PELAS RUAS ONDE ANDEI - Bom dia,
não há resposta. Insisto e sou ignorado, como se o desdém não recebesse
migalhas ou ninharias. Cumprimento e ouço a resposta inaudita estampada na
face: eu lá te conheço, traste! Depois de muitas investidas, uma linda garota
corresponde ao meu sorriso; saúdo alegremente e ela estranha: sai-te, parece
mais que é doido! E se perde no meio do vaivém das pessoas. Ofereço o meu olhar
de quem espera e todos se desviam como se estivessem entre o absurdo e a
surpresa. Ofereço uma flor e se desvencilham. Dou minha repleta de carinho e
ternura, tem esmola agora não! Abro os braços: qualé, meu? Ou desculpas pra
escapulir, ou evasivas breves só por gentileza e simpatia, mais nada. Dias assim,
de norte a sul, leste a oeste, será que sou invisível? Boa tarde e não me ouvem,
ou fazem que. Mil dias em um instante e a teia dos anos só o nó da solidão aos
sobressaltos do imprevisível pela imprecisa largura no comprimento infinito,
entre a ausência e o vazio. Sou entrada franca na privação do aconchego,
catando um gesto que seja pra aliviar a dor encruada pelas placas em todas as
direções. E sem o menor escrúpulo procuro uma mão amiga, como se sentisse o
cheiro do quintal da infância, como se ouvisse o ruído agradável das pisadas
nas folhas secas pelo chão. Dia sim, dia não, quando chove ou faz sol e estou
no meio da calçada de ruas vazias de gente viva, como um salão escuro entre os
que passam e a saudade dos que não vejo há tempos, lembranças quase apagadas
pelos que nunca botei os olhos e levadas pelo asfalto com o ronco dos motores com
seus vidros fechados que passam salpicando os passantes blindados sob um véu
mortuário da indiferença e sisudez, com seus receituários médicos, suas listas pra
feira do supermercado, seus carnês de pagamentos, seus relógios atrasados. Lá vou
eu remos às ondas, asas ao ar, com meus fantasmas galhofeiros e tagarelas que
caçoam de mim entre aparições e desaparecimentos, o mundo escancarado de ponta-cabeça
e os meus semelhantes estão fechados em si, sem dar confiança e a destituir
qualquer afeto ao massacre da indiferença, consumindo as coisas e os outros,
tudo quanto puderem levar aos bolsos e bolsas, corço fechado, alma precavida, para
que ninguém perceba seus temores e clamores na ilusão das posses do que pensa
ser real no efêmero da vida. Tardes assim me dão a impressão do cortejo tão
sobrecarregado com as enxurradas de problemas e discussões que mofaram as faces
conhecidas em estranhos que sepultaram suas lembranças e vivências no jazigo,
ignorando tudo e todos, ignorando a mim e o amor que sinto pela humanidade, o
que penso do ser humano. Anoitece em mim e o fogo-fátuo são os quadris
parideiros da moça linda reboladeira a me chamar atenção com sua pele pálida
nas pernas e coxas destacadas pela saia justa e os seios proeminentes no
decote, lábios salientes nos olhos negros desconfiados, a me olhar como
inoportuno por admirá-la, e sorrio e ela vira a cabeça, segue adiante como se
fugisse de doença contagiosa ou de uma catástrofe, e eu sem me dar conta da
minha deformidade de apenas amar o ser humano e de com ele querer a vida ao
estreito do braço e coração. O máximo que consigo de meus supostos interlocutores
é algum xingamento, ofensa, chega pra lá, ou oferta intrusa, custa dez reais a
dúzia, quer comprar? É aqui o terminal do ônibus? Sim, ali. Tá, obrigada. Onde
fica o hospital? Ali. Obrigado. Desculpe, piiiiii, sai da frente! De repente: Você
viu o João? Que João? João Antônio! Se vi, não sei quem é! Ah, que pena,
preciso encontrar o João. Podemos procurá-lo, como ele é? Adianta não. Adianta,
sim, como é ele? Ah, vou atrás dele. Posso ir com você? Não. Ah, tá. O meu
coração cada vez mais se precipita pelo buraco negro que me leva ao isolamento
de outra dimensão. Queria tanto conversar, trocar ideias, abraçar, por que será
que ninguém mais se dá ao bate papo espontâneo, assim surgido do nada, entre
estranhos que não precisem ser apresentados por nomes, idades, profissões,
conversar por conversar, sem pedir licença, sem saber qual motivo nem quando terminar.
Ao contrário, mais parece que o mundo acabou e todos vão no maior vexame pela emergência
de se salvar. Noites assim, não queria mais voltar pra casa, inevitável. As pessoas
não me enxergam, melhor invisível no meu quarto, vou pra casa, quase abissal
madrugada, o cansaço e o sono, preciso dormir e conversar comigo mesmo. É melhor,
quem sabe, pelo que se diz tudo cede à luz do dia, pode ser amanhã. © Luiz
Alberto Machado. Veja mais aqui.
Veja
mais sobre:
Dos
bichos de todas as feras e mansas, O romance da Besta Fubana de Luiz Berto, Cantadores
de Leonardo Mota, a escultura de Antoni
Gaudí, a música do Duo Backer, a militância de Brigitte Mohnhaupt, a arte de Natalia Fabia & a xilogravura de J. Borges aqui.
E mais:
Entre
nós, vivo você, Cancão de fogo de Jairo Lima, as gravuras de
Lasar Segall, a música de Sivuca,
Cartilha do cantador de Aleixo Leite Filho, a arte de Luciah Lopez, a
xilogravura de J. Borges & José Costa Leite aqui.
Pechisbeque, A
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1984 de George Orwell, Legado & Grito de Renata Pallottini, a música
de Bach & João Carlos Martins, O
País de Cucanha, As casadas solteiras de Martins Pena, o cinema de Sidney
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A chegada dela pro prazer da tarde, O escritor e seus fantasmas de Ernesto Sábato, o teatro de Nelson Rodrigues,
O discurso e a cidade de Antonio Cândido, a arte de Betty Lago, Disco Voador –
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vivo é um poema de Gandhi, a
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Orçamento
& finanças públicas, Os quadrinhos de Sandro Marcelo & Campana aqui.
As flô
de puxinanã & outros poemas de Zé da Luz aqui.
Proezas
do Biritoaldo: Quando
o cabra se envulta, já num t'aqui mais quem falou aqui.
Primeira
Reunião: Espera, Glosas críticas de Karl Marx, Sóror Saudade de Florbela Espanca, a música de Maki Ishii, Teatro Pedagógico de Arthur
Kaufman, Musicoterapia de Rolando Benezon, o cinema de Silvio Soldini
& Licia Maglietta, João do Pulo & a pintura de Carl Larsson aqui.
Vamos
aprumar a conversa: Entrega, A metamorfose de Franz Kafka, O individuo
na sociedade de Emma Goldman, Auto da
barca do inferno de Gil Vicente, a música de Isaac Albéniz, a pintura de Fritz von Uhde, a fotografia de Freddy Martins, o cinema de Sam
Mendes & Annette Bening aqui.
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ouvindo insetos de Po Chu Yi, Os Museus de Bertha Lutz, a música Paulo
Bellinati, Teatro Espontâneo & Psicodrama, Mata Hari, a pintura de Murilo La Greca &
a arte de Melinda Gebbie aqui.
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Direitos da Criança, Folhas da relva
de Walt Whitman, O rapto de Prosérpina, a música
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Função do Teatro de Francis Fergusson, o cinema de Reinaud Victor & Sandrine Bonnaire, a pintura de Alessandro
Bronzino, a escultura de Gian Lorenzo
Bernini, Marx & Charb aqui.
Andejo
da noite e do dia, A poesia
de Mayakovsky, A era dos extremos de Eric Hobsbawm, A felicidade
paradoxal de Gilles Lipovetsky,
a escultura de Nguyen Tuan, a música de
Caetano Veloso & Gal Costa, O amor é tudo de Martha Medeiros, a pintura de Shanna
Bruschi & Jeremy Lipking, a poesia de Gisele Sant'Ana Lemos & Diana
Balis aqui.
Perfume
da inocência, O amor & o matrimônio de Carmichael
Stopes, Epigrama de Automédon de Cízico, a literatura de Robert A. Johnson, a
fotografia de Beth Sanders, a arte
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Leite aqui.
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Freire, João Albrecht, Elaine Kundera, Basílio Sé, Leureni Barbosa & Carlos
Moura.
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