OS
SONHOS DE CACILDITA - Imagem:
Girl before a Mirror (1932 – tinta a
óleo), do pintor, escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo espanhol Pablo Picasso (1881-1973) – Quando
Cacildita viu a prima Davânia desfilando numa bicicleta, ela encheu-se de
alegria e correu da saia voando pra chegar em casa: - Pai, quero uma bicicleta!
Compra, compra, compra! E o pai, aquiescente: - Compro, filha, vou comprar. E
ela voltou-se pra ver a prima pedalando pra cima e pra baixo, sonhando assim,
um dia, também se amostrar. A prima foi embora e ela ficou: - Mãe, quero minha
bicicleta! Pai, cadê minha bicicleta? A mãe, carinhosamente, dizia: - Minha
filha, seu pai não é o tio Marcório. Ele está trabalhando pra comprar sua
bicicleta, espere, tenha paciência. E ela: - Ah, mãe, queria ter nascido filha
de tio Marcório e tia Nadejita, assim eu seria que nem a Davânia, teria tudo
para realizar meus sonhos. A mãe se enchia de tristeza, compreendendo os
desejos da filha. Aí teve um dia que ela foi pra casa dos tios, passar uns dias
por lá na companhia de Davânia. Quando entrou no quarto dela, ficou
maravilhada: - Minha nossa, isso é o país das maravilhas! Um reino encantado!
Tantos brinquedos do piso ao teto que Davânia nem dava vencimento, muito menos
se interessava, desleixando e só se ligando na última novidade que ganhara. –
Olha, Cacildita, o que ganhei ontem! E os olhos da menina se arregalavam com
cada brinquedo que a prima tinha. Tanto foi, que não saía do quarto dela. –
Você deixa eu brincar com seus brinquedos? -, perguntou pra prima. – Claro,
pode brincar, não quero mais nenhum, só esse aqui que ganhei ontem. E Davânia
ganhava um brinquedo ontem e já deixava de lado quando ganhava o outro hoje.
Todo dia os pais lhe traziam presentes e mais presentes. Era de causar inveja
na Cacildita que ficou três dias trancadas no quarto com os brinquedos dela,
até chorou de espernear no dia que teve de ir embora de volta pra casa. – Ah,
eu queria viver aqui e nunca mais ter de voltar pra minha casa! Na saída,
Davânia mostrou-lhe o rádio-gravador que acabara de ganhar. Ela revoltou-se e
ficou emburrada. Quando chegou em casa, o pai estava com um riso largo
segurando a sua bicicleta novinha. E ela: - Ah, pai, agora é tarde, quero mais
bicicleta não, quero um rádio-gravador. Mas minha filha, a bicicleta não era o
seu sonho? Era, mas demorou demais. Agora quero um rádio-gravador. E ficou
nisso enquanto o pai se entristecia e guardava a bicicleta recém comprada num
canto qualquer, enquanto ela foi pra televisão ver as novidades dos anúncios.
Adorava os comerciais que passavam na programação, sonhava adquirir uma a uma
das ofertas promocionais, pensando consigo: - Ah, como eu queria ser Davânia e
ter tudo isso pra mim, eu seria a pessoa mais feliz do mundo! E a mãe repetia
que o pai dela não era o tio que era médico com a esposa advogada, que podiam
fazer todos os desejos da prima. O pai dela era um simples artesão que lutava
na vida com muito esforço para conseguir o ganhapão. – Ah, mãe, o pai devia ser
que nem tio Marcório! O tio é lindo, a tia Nadejita, também. Dão tudo pra
Davânia. E eu, eu sou apenas uma menina triste que os pais não dão o que ela
deseja. Vocês só querem me ver infeliz, chorosa. E a mãe explicava a situação e
ela nada entendia. A mãe falava da vida e ela só sabia dos sonhos realizados
nos contos de fadas e nas novelas da televisão. Adorava quando Davânia chamava
pra ir pro shopping, passavam a tarde inteira juntas. Davânia comprando isso e
aquilo, enquanto Cacildita ficava de olhos vidrados nas vitrines e carregando
as sacolas dela. A prima comprou um celular sofisticadíssimo. – Ah, eu quero,
vou pedir pra papai comprar pra mim -, disse ela à prima. – Pede pra teu pai um
cartão de crédito, mulher, assim você compra o que quiser! -, disse Davânia.
Eita! Depois de acompanhar a prima nas muitas compras que fez, sacolas e mais
sacolas, ela foi para casa quando seu pai lhe o presente desejado: o
rádio-gravador. – Ah, pai quero mais não! Demorou demais, agora quero um cartão
de crédito para eu comprar o que eu quiser na hora que eu bem entender! Como?
Minha filha, seu pai não ganhou na loteria, nem é rico como o seu tio! Ah, mãe,
o pai que se vire, eu quero agora um cartão de crédito, e não é para demorar
feito a bicicleta e o rádio-gravador que só chegaram quano eu não queria mais,
coisas já perdidas. Agora eu quero um celular e ir toda tarde pro shopping
fazer compras. Minha filha, ponha-se no seu lugar, a vida não é assim, você não
é Davânia, nem seu pai e eu somos como o pai dela. Ah, mãe, eu quero, vocês que
não querem me dar nada nem me fazer feliz. Vocês não querem a minha felicidade!
Vocês só querem que eu seja uma menina triste, desamparada, sofrente, sem nada.
Ah, como eu queria ter nascido filha de tio Marcório e tia Nadejita, assim, eu
seria que nem a Davânia, teria tudo e seria feliz. Minha filha, o que você
espera da vida? Ah, mãe, eu quero ser como a Davânia, igualzinha a ela em tudo,
com a roupa dela, ah, que vestido lindo, você viu o penteado dela? Nossa, mãe,
e o estojo de maquiagem? Até as calcinhas e sutiãs dela são de grife! Tudo um
luxo. Ô mãe, você viu a sandália que ela comprou ontem? Muito chique, ah, mãe
quero ser chique como ela, glamourosa e arrodeada de luxo, quero ter tudo o que
ela tem e um príncipe encantado lindo de morrer preu casar e viver num castelo
feliz para sempre! © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
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