quinta-feira, março 24, 2016

OS SONHOS DE CACILDITA


OS SONHOS DE CACILDITA - Imagem: Girl before a Mirror (1932 – tinta a óleo), do pintor, escultor, ceramista, cenógrafo, poeta e dramaturgo espanhol Pablo Picasso (1881-1973) – Quando Cacildita viu a prima Davânia desfilando numa bicicleta, ela encheu-se de alegria e correu da saia voando pra chegar em casa: - Pai, quero uma bicicleta! Compra, compra, compra! E o pai, aquiescente: - Compro, filha, vou comprar. E ela voltou-se pra ver a prima pedalando pra cima e pra baixo, sonhando assim, um dia, também se amostrar. A prima foi embora e ela ficou: - Mãe, quero minha bicicleta! Pai, cadê minha bicicleta? A mãe, carinhosamente, dizia: - Minha filha, seu pai não é o tio Marcório. Ele está trabalhando pra comprar sua bicicleta, espere, tenha paciência. E ela: - Ah, mãe, queria ter nascido filha de tio Marcório e tia Nadejita, assim eu seria que nem a Davânia, teria tudo para realizar meus sonhos. A mãe se enchia de tristeza, compreendendo os desejos da filha. Aí teve um dia que ela foi pra casa dos tios, passar uns dias por lá na companhia de Davânia. Quando entrou no quarto dela, ficou maravilhada: - Minha nossa, isso é o país das maravilhas! Um reino encantado! Tantos brinquedos do piso ao teto que Davânia nem dava vencimento, muito menos se interessava, desleixando e só se ligando na última novidade que ganhara. – Olha, Cacildita, o que ganhei ontem! E os olhos da menina se arregalavam com cada brinquedo que a prima tinha. Tanto foi, que não saía do quarto dela. – Você deixa eu brincar com seus brinquedos? -, perguntou pra prima. – Claro, pode brincar, não quero mais nenhum, só esse aqui que ganhei ontem. E Davânia ganhava um brinquedo ontem e já deixava de lado quando ganhava o outro hoje. Todo dia os pais lhe traziam presentes e mais presentes. Era de causar inveja na Cacildita que ficou três dias trancadas no quarto com os brinquedos dela, até chorou de espernear no dia que teve de ir embora de volta pra casa. – Ah, eu queria viver aqui e nunca mais ter de voltar pra minha casa! Na saída, Davânia mostrou-lhe o rádio-gravador que acabara de ganhar. Ela revoltou-se e ficou emburrada. Quando chegou em casa, o pai estava com um riso largo segurando a sua bicicleta novinha. E ela: - Ah, pai, agora é tarde, quero mais bicicleta não, quero um rádio-gravador. Mas minha filha, a bicicleta não era o seu sonho? Era, mas demorou demais. Agora quero um rádio-gravador. E ficou nisso enquanto o pai se entristecia e guardava a bicicleta recém comprada num canto qualquer, enquanto ela foi pra televisão ver as novidades dos anúncios. Adorava os comerciais que passavam na programação, sonhava adquirir uma a uma das ofertas promocionais, pensando consigo: - Ah, como eu queria ser Davânia e ter tudo isso pra mim, eu seria a pessoa mais feliz do mundo! E a mãe repetia que o pai dela não era o tio que era médico com a esposa advogada, que podiam fazer todos os desejos da prima. O pai dela era um simples artesão que lutava na vida com muito esforço para conseguir o ganhapão. – Ah, mãe, o pai devia ser que nem tio Marcório! O tio é lindo, a tia Nadejita, também. Dão tudo pra Davânia. E eu, eu sou apenas uma menina triste que os pais não dão o que ela deseja. Vocês só querem me ver infeliz, chorosa. E a mãe explicava a situação e ela nada entendia. A mãe falava da vida e ela só sabia dos sonhos realizados nos contos de fadas e nas novelas da televisão. Adorava quando Davânia chamava pra ir pro shopping, passavam a tarde inteira juntas. Davânia comprando isso e aquilo, enquanto Cacildita ficava de olhos vidrados nas vitrines e carregando as sacolas dela. A prima comprou um celular sofisticadíssimo. – Ah, eu quero, vou pedir pra papai comprar pra mim -, disse ela à prima. – Pede pra teu pai um cartão de crédito, mulher, assim você compra o que quiser! -, disse Davânia. Eita! Depois de acompanhar a prima nas muitas compras que fez, sacolas e mais sacolas, ela foi para casa quando seu pai lhe o presente desejado: o rádio-gravador. – Ah, pai quero mais não! Demorou demais, agora quero um cartão de crédito para eu comprar o que eu quiser na hora que eu bem entender! Como? Minha filha, seu pai não ganhou na loteria, nem é rico como o seu tio! Ah, mãe, o pai que se vire, eu quero agora um cartão de crédito, e não é para demorar feito a bicicleta e o rádio-gravador que só chegaram quano eu não queria mais, coisas já perdidas. Agora eu quero um celular e ir toda tarde pro shopping fazer compras. Minha filha, ponha-se no seu lugar, a vida não é assim, você não é Davânia, nem seu pai e eu somos como o pai dela. Ah, mãe, eu quero, vocês que não querem me dar nada nem me fazer feliz. Vocês não querem a minha felicidade! Vocês só querem que eu seja uma menina triste, desamparada, sofrente, sem nada. Ah, como eu queria ter nascido filha de tio Marcório e tia Nadejita, assim, eu seria que nem a Davânia, teria tudo e seria feliz. Minha filha, o que você espera da vida? Ah, mãe, eu quero ser como a Davânia, igualzinha a ela em tudo, com a roupa dela, ah, que vestido lindo, você viu o penteado dela? Nossa, mãe, e o estojo de maquiagem? Até as calcinhas e sutiãs dela são de grife! Tudo um luxo. Ô mãe, você viu a sandália que ela comprou ontem? Muito chique, ah, mãe quero ser chique como ela, glamourosa e arrodeada de luxo, quero ter tudo o que ela tem e um príncipe encantado lindo de morrer preu casar e viver num castelo feliz para sempre! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. 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Imagem: a arte do artista plástico brasileiro Zéllo Visconti.

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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: Nu do pintor e escultor brasileiro Francesco Gallotti (1916 – 1983)
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