O INSONE BIRITOALDO – Biritoaldo
não se emenda mesmo! Depois de rastejar desatinado nos calcanhares das
abundantes partes pudendas da voluptuosa, feiosa e cativante Munga, de ter se
enrolado com estrépito na conflituosa relação com a Xica Doida, de quase morrer
endoidado de desmedido amor com a descoberta de que a Amy Winehouse já era defunta fazia tempo, e de correr o mundo
todo cão sem dono enamorado atrás da Rebel Wilson, agora, dessa vez, pelo
menos, era mais próxima e ao alcance da mão: a prima da Vera, a Dalzuíta.
Quando viu a moça pirou arrebatado na hora! Ao primeiro não baixou hospício
como bipolar, ora se passando por Sansão à procura de Dalila, ora por Comte
ensandecido por Clotilde de Vaux. Dois meses depois, quase restabelecido, não
resistiu ao segundo não e arriou em coma por três longos meses. Convalescente,
criou coragem na base do óleo de peroba e foi ter com a moça a depor seus
sentimentos: nem que eu estivesse na lua! Ah, para ele isso era uma
possibilidade. Foi aí que ele abriu os olhos de nunca mais pregá-los: só queria
ficar rico pra impressioná-la, não conseguiu. Pra manifestar publicamente sua
incurável devoção por ela, resolveu fazer uma enorme faixa com as inscrições:
Dalzuita, eu amo você. Assinado: Biritoaldo. E sem piscar os olhos nem num
cochilo, tentou de tudo para expor seus sentimentos, sempre aplacado por
desafetos. Resolveu subir no prédio mais alto, não obtendo sinal algum dela,
resolveu pular, até que foi interceptado por Robimagaiver, seu salvador na horagá:
- Ô doido, se pular tu num sai vivo de jeito nenhum. Vamos simbora que eu já
passei por isso, tô curado. Teve jeito não, ele pulou pra festa da mundiça lá
embaixo. Eita! A sorte foi que a faixa serviu de pára-quedas e ele foi saudado
aos aplausos e apupos. Tirante umas fraturas expostas por se enganchar em
marquises e postes, restou vivinho da silva, dizendo: vou pra lua. Pronto,
endoidou de vez. Virando a noite pelo dia, foi procurar quem pudesse enviá-lo
pro satélite a fim de cumprir sua missão, ninguém levou a sério. Só tinha um
jeito: ir a pé mesmo pra Nasa. E foi. Marchou sem jazer até lá, foi reprovado. Porém,
não passou aperto, usou do expediente do jeitinho e foi incluído no treinamento
de astronautas, ninguém sabe como, mas entrou. Cinco anos depois foi reprovado
de novo; nem se avexou, jeitinho na hora e já estava selecionado pra prova
final e, nessa hora, foi rejeitado. Já haviam se passado quase sete anos, fez
de tudo nos semáforos: plantou bananeira, deu língua e salto solto, pintou
miséria e amealhou uma grana boa pra comprar quem aparecesse pela frente. E ganhou,
no dia certo lá estava ele confortavelmente aboletado no foguete, repetindo a
contagem regressiva. Vupt! Lá se foi até chegar lá, abrir a faixa e prendê-la
num cano que arrumou na hora, fincá-la no solo lunar e levitar segurando o
mastro pra ver se de lá ela via o aceno dele vencedor pra ela. Chamaram-no para
retornar, negou; queria ficar lá até receber um sinal dela, mínimo que fosse. Fizeram
de tudo e não conseguiram demovê-lo, deixando-o à própria sorte. O bastão se
desprendeu do solo e lá foi ele levado pela órbita, até dar uma abalroada num asteróide,
de se agarrar nele vagando na imensidão. Pra não perder a faixa, enfiou o
bregueço prendendo-o no cu, como se fosse um cometa que já não dormia há anos,
agora nem podia relaxar, senão perdia a declaração de amor e a vida. O que importava
pra ele era estar cônscio o tempo inteiro da paixão que lhe queimava a alma e o
corpo, porque essa mulher, para ele, valia todos os sacrifícios até a
insensatez. Alguma notícia dele? Perdeu-se, sumiu-se. E ela nem aí pro que
havia dele. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
O SONO & O CAPITALISMO DE CRARY
[...] A
história mostra que inovações relacionadas à guerra são inevitavelmente assimiladas
na esfera social mais ampla, e o soldado sem sono seria o precursor do
trabalhador ou do consumidor sem sono. Produtos contra o sono, após agressiva
campanha de marketing das empresas farmacêuticas, iriam se tornar uma opção de
estilo de vida — e depois, para muitos, uma necessidade. Mercados atuando em
regime de 24/7—24 horas por sete dias na semana — e infraestrutura global para
o trabalho e o consumo contínuos existem há algum tempo, mas agora é o homem
que está sendo usado como cobaia para o perfeito funcionamento da engrenagem. [...]
A privação de sono como forma de tortura
é aplicada há muitos séculos, mas seu uso sistemático coincide historicamente
com a disponibilidade de luz elétrica e a facilidade para amplificar o som de
modo contínuo. [...] A imensa parte
de nossas vidas que passamos dormindo, libertos de um atoleiro de carências
simuladas, subsiste como uma das grandes afrontas humanas à voracidade do capitalismo.
[...]
Trecho da obra 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono (Cosac
Naify, 2014), do professor estadunidense de Teoria e Arte Moderna, Jonathan Crary.
Veja
mais sobre:
Tunga: toro
imaginário no interior de uma rocha, a poesia de César Vallejo, a estética do teatro de
Redondo Junior, João Pessoa, a arte de Sônia Braga, a música de Ná Ozzetti
& Os sapos da política de Edson Moura aqui.
E mais:
Vamos
aprumar a conversa: segunda-feira, As conseqüências da modernidade de Anthony Giddens, Fedra de s Jean Racine, o cinema de Arnaldo Jabor
& Sônia Braga, a literatura de Marguerite
de Yourcenar, a música de Robert Schumann, a pintura
de Francisco Ribalta & a arte de Ary
Spoelstra aqui.
A
personologia de Henry Murray aqui.
Literatura
de cordel: A quadrilha junina de Francisco
Diniz aqui.
Precisamos
discutir sobre os próximos 20 anos, Vitórias e derrota de Zygmunt Bauman, A humanidade do estranho
diário de Carolina de Jesus, o teatro de Tennessee William, o cinema de Jules Dassin & Melina Mercouri, Brincarte &
Literatura Infantil, A vida íntima & privada de Fernanda Bruno,
a coreografia de Janice Garrett and
Dancers Heidi Schweiker, a pintura de Alessandra Tomazi, a entrevista de
Rejane Souza, a arte de Arlinda Fernandes & Luciah Lopez, a música de Irina Costa &
Canção de quem ama além da conta aqui.
Aprendi
a voar nas páginas de um livro, O homem e seus símbolos de Carl Gustav Jung, O
homem e a sociedade de Wilfred Ruprecht Bion, A atualidade de Georg Simmel, a escultura de Wilhelm
Lehmbruck, Assombrações de Eduardo Caballero Calderón, o teatro de Oduvaldo Vianna Filho & Helena
Varvaki, O direito de viver e deixar viver, a fotografia de Rebeka Barbosa, a arte de Karen
Robinson & Luiz
Paulo Baravelli, a música de Tarita de Souza, Tracey Emin & Samuel
Szpigel, a
entrevista de Katia Velo, Por mais que a gente faça nunca será
demais & Do que fui e o que não sou mais aqui.
Para
viver o personagem do homem, Educação e escolarização de Ivan Illich, Vínculo, afeto & apego de Edward
John Bowlby, Platão, o teatro de Nelson Rodrigues, a entrevista de Geraldo
Azevedo, a pintura de Cândido Portinari, a escultura de Georg Kolbe, o cinema de Shohei Imamura & Misa Shimizu, a
música de Zap Mama & Marie Daulne, a coreografia de Katherine
Lawrence, a fotografia de Ryan Galbrath & Mario Testino, Bastinha
Job, A Notícia & Jamilton Barbosa Correia, a
arte de Rachel Howard, Depois
das eleições, De cara pro futuro, levando tudo nos peitos, munheca em dia &
pé na tábua & O que deu, deu; o que não deu, só na outra aqui.
Quando o
futuro chega ao presente, Escritos de Michel Philippot, A bússola dobrada de Phillip Pullman, A física do horizonte de Gilles Cohen-Tannoudji, A música
de Antonín Dvořák & Alisa
Weilerstein, a arte de Willow Bader & Lorenzo Villa, a fotografia de Katyucia Melo & a poesia de Bárbara Sanco
aqui.
Mais que
tudo o amor, Confesso que vivi de Pablo Neruda, o pensamento de Pierre Gringore,
O teatro e seu duplo de Antonin
Artaud, a música de Ana Rucner, a fotografia de Daniel
Ilinca, a poesia de Mariza Lourenço & a arte de Luciah Lopez aqui.
Palestras: Psicologia, Direito &
Educação aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.
O AMOR NAS MEMÓRIAS DE MARGUERITE DE YOURCENAR
[...] De todos os jogos, o do amor é o único capaz
de transportar a alma e, ao mesmo tempo, o único no qual o jogador se abandona
necessariamente ao delírio do corpo. Não é indispensável que aquele que bebe
abdique da razão, mas o amante que conserva a sua não obedece inteiramente ao
deus do amor. Tanto a abstinência quanto ao excesso engajam apenas o homem só. [...]
Não conheço, fora do amor, outra situação
em que o homem deva decidir-se por motivos mais simples e mais inelutáveis. No
amor, o objeto escolhido deve valer exatamente seu peso bruto em prazer, e é
ainda no amor que o mante da verdade tem maiores probabilidades de julgar a
nudez da criatura. A partir do desnudamento total, comparável ao da noite, de
uma humildade que ultrapassa a da derrota e da prece, maravilho-me ao ver
renovar-s, cada vez, a complexidade das recusas, das responsabilidades, das
promessas, das pobres confissões, das frágeis mentiras, dos compromissos
apaixonados entre nosso prazer e o prazer do Outro, tantos laços impossíveis de
romper e tão depressa rompidos! Esse jogo cheio de mistérios, que vai do amor
de um corpo ao amor de uma pessoa, pareceu-me belo o bastante para
consagrar-lhe uma parte de minha vida. As palavras enganam, especialmente as do
prazer, que comportam as mais contraditórias realidades, desde as noções de
aconchego, doçura e intimidade dos corpos, até as da violência, da agonia e do
grito. [...]. Confesso que a razão
permanece confusa em presença do prodígio do amor, da estranha obsessão que
faz com que essa mesma carne, que tão pouco nos preocupa quando compõe nosso
corpo, limitando-nos somente a lavá-la, nutri-la e, se possível, impedi-la de
sofrer, possa inspirar=nos uma tal paixão de caricias simplesmente porque é
animada por uma personalidade diferente da nossa e porque representa certos
traços de beleza sobre os quais, aliás, os melhores juízes não estariam de
acordo. Aqui, como nas revelações dos Mistérios, tudo se passa além do alcance
da lógica humana. A tradição popular não se enganou ao ver no amor uma forma de
iniciação e um dos pontos onde o secreto e o sagrado se tocam. A experiência
sensual equipara-se ainda aos Mistérios quando a primeira aproximação provoca
nos nã0-iniciados o efeito de um rito mais ou menos assustador,
escandalosamente desligado de todas as funções até então familiares, como
comer, beber e dormir, parecendo antes motivo de gracejo, vergonha, ou terror.
Da mesma maneira que a dança das mênades ou o delírio dos coribantes, nosso
amor arrasta-nos para um universo diferente, onde, em situação normal, nos é
vedada a entrada e onde cessamos de nos orientar, uma vez apagado o ardor e
extinto o prazer. Cravado no corpo amado como um crucificado à sua cruz,
penetrei em certos segredos da vida que começam a desvanecer-se da minha
lembrança por efeito da mesma lei que faz com que o convalescente, depois de
curado, cesse de encontrar-se nas misteriosas verdades do mal, que o
prisioneiro posto em liberdade esqueça a tortura, e o triunfador, a embriaguês
da glória. [...].
Trechos
do romance Memórias de Adriano (Mémoires d'Hadrien - Círculo
do Libro, 1974), da escritora belga de língua francesa Marguerite de
Yourcenar (1903-1987). Veja mais aqui.
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