PESCARIA INEIVADA - Bastou
Afredo dizer que pegou uma traíra de quilo e meio anteontem, pro negócio feder
na hora. Êêê! De chofre, Mamão rivalizou: já peguei carito de três quilos,
bestão! Óóóó! Rolivânio na hora mangou dos dois: esses dizem que pegam
caranguejo e, quando vai ver, é Maria-Farinha miudinha, rá! Essa é pra briga!
Eu dava um murro na cara dele. Oxe, matava, melhor. Pronto, estava feito o
fuzuê! Soltaram a corda, não tem quem segura mais! Ah, censura livre! É a hora
da gandaia, é da prega voa! Cara dum, cu de outro, quem não brigar vira viado
gafanhoto! Termômetro subindo rápido, ânimos pra lá de exaltados. Segura a
pancada que lá vem o gongo! O que apareceu de bagres, surubins, pitus, piranhas,
jundiás, lambaris, corvinas, dourados, tilápias, de não sei quantas dezenas de
quilos e de meio mundo de metros, deu pano pras mangas. Bote resenha na hora. Zé
Corninho mesmo, todo sonso, contou que uma vez caiu dentro d’água atrás dum
peixão fisgado na vara que não queria vir, agarrou-se com ele e findou no maior
carreirão: era um polvo, meu, queria era me comer, tá doido? Saí fora. Tomé não
ficou por menos e sapecou que tinha pegado um tão grande, nunca visto e que nem
sabia que marca que era, só sabia que passou a peixeira no bucho do bicho e
salvou uma criança vivinha da silva, a mãe chega chorou de emoção. Êêêêêêê! Os caras
estão cá gota! Besteira, afiançou Penisvaldo, eu soube que o Zé Peiúdo pegou um
tubarão pela fuça e quando retalhou o danado, tinha dois veinhos jogando gamão
lá dentro! Êêêêêêêêêê! Pode um negócio desses? A sessão estava liberada pras
patranhas todas. Ah, nessa hora Zé Bilôla contou que certa vez ia numa carreira
desabalada, quando tropeçou em um dos cadarços do conga, levou um empurrão de
cair da ponte embaixo, de parar no Reino de Atlântida, salvo por Aquaman. Eita,
êêêêêêêê! Não deu outra: o ambiente caiu abaixo com a ruidosa peta. U-huuuuuu!
Quem dá mais? Aí, meu, cada qual com suas astucias, contando de suas façanhas
de tantos metros e muitos quilos de arraias, baleias, até um celacanto pescado
pelos linguarudos. É cada mentira da bôba-torreiro, reclamava um! Êêêêêêêê!
Onde é que isso vai parar, hem? Danou-se! Colocando as coisas em ordem, Rogimagaiver,
dito mergulhador profissional que fez um curso por correspondência e pegava o
peixe que fosse de mão, aos bofetes, chegou junto da patota, silenciando a
todos e perguntando: alguém se lembra da Jardelina? Aquela? Qué que tem a moça
a ver com a pescaria daqui, seu fresco? Vai tomar no cu, porra! Peraí, deixa eu
contar! Aqui está se falando de pesca, não é de mulher não, seu porra! Sim, deixa
eu contar: uma vez timbunguei atrás de um dicomer qualquer e vi só as
barbatanas passarem com mais de mil, rasgando as águas. Bulir comigo, já viu, é
mexer com briga. Fui atrás, no encalço; pelejei que só, era cada rabo de
arraia, tapeando, me levando pras profundezas, fui buscá-lo. Quanto mais eu
pegava mais escapulia; aí agarrei o rabo, segurei na moral, pega num pega,
solta aqui, prendi nos dentes, controlei os puxavanques e trouxe na marra arrastado
pra margem. Do lado de fora, quando fui ver, pasmem! Era uma sereia, logo
desencantou e botei o nome dela de Jardelina. Até mês passado eu comia ela dia
sim, noite sim, maior umbigado, até que a patroa soube e coitada teve que
arribar pra se livrar da pisa jurada. Óóóóóóóóó! Isso é que é conversa mole!
Tá. Todo mundo diz aqui que é pescador, quero ver na pescaria! Na vera? Na
vera! Só se for agora. E foram tirar a limpo. A tropa desceu toda equipada pra
beira do rio, pela tuia de gente, logo sacaram: uma jangada dá não, pra caber
essa mundiça toda só a arca de Noé. Olha a jangada ali, doido! Aquilo basta
soltar um peido que afunda! Depois de muito arengar sem resolver piroca nenhuma,
se arrancharam de qualquer jeito e começaram com uma beiçada na raiz-de-pau
para abrir o apetite e clarear as ideias. Logo esvaziaram dois botijões da
mardita. Batizado o encontro, caíram de boca num botijão de pinga do Cumbe – a
Pega-Fogo -, testada com uma golada jogada no chão, de riscar o fósforo e pegar
fogo na hora: essa é das boas! Um gole, uma peidada. E tome acertado pra
atravessar o rio a nado. Logo trouxeram outra, a Teibei, a mais melhor: com
essa o cara desenvulta na hora! Ah, a gente veio aqui pra pescar ou pra
conversar merda? Robimagaiver, depois de uma embeiçada boa, deu logo uma
mergulhada pra reconhecer o território: tem peixe não! Estão em greve! Cuma? Pescador
que se preza não fica por baixo! Pode sumir os peixes tudinho, eu pego assim
mesmo! O mundo foi ficando estreito e a coragem aumentando: pularam tudo na
canoa e mandaram ver cada um com sua técnica. Porra nenhuma! No
empurra-empurra, dois caíram de quase todos morrerem afogados, salvando-se uns
aos outros – ou melhor, matando-se uns aos outros para se salvar. Nesse
puxa-encolhe, eis que o rio se revoltou, veio uma enxurrada numa onda de mais
de metro, a maior das enchentes de levá-los todos rio, cidades, plantações,
lugarejos e furicos adentro, de findar aos gritos: vai morrêêêêê! Zé Corninho
se segurando como podia ainda gritou: eu acho é bom, assim vai ter menos cornos
na terra! Cala boca, fidaputa! Êêêêêêêêê! Passam ruas, pontes, prédios,
pinguelas, morros água abaixo, cachoeira livre, ploft, teibei! Navegantes de
meia tigela, a embarcação à deriva das águas, finalmente afundou. Êêêêêê!
Sopapo da porra, hem? Quase se arrebentaram no fundo do rio, no meio de um
cemitério de automóveis! Vixe, a água sumiu. Inda bem! Rapaz, vê quantos
carros, tudo de primeira! Será que algum funciona? Nada, meu, lá vem a cheia de
novo! E zarparam boiando em cabos, tocos de madeira, calcanhares, cotovelos, o
que desse, até se lascarem nas beiradas dum morro com os espinhaços todo envergado:
gente, que foi isso, hem? O rio mordeu-se de querer matar a gente tudinho. Foi
um dilúvio! Será? Tomara que tenha sobrado mais alguém vivo na terra depois
dessa! Sei não, acho que só a gente que restou vivo, viu? Será? Tome tento, seu
cabra! Vamos tomar outra! E a pescaria? Êêêêê! Vamos pescar um ao outro!
Êêêêêêêê! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
CARTAS A UM JOVEM FILÓSOFO, DE AGOSTINHO DA
SILVA
[...] A sua decisão de se dedicar à filosofia
repousa, pelo que me diz e pelo que eu conheço de si, no entusiasmo que lhe
despertam as leituras dos filósofos, no interesse que têm para o meu amigo
todos os problemas filosóficos e no gosto que teria em apresentar um dia uma
congeminação sólida, sem falhas, sobre a estrutura do mundo, sobre o sentido da
vida [...] não é assim um exercício
de faquirismo terminológico de quem fala como se fosse uma torrente que rompe o
dique e rola sem nenhuma possibilidade de se conter, ou de quem fala para se
ouvir a si próprio, sendo este o grande perigo das pessoas que falam bem: são
as serpentes de si próprias, saem dos cestinhos para ouvir a música deliciosa e
o que podia ser uma manifestação esplêndida de humanidade transforma-se em
espetáculo de rua [...] Há-de-se
inventar você próprio a você: criar um outro Luís, melhor do que esse que
possui e obrigá-lo a criar, a esgotar-se todo na divina tarefa de criar
[...].Você vai precisar de todo o seu
tempo, de toda a sua energia, de pensar de manhã até à noite nos problemas
filosóficos; você tem de adquirir erudição filosófica e o treino de pensar; a
vida, para a vida, é sempre longa; mas para a arte é sempre breve; só quando
não se faz nada há sempre tempo [...].
Trechos
da obra Sete cartas a um jovem filósofo:
seguidas de outros documentos para o estudo de José Kertchy Navarro (Ulmeiro,
1990), do filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994), cujo pensamento combina a liberdade
como a mais importante qualidade humana, combinando elementos de panteísmo,
milenarismo e ética da renúncia.
Veja
mais sobre:
Cantarau
Tataritaritatá, O teatro pobre de Jerzy Grotowski, 1919 de John
dos Passos, Estética teatral de José Oliveira Barata, a
coreografia de Xavier Le Roy, a música de Carlos Careqa, a pintura de Alex Mortensen & a arte de Vesselin Vassilev aqui.
E mais:
Vamos aprumar a conversa: a culpa é da Dilma, Sermão do bom ladrão de Padre Antônio
Vieira, Amargura de mulher de Henriqueta Lisboa, O projeto Atman de Ken Wilber, a música de Heitor Villa-Lobos & María Luisa
Tamez, Prometeu acorrentado de Ésquilo, o cinema de Abbas Kiarostami & Juliette Binoche, a pintura
de Peter
Paul Rubens, a arte de Ekaterina
Mortensen & Alex Toth aqui.
A literatura
de Antoine de Saint-Exupéry, a música
de Aarre Merikanto & Colin Hay & Cris Braun, a pintura de Paul Klee & Clóvis
Graciano aqui.
Três
poemetos da festa de amor pra ela: Festa, Essa carne & Viagem aqui.
A Lei de
Responsabilidade Fiscal, Projeto
Justiça à Poesia & Simone Moura Mendes aqui.
Brincarte do Nitolino, Condição humana de Norbert Elias, a poesia de Alexander Pushkin, O lugar do outro de Jean-Luc
Lagarce, o cinema de Antonio Carlos da Fontoura & Flávia Alessandra, a pintura de Paul Gauguin, a arte de Luis Fernando
Veríssimo, Luiza Curvo & a música de Eduardo Camenietzki aqui.
Vamos aprumar a conversa: Segunda feira, As consequências
da modernidade de Anthony Giddens,
Memórias de Adriano de Marguerite de
Yourcenar, a música de Robert Schumann, Fedra de Jean Racine, o cinema de Arnaldo
Jabor & Sônia Braga, a pintura de Francisco
Ribalta & a arte de Ary Spoelstra aqui.
O teatro
de William Shakespeare, Alice no país do quantum de Robert Gilmore, O fio & as missangas de Mia Couto, Paixão &
autobiografia de Patricia Galvão, a música de Carl Otto Nicolai, o cinema de Richard Eyre & Jean Iris Murdoch, a pintura de David Scott, a arte de Adriano Kitani & Programa
Tataritaritatá aqui.
Freyaravi
& o circo dos prazeres, Cultura do consumo & pós-modernismo de Mike Featherstone,
Contos brasileiros de Julieta
de Godoy Ladeira, Kama sutra de Vātsyāyana, a fotografia de Ralf Mohr, Humanitarian Projects, a música de Marisa Monte, a pintura de Crystal Barbre & a arte de Luciah Lopez aqui.
Lualmaluz, Técnica
& ideologia de Jürgen Habermas, De
segunda a um ano de John Cage, História
da literatura brasileira de Nelson
Werneck Sodré, A balsa da Medusa, a escultura de George Kurjanowicz, a música de Sally Seltmann, a pintura de Théodore Géricault & Moisés
Finalé, a arte de Marni Kotak & Luciah Lopez aqui.
Quando
tudo é manhã do dia pra noite, Agonia da noite de Jorge Amado, a música de
George Bizet & Adriana Damato, Folclore
musical de Wagner Ribeiro, a pintura de Aleksandr
Fayvisovich & Bryan Thompson, Posthuman
bodies de Halbertam & Livingstone, a fotografia de Christian
Coigny, a arte de Mirai Mizue & Luciah Lopez aqui.
&
MINHA
VIDA DE LOU SALOMÉ
[...] Nossa primeira experiência é, de modo notável, uma desaparição.
Momentos antes éramos um todo indiviso, todo o ser estava inseparável de nós; então somos impelidos a nascer, tornamo-nos
um pequeno fragmento que deverá esforçar-se, doravante, para não sofrer
reduções cada vez maiores, para afirmar-se perante o mundo adverso extremamente
amplo, no qual, por termos deixado nossa plenitude, caímos – agora despojados –
como num vazio. [...] Assim, vivencia-se
primeiramente como que algo já passado, uma rejeição do presente; a primeira
“recordação” – assim a chamaríamos mais tare – é, ao mesmo tempo, um choque,
uma decepção pela perda daquilo que não é mais, e alguma coisa de um saber que
se vai desenvolvendo, de uma certeza de que ainda teria que ser [...] Não posso conformar minha vida a modelos,
nem jamais poderei constituir um modelo para quem quer que seja; mas é
totalmente certo que dirigirei minha vida segundo o que sou, aconteça o que
acontecer. Fazendo isto, não defendo nenhum princípio, mas algo bem mais
maravilhoso - algo que está em nós, que queima como o fogo da vida [...].
Trechos
da obra Minha vida (Brasiliense,
1985), da poeta e psicanalista alemã nascida na Rússia, Lou Andres-Salomé
(1851-1937). Sua vida foi levada ao cinema em 2016, com direção da cineasta,
escritor e produtora alemã Cordula Kablitz-Postl, protagonizado pela atriz
alemã Katharina Lorenz, contando o período solitário,
doente e perseguida pelo nazismo, aconselhada a escrever suas memórias. Veja
mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ: ARRIGO BARNABÉ
Hoje a Rádio
Tataritaritatá
apresenta especial com o músico, compositor, radialista e ator Arrigo
Barnabé,
apresentando músicas dos álbuns Clara
Crocodilo (1980), Tubarões Voadores
(1984), a trilha sonora do filme Cidade
Oculta (1986), Suspeito (1987), Façanhas (1992), Gigante Negão (1998), A saga
de Clara Crocodilo (1999) e apresentações em show ao vivo. Ligue o som e
confira. Veja mais aqui.
A ARTE DE INDRE VILKE
A arte da artista lituana Indre
Vilke.