BIRITOALDO VAI AO INFERNO - Biritoaldo,
como sempre, em palpos de aranha. Que coisa! Ah, se tem uma coisa líquida e
certa na vida dele, só uma, é que ele é o revestrés em pessoa: consegue ser o
erro do errado, incorrigível, sempre em apuros. Desta! Devotou santo de todo
hagiológio, rezou e se sacrificou de todo jeito, imprimiu todo tipo de auto-sofrimento
para alcançar a graça e nada. Recorreu a todo tipo de fé religiosa, até as mais
heterodoxas, e deu de cara com a igreja do maldito. Oxe! Ta doido!?! Deu um
carreirão danado de quase bater no fim do mundo e, sem saída, ficou sem saber
pra onde ir. Chorou, esmurrou sua própria face e peito, destruiu-se e não
conseguiu ver nada além de suas próprias cinzas. Amaldiçoou-se aos prantos. Quanto
mais determinado em seguir adiante, ir em frente, mais parecia que andava às
voltas feito parafuso de não sair do lugar de antes: oxe! Quanto mais ando, não
saio do lugar. Vôte! Havia esgotado todos os recursos, tinha procurado padrinho
de batizado, de crisma, de consideração, até de ocasião, voltou com as mãos
abanando da casa de supostos parentes, sabia não tê-los, mas deu uma de
João-sem-braço. Que é que há, hem? Quanto mais engato primeira, mais parece que
estou em marcha à ré! Depois de pelejar de todo jeito, perdeu a paciência: já que
por bem não saio do canto, vou pro outro lado. E seguiu todas as instruções,
chegando numa encruzilhada e mandou ver na oração da cabra preta. Logo ocorreu
uma transformação ao seu redor: que porra é essa, meu? Arrependeu-se e quis
correr, mas foi contido por uma força superior e estranha: que droga é nova,
hem? Quis dar pra trás, já era tarde; invocou, lascou. E agora? Já que está
dentro, deixa rolar. E foi. Estava atento quando levou uma dedada de quase
arrebentar as pregas do furico: epa! Virou-se e deu de cara com um sujeito
posudo, meia idade, sisudo, embecado, risinho no canto da boca: está mangando
de mim, né, desgraçado? O que você quer, inútil? O riso falso com dentes
cerrados, todo engomadinho, educadíssimo na grãfinagem, era visível seu fingimento,
olhar de lobo pronto para devorar a presa, um jeito assaz desconfiável. Quanto mais
se aproximava e falava, mais previa a armadilha: o que você quer, ínfimo? Isso é
um desacerto! Diga, alma penada, o que quer? Eu quero mudar de vida. Viu apenas
um estalar de dedos e estava no centro de um caleidoscópio: tudo sucedia,
cenas, lembranças, acontecimentos, tragédias, tudo que ocorrera na vida, ali
repassado em um instante de nada, a vida toda em questão de segundos. Olhos arregalados,
sem entender nada, de queixo caído. Tremendo, conseguiu balbuciar que a sua vida
era um inferno, quero mudar de vida, quero ir pro céu. É verdade, sua vida é o
inferno, veja! Êpa! E viu: isso aí sou eu e é a minha vida! Exatamente! Foi ai
que ele viu que sua alma não valia nada, coisa alguma: se vivo no inferno, onde
mesmo que fica o céu? O céu não existe. Quem é você? Sou o que você quiser! Sou
Jesus, Drácula, Nosferatu, Cabrunco, Coisa-Ruim, Salvador, Deus, o que você
quiser. Escolha. Quero mudar de vida, quero ser rico, feliz, tudo, mas você não
me engana. É? É. Veja! E aquela coisa obrou milagres de todo jeito, assim do
nada. Está vendo aquele aleijado, veja! Venha homem de pouca fé! Jogue fora a muleta!
Não posso. Obedeça, homem de pouca fé. Temeroso, ele soltou a muleta e num
instante estava curado. Viu? Sou bondoso, curo, salvo. Também sou sanguinário,
veja! Apontou para baixo e a cidade aos poucos incendiava, ouvindo-se gritos e
lamúrias, a fumaça com o fedor de carne queimada. Está vendo aquela mulher
linda? Sim. Vou sangrá-la! Veja! E puxou a beldade pelos cabelos e, na marra, encarcou
com força, ela aos gritos sangrou, desfaleceu e morreu. Agora veja! Em seguida,
tocou nela com um dos dedos e ela levantou-se, ilesa, lindamente encantadora e
apaixonada, beijando as mãos dele, agachando-se a beijar seus pés com lambidas,
ajoelhando-se para cheirar seu sexo como uma insaciável. Viu? Estalou os dedos
e ela sumiu. Está vendo aquele, veja! Oxe! Lá ia o sujeito caminhando na boa,
de repente, agarrou-se à barriga com uma diarréia incrível, de ver-se a merda
escorrer saindo pelas bocas da calça até faze uma poça de merda rala no chão,
numa catinga desgraçada. Estalou o dedo, tudo sumira. Está vendo aquela rainha?
Vou destroná-la e tomar o lugar dela. Veja como serei amado por todos os
súditos, vou espremê-los, torcê-los, matá-los aos poucos e ainda vão me adorar,
veja! Assim fez e aconteceu. E depois fez a terra girar ao contrário e vi o dia
de ontem, o ano passado, tudo de novo. E fechou o céu em noite escura de breu,
relâmpagos, trovões. Com um estalar dos dedos, abriu-se tudo e o sol brilhava
num dia azulado sem nuvens. Tenho poder, incrédulo? Provei? Agora é a sua vez,
mequetrefe. Oxe! Eu quero é mudar de vida! Ah, você quer sofrer ou ser feliz
pra sempre? Escolha! O que faço? Trabalhe pra mim e me prometa a alma do
primogênito. Como assim? A sua alma não serve mais pra nada, tem que ser a do
primogênito. Ah, tá! Melhor, me livrei dessa! Você terá que propagar que sou o
melhor, falar em meu nome sempre de bem, trabalhar pra mim e assim com um
templo em meu nome você enricará, se casará, será feliz, e quando o primeiro
filho nascer, ele será meu. Só isso? Prometa! Dê-me cá seu dedo, vá, um talho e
o pacto de sangue, vamos! Agora prometa com seu sangue e tudo será seu! Peraí,
meu sangue assim de graça? Ora, ora. Você quer ou não quer mudar de vida? Um talho
no dedo e dou de cara um bilhete premiado da loteria, documentos, chaves de
muitos carros e casas, palacetes, templos, reinado, súditos e mulher, muitas
mulheres, quer? Se quiser, ainda faço de você um Johny Depp! Vai dar trabalho,
mas nada comigo é impossível! Na vera? Ora, ora! Quer ou não quer? Assim procedeu
conforme o ajustado. Fez pregação, comícios, logo arregimentou almas pro seu
culto, enriqueceu, casou e viveu feliz, o tempo passava. A cada dia mais
trilionário, até o dia que a mulher engravidou, o bucho cresceu e, na horagá,
quase não deu tempo de chegar na maternidade, o bruguelo saindo às pressas. Na hora
do parto, ele nem se lembrava mais do pacto, quando deu de cara com o cobrador:
o que é que você está fazendo aqui? Hora de cumprir a sua parte do trato. Vamos.
Oxe, eu já tinha me esquecido, vamos conversar que mudei de ideia. Agora é
tarde. Não, rapaz, que é que isso? Vamos conversar, pra tudo tem jeito na vida.
Não brinque comigo, seu traste. De repente tudo escureceu. Ao abrir os olhos,
ouviu uma lorota: tomou uma, hem? Onde estou? E eu é que sei? Você toma das
suas, fica variando e ainda fica perguntando onde é que está? Baixou a cabeça,
mãos agitando os olhos para enxergar melhor, era uma senhora idosa, futucando
com um cajado. Eita! será uma bruxa? Vai, levanta, dormir no meio da rua
embriagado é coisa feia, vagabundo. Vai-te, xô! Mas Dona Véia... véia é a puta
que pariu! Ufa! Escapei dessa fedendo. Será? Tenho que fazer o teste da goma. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Veja
mais sobre:
Quem
desiste jamais saberá o gosto de qualquer vitória, A
linguagem & as outras ciências de Roman Jakobson, Nos caminhos de Swan de Marcel Proust, a pintura
de Henry Asencio, a arte de Regina José
Galindo, a fotografia de Thomas Karsten, Tortura nunca mais, a música de
Secos & Molhados & Luiza Possi aqui.
E mais:
Se nada acontecesse, nada valeria, A opinião pública & publicada de Michel Maffesoli, O escritor e seus fantasmas
de Ernesto Sábato, a música de Gilberto
Gil, a pintura de Edvard Munch
& Howard Chandler, Beatriz Segall, o cinema de Eliane Caffé, a fotografia de Ludovic Florent, a arte de Isabel Câmara & Leo Lobos aqui.
Novelas
de aprendizado de Autran Dourado, Tônio
Kroeger de Thomas Mann, a música de Gilberto Gil, Luiza Possi & Celia Demézio aqui.
Educação,
professor & inclusão, Emir Ribeiro & Velta aqui.
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de aprendizagem aqui.
Papel do
professor na aprendizagem aqui.
A arte
de Maria Dapaz aqui.
Vamos aprumar a conversa: Fernando Fiorese, Pensamento
complexo de Edgar Morin, O
pirotecno Zacarias de Murilo Rubião, As
criadas de Jean Genet, o cinema de Rainer Werner Fassbinder & Hanna
Schygulla, a música de Alanis
Morissete, a arte de Marilyn Monroe & a pintura de Thomas Gainsborough aqui.
Pax
Profundis de Cagliostro, Arte
& Gestalt de Janie Rhyne, A teus pés de Ana Cristina César, O professor filósofo de Marquês
de Sade, Beijo no asfalto de Nelson Rodrigues, a
coreografia de Márcia Haydée Salavarry Pereira da Silva, a pintura
de Darel Valença Lins, a música
de Bicho de Pé & Programa Tataritaritatá aqui.
Uivo
& outros poemas de Alllen Ginsberg aqui.
Do que
fui pro que sou, Borges e os orangotangos eternos Luís
Fernando Veríssimo, Moby Dick de Herman Melville, o cinema de Matheus Nachtergaele & Xico Sá, Novíssima
arte brasileira de Katia Canton, a pintura de Andre
Kohn, a música de Robertinho de Recife & a arte de Simone Gutierrez aqui.
Da
inocência e da injustiça milenar, A
crise do entendimento de Maurice
Merleau-Ponty, Histórias do tempo de Lya Luft, a música de Yo-Yo Ma, o
cinema de Milos Forman & Natalie Portman, a cerâmica de Deise Furlani, a pintura de Patrick
Palmer, a arte de Oswaldo Guayasamin & Ilya Kabakov aqui.
Se um
dia o sonho da vez, Os nascimentos de Eduardo Galeano, Expressões
sistemática de Gilbert Ryle, a poesia
de Elizabeth Bishop, a gravura de W. G.
Collingwood, a arte de Rosa
Esteves & Carla Shwab, a pintura de Lavinia Fontana, a música de Dandara & Paulo Monarco aqui.
&
HUMANIDADES
EXTEMPORÂNEAS: TCHELLO D’BARROS
RÁDIO
TATARITARITATÁ: GILBERTO
GIL
Especial
do premiado músico, cantor, compositor e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, nomeado pela UNESCO em
1999 como Artista pela Paz. Imagem: arte da pintora, designer e cantora Leonora Weissmann. Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
PS: A
MÚSICA DE ALAGOAS – Foi
um sucesso o Especial Música de Alagoas, no último domingo, com músicas de Hermeto
Pascoal, Djavan, Íbys Maceioh, Mácleim, Júnior Almeida, Cris Braun, Naldinho
Freire, João Albrecht, Elaine Kundera, Basílio Sé, Leureny Barros, Eliezer
Setton & Carlos Moura. Mais de 3 mil acessos e, por isso, alcançamos a
marca dos mais de 1 milhão 670 mil acessos! Obrigado aos artistas alagoanos que
desfilaram e a todos vocês que prestigiaram mais uma iniciativa deste blog.
Obrigado, obrigado, obrigado. Vamos sempre juntos, beijabraçãos paratodos &
tataritaritatá!