Maria Cristina
Franco Ferraz, a fotografia de Alexander Yakovlev, a pintura de William Mulready
& Ângelo Hasse, a arte de Doris Savard, a música de Asaph
Eleutério – Ninguém, Ricardo Loureiro & Radio Estrada 55 aqui.
E mais:
Cadê o padre Bidião?, História da criança e da família de Philippe Ariès, O sol também se levanta de Ernest Hemingway, Espelho
convexo de Celina Ferreira, O
teatro e seu duplo de Antonin Artaud, o
cinema de Lizzie Borden & Sean Young, a música de Catherine Malfitano & Mawaca, a pintura de Emil Orlik & Miles
Mathis, Programa Tataritaritatá & muito mais aqui.
A obra de arte e a reprodução de Walter
Benjamin, Philippe Ariès, Neuropsicologia,
Educação Sexual, a música de Charlotte Gainsbourg, a pintura de Emil Orlik, o teatro de Ruy Jobim Neto & a arte de Marco Leal aqui.
Literatura
de cordel: È coisa do meu sertão, de Patativa de Assaré aqui.
Liberdade para aprender de Carl Rogers, A
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Curriculum podre& ficha suja, Zé Bilola toma na tarraqueta & muito mais
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Quase meio dia, As revoluções científicas de Thomas Kuhn, Não
morra antes de morrer de Yevgeny Yevtushenko, Os amores
amarelos de Tristan Corbière, A consciência
da mulher de Leilah Assumpção, a música de Debussy & Sandrine Piau, o cinema de Eric Rohmer & Françoise Fabian & Marie-Christine Barrault, a arte
de Dian Hanson & Eric Kroll, a pintura de Hyacinthe Rigaud &
Vittorio Polidori aqui.
Big Shit
Bôbras - a profissão golpista do marido da Marcela, História Universal da Infâmia de Jorge Luis Borges, O mundo
das imagens eletrônicas, a música de Fredrika
Brillembourg, a pintura de Siron
Franco & a arte de Miguelanxo Prado
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Rua do Sol, Anatomia da destrutividade humana de Erich Fromm, Museu de tudo de João
Cabral de Melo Neto, Confissões de Narciso de Autran
Dourado, a arte de Ivan Serpa, a música de Dawn Upshaw & a fotografia de Larry Clark aqui.
As
flores maio, Os cantos de
Ezra Pound, O poço dos milagres de Carlos
Nejar, Neurociências, a pintura de Fernand
Léger, a música de Marku Ribas, a fotografia de Waclaw
Wantuch & a arte de Luciah Lopez aqui.
Quando
renasci pra vida depois de morrer pela primeira vez, Presenças de Otto Maria Carpeaux, Moll Flandres de Daniel Defoe, o teatro de Hugo
von Hofmannsthal, a música de El Hadj
N'Diaye & Érica
García, a arte de Antonio
Dias & Xul Solar aqui.
O pavor
dos acrófobos à beira do abismo, o pensamento
de Comenius, Jornada de um poema de Margaret
Edson, Toponimia pernambucana de José de
Almeida Maciel, a poesia alemã de Olívio
Caeiro, a música de Leoš
Janáček & Kamila Stösslová, a arte de Pierre Alechinsky & Philip Hallawel aqui.
Forte e
sadio que nem o povo do tempo do ronca, Seis propostas para o próximo milênio de Ítalo Calvino, A geografia da fome
de Josué de Castro, Poesia
Moderna da Grécia, a música de Angela Gheorghiu, a fotografia de Evelyn Bencicova, a pintura de René Mels & Paul-Émile Bécat aqui.
Renascido
da segunda morte, João Ternura
de Aníbal Machado, Modernidade
líquida de Zygmunt Bauman, a música de Jacob de Haan,
Comunicação em prosa moderna de Othon
Moacir Garcia, a ilustração de Andy Singer, a arte de Chris Cozen & Niki de Saint Phalle
aqui.
&
TODAS AS
MULHERES DO MUNDO
A premiada comédia Todas as Mulheres do Mundo (1966),
do ator, dramaturgo e cineasta Domingos
de Oliveira, com roteiro baseado nos contos A falseta e Memórias de Don
Juan, de Eduardo Prado, conta a história de uma festa de Natal, quando um
jornalista conta ao amigo sobre uma falseta acontecida entre ele e uma moça que
é noiva de um outro e ele se apaixona, investindo numa conquista até ela ceder
no envolvimento, mantendo-se amiga do ex-noivo, enquanto ele descarta
relacionamento com inúmeras mulheres. O destaque do filme fica por conta da
eternamente bela atriz Leila Diniz
(1945-1972). Veja mais aqui, aqui e aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje
é dia de especiais com o cantor, compositor, arranjador e instrumentista Edu Lobo: Camaleão & Limite das
águas; da compositora, pianista e maestrina Chiquinha
Gonzaga
(1847-1935), interpretada pelos pianistas Leandro Braga & Clara Sverner; do
músico instrumentista e acordeonista Renato
Borghetti;
e da cantora e compositora Zélia Duncan: Pelo sabor do gesto em cena
& Tudo esclarecido. Para conferir é só ligar o som e curtir.
LIBAÇÃO
& ENTRE VERSOS DE LUCIAH LOPEZ
no teu colo___________me esparramo!
Sou feito enchente, enxame, exangue pele sob as tuas
mãos
Ah, as tuas mãos
sempre tão sedutoras e indecentes me percorrendo
em busca do céu e um cantinho do inferno
essa mistura nada piedosa
nada piegas
mas sabedora das delicias da carne
dos encaixes perfeitos e afoitos
quando te percebo a enxergar
meu corpo desnudo, bêbado e extasiado
pronto a receber a tua nudez de homem.
Ah, as tuas mãos
sempre tão sedutoras e indecentes me percorrendo
em busca do céu e um cantinho do inferno
essa mistura nada piedosa
nada piegas
mas sabedora das delicias da carne
dos encaixes perfeitos e afoitos
quando te percebo a enxergar
meu corpo desnudo, bêbado e extasiado
pronto a receber a tua nudez de homem.
Libação, poema/imagens da
poeta, artista visual & blogueira Luciah Lopez. PS: Neste domingo, 23/07,
das 9:30 às 13:30hs, na Feira do Poeta – Largo da Ordem (ao lado da Casa
Romário Martins), lançamento do livro Entre
Versos: a palavra branca é nua, da autora. Confira mais aqui.
LA
PORNAGRAPHIE DES AMES DE DAVE ST-PIERRE
O espetáculo La Pornografia des Âmes (2004), ensaio coreográfico do bailarino, coreógrafo e
diretor canadense Dave St-Pierre, envolvendo pessoas comuns e seus
dramas com a constatação de que as pessoas estão se tornando solitárias na
multidão e que só se comunicam com atendentes de respostas, utilizando-se de
dançarinas nuas, provocativas e perturbadoras, como frágeis e em movimento numa
fantasia.