O COMEÇO DAS ARTEIRICES
Luiz Alberto Machado
A minha vida de arteiro começou de mesmo numa certa
tarde quando me surpreendi com uma encenação teatral no Ginásio. Para quem já
era um inheto bruguelo das presetadas todas, foi meio caminho andado pra
aprumar o rumo das ventas.
Tinha eu lá uns 12 para 13 anos de idade quando essa
dramatização no Ginásio promoveu uma motivação nunca antes sentida, a ponto de
reunir todas as minhas astúcias de tocador blém-blém para me dedicar a aprender
na vera o violão e, com isso, me arvorar nas enxeridas poetizações com
amostramentos no palco. Foi um achado.
Queria eu fazer teatro, na verdade teimava. E de
tudo: não só escrever a peça, mas compor as músicas e dirigi-la, influenciado,
evidentemente, por Chico Buarque desde Roda Viva.
Aí comecei logo de forma dedicada a pegar no violão
com espiadas filadas das revistas de cifras e de buticão agarrado nos acordes
que saltavam das demonstrações do Marco Ripe. E também do Gulu que era exímio
ao violão e Ozi, que à época se chamava Ozildo e já mandava ver no violão e na
minha viola de 10 cordas.
Fui ter aulas com Zito Arão, o maior violonista da cidade. Gente muito fina e educada que sacou de chapa que eu não levava jeito para tal, mandando-me embora pra casa.
No meio disso, deu-se, então, de eu conhecer o
cantor e artista plástico Luiz Barreto, filho do saudoso poeta e dramaturgo
Fenelon Barreto, numa outra tarde dedilhando suas canções Ambrosina e Mãos de Velho,
ambas inspiradas nas poesias do seu pai.
Barretinho tocava e cantava bem com seu jeitão e
repertório todo do Roberto Carlos, quando me peitou pra encenar uma das peças
do seu genitor. Ele havia flagrado todo meu fascínio pela arte teatral,
trazendo-me, de pronto, textos como “Adoração”, “Maldição”, “O náufrago da
Mafalda”, entre outros cadernos manuscritos pelo próprio autor com as peças. Li
tudo e me afeiçoei de cara com “O náufrago da Mafalda” que era uma comédia. Contudo,
o Barretinho botou o pé atrás e disse que eu devia trabalhar “Adoração”,
nascendo a nossa primeira lengalenga sem futuro.
Um detalhe: é que nas peças do Fenelon morriam
todos os personagens, o contra-regra, o ponto, o diretor e quem mais ousasse
estar no palco ou atrás dele, salvando-se somente a plateia por estar na
quarta-parede.
Era verdade, constatei ao lê-las todas, além de se
tornar notório e motivo de chistes amiudados.
Mas vamos lá.
Entramos num acordo depois de umas lapadas de
cachaça às meiotas e lavadas por meia grade de cervejas. Enfim, seria mesmo “Adoração”,
ponto final. Eu dirigia, o Barretinho coordenava e misturávamos tudo na produção.
Veio a escolha do elenco. Ele conhecia quem já havia atuado tanto nas peças do
seu pai e mandou ver na relação que convidei um por um: o memorável Givanilton
Mendes, o Guarino, o casal Dudu e Léia e mais outros que capturei no meio das
minhas enrolações.
Onde ensaiar? Eis o primeiro problema. No final das
contas depois de arrastar chinelo pra cima e pra baixo, semanas a fio, consegui
com o Promotor de Justiça, Laércio Dúa de Castro Pacheco, que os ensaios se
realizassem na sala do júri do Fórum da Comarca. Nada mais perfeito. Reuníamos
todas as noites lá.
Veio a hora da trilha sonora, ocasião que conheci
Fernando Bigodinho que já me apresentou ao Ozi que por sua vez me trouxe Gulu, Célio
Carneirinho, Ripe, Mauricinho e a gente começou o baticum, contando com o auxílio
luxuoso e orientador de Gildásio da Farmácia, o querido Gildásio Santana, bem
como com o apoio de Mauricio Melo, o tal baita também doutra Farmácia, pai de
Mauricinho e tio do Fernando Bigodinho.
Meio mundo de ensaio mais no voluntarismo que por domínio
da arte, chegou a hora de marcar o dia da estreia. Parecia que ia, mas não foi.
Nessa empolgação, eis que surge um porém que virou trupé ineivado.
Acontece que o distinto Fenelon tinha filhos como a
praga e eles queriam das peças do pai fazer fortuna. E o que era pra ser um
espetáculo teatral virou um nó cego ineivado de não ter Alexandre nos céus e na
terra que desatasse esse górdio. Virou teitei e a coisa gorou.
Anos e anos peiticando para encenar Fenelon até que
um dia, o Barretinho me levou em Gravatá para conhecer um dos seus irmãos, o
também poeta e artista plástico, Fernando Barreto. Não parecia conversa fiada,
pois que ficou apalavrado que a gente encenaria qualquer peça do pai deles,
optando eu pelo “Náufrago da Mafalda”, entretanto, mal tinha eu balbuciado que
iria reunir o elenco, nova pendenga nasceu e a filharada mandou ver caroço no
angu. Resultado: não deu nessa nem na outra.
Desapontado com o insucesso na empreitada do
Fenelon, eis que surge a queridíssima professora Jessiva Sabino de Oliveira e me
dispõe toda obra com técnicas de direção e encenação de Hermilo Borba Filho e com
a indicação para eu encenar outro autor palmarense, o Lelé Correa, que era pai
da minha primeira professora formal, Hilda Galindo Correa, aquela mesma que foi
responsável por meus primeiros cometimentos poéticos de rabiscar versinhos em
quadrinhas que foram publicados ainda na minha infância, no suplemento infantil
Júnior, do Diário de Pernambuco. Ainda mais a Jessiva não só me dispôs todo
acervo teatral da Biblioteca Pública Municipal, como me iniciou nas obras de
Shakespeare, Moliére, Gil Vicente, todo teatro grego antigo, Brecht, Oduvaldo
Viana Filho, Nelson Rodrigues e Gianfrancesco Guarnieri.
Imagem: foto da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, capturada do blog Minha Palmares.
Estava eu, então, solto feito pinto no lixo, anos
seguindo e eu lendo tudo imoderadamente.
Mil e uma ideias rodopiavam na cabeça quando, eureka,
veio a vontade de escrever o meu primeiro texto teatral. E em três dias, no
final do ano de 1976, estava eu com um texto prontinho: “Em busca de um lugar
ao sol sob a especulação imobiliária” – que anos mais tarde, sacando o despropósito,
mudei o título para simplesmente “O prêmio”. Um traste, mas eu estava
empolgado. Era uma sátira ao bipartidarismo reinante: era só Arena e MDB. Quer
dizer, o poder da ditadura dos militares de um lado, e, no outro, a mundiçada
num balaio só. Não tinha quem identificasse joio de trigo, uma misturada só. Pois
bem. Chamei a moçada da música pra gente fazer a trilha sonora, não vingou
nada. Aí caiu às minhas mãos o disco Zabumbê
Bum-Á, do Hermeto Pascoal que deu certinho no que eu queria. Depois
apareceu o ator Mano Germano, sobrinho do grande Claudionor Germano, que
capturei para dirigir e, também, integrar o elenco. Não deu outra: ensaiávamos
ora lá em casa, ora numa sala do Colégio Diocesano dos Palmares, cedido pelo
bispo Dom Acácio Rodrigues Alves e pelo então diretor do educandário, José
Duran y Duran.
Estávamos de vento em popa quando marcamos a estreia
da peça e em março de 1977, encenávamos na quadra do Colégio Diocesano com uma plateia
grandiosa e sob apresentação do poeta Juarez Correya.
Antes da peça fizemos um show com participação de
Ozi dos Palmares, Luiz Gulu Santos Braga, Célio Carneirinho, Marco Ripe, Zé
Ripe e eu fechando. Depois, a zona da peça que tinha no elenco Du Rego, eu,
Mano e uma penca de adolescentes doidos pra aparecer. Uma comédia que virou
isso mesmo mais pelas trapalhadas da gente do que pelo propósito do texto. Não
deu outra: sucesso retumbante. Uma festa. Por causa disso não larguei mais a
literatura, o teatro e a música.
DITOS & DESDITOS - A memória é sempre costurada. É preciso
escangalhá-la para abrir caminhos... Pensamento do escritor e professor moçambicano Ungulani
Ba Ka Khosa (Francisco
Esaú Cossa). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Deus sempre ajuda os loucos, os amantes e os bêbados. Há
quem se envergonhe muito mais de confessar um pecado do que de cometê-lo.
Já ouvi falar muito desses amantes lânguidos, mas nunca vi um deles morrer por
amor. Como duas pessoas infelizes costumam fazer, uma
procurou a outra. Embora o ciúme seja produzido pelo amor
como as cinzas são pelo fogo, o ciúme extingue o amor, como as cinzas apagam a
chama. Nunca conheci um zombador que não fosse
escarnecido, um enganador que não fosse enganado, ou um homem orgulhoso que não
fosse humilhado.
Pensamento da escritora Margarida
de Navarra (1492-1549), autora do Heptameron. Veja mais aqui.
HOLÍSTICA
– [...] Na visão holística os fenômenos jamais
podem ser entendidos isoladamente [...] A
nova consciência holística só será desenvolvida com a percepção da
interdependência entre os vários planos da totalidade: pessoal, comunitário,
social, planetário e cósmico. Tudo o que ocorre em um dos planos repercute nos
demais [...] Surge então um novo
conceito de espiritualidade. [...] o
paradigma holístico vê a espiritualidade do homem como integração teórico-vivencial
com a totalidade cósmica, através dos planos: pessoal, comunitário, social e
planetário. Cada um desses planos possui as propriedade de poder, duração,
unidade, importância. Tais propriedades se encontram em geral máximo no plano
cósmico ou espitiral. São as qualidades do Tao na filosofia milenar chinesa. A despeito
dos muitos significados do termo espírito, é importante salientar que no
paradigma holístico ele é entendido no sentido bergsoniano: a energia vital que
abrange unitariamente o intelecto, as emoções e a nossa própria força física.
[...] Nesse sentido, a essência da espiritualidade
não está na crença da superstição, de dogma ou de instituição religiosa. Ela se
encontra na profunda identificação de nossa existência com outros seres (vivos
ou não) e, em consequência, com a totalidade do ser. [...]. Trecho extraído
da obra A canção da inteireza: uma visão
holística da educação (Summus, 1995), Clodoaldo
Meneguelo Cardoso. Veja mais aqui, aqui e aqui.
INSONE:
Cidade do norte da Nigéria cujos
habitantes têm o hábito singular de jamais dormir e, portanto, não têm ideia do
que seja o sono. Trata-se de um lugar particularmente perigoso para
estrangeiros. Se o viajante negligenciar o hábito noturno local e cair no sono
– como está provavelmente acostumado a fazer à noite -, os nativos, julgando-o
morto, cavarão uma grande cova e, sem maiores cerimônias, o enterrarão
imediatamente. Recolhido da obra “Routledge, 2014), do etnólogo, antropólogo e advogado
britânico Arthur John Newman Tremearne
(1877-1915). Veja mais aqui.
O ESPÍRITO DA VIDA – [...] o espírito
não é entendido como parte do ser humano ao lado do corpo, mas como totalidade humana
enquanto é vida e fonte de energia vital. [...]. Extraído da obra Ecologia, mundialização, espiritualidade: a emergência
de um novo paradigma (Ática, 1993), do
escritor, teólogo e professor universitário Leonardo Boff. Veja mais aqui e
aqui.
A HORA DOS RUMINANTES - [...] A amizade
é uma estrada de ida e vinda, e com Amâncio não tinha vinda; quem desse a mão a
ele para erguê-lo do chão ainda corria o risco de receber desfeita. [...]. Parece que toda a cidade precisa ter um
louco na rua pra chamar o povo à razão. [...]. Trechos extraídos da obra A hora dos ruminantes (Civilização
Brasileira, 1978), do escritor
do realismo fantástico brasileiro José
J. Veiga (1915-1999). Veja mais aqui e aqui.
DOIS POEMAS
- DA
CALMA E DO SILÊNCIO - Quando eu morder / a palavra, / por favor, / não me
apressem, / quero mascar, / rasgar entre os dentes, / a pele, os ossos, o
tutano / do verbo, / para assim versejar / o âmago das coisas. / Quando meu
olhar / se perder no nada, / por favor, / não me despertem, / quero reter, / no
adentro da íris, / a menor sombra, / do ínfimo movimento. / Quando meus pés / abrandarem
na marcha, / por favor, / não me forcem. / Caminhar para quê? / Deixem-me
quedar, / deixem-me quieta, / na aparente inércia. / Nem todo viandante / anda
estradas, / há mundos submersos, / que só o silêncio / da poesia penetra. DO
FOGO QUE EM MIM ARDE - Sim, eu trago o fogo, / o outro, / não aquele que te
apraz. / Ele queima sim, / é chama voraz / que derrete o bivo de teu pincel / incendiando
até ás cinzas / O desejo-desenho que fazes de mim. / Sim, eu trago o fogo, / o
outro, / aquele que me faz, / e que molda a dura pena / de minha escrita. / é
este o fogo, / o meu, o que me arde / e cunha a minha face / na letra desenho /
do auto-retrato meu.
Poemas da escritora Conceição Evaristo. Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Alô, alô
Recife, tô chegando, Aníbal Machado, Chico Buarque, Pedra de Roseta,
Otto Maria Carpeaux, António Pedro, Maura de Senna Pereira, Teatro Grego, Todd
Solondz, Selma
Blair, Viva a diferença & o Brasil contra a corrupção aqui.
E mais:
Formação
docente na Educação Especial, Literatura de Cordel & Bienal do Livro de
Alagoas aqui.
O
professor & a Inclusão, Pedro Onofre, Simone Moura Mendes, Sandra Magalhães
Salgado, Justiça à Poesia & Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Educação
& Cidadania, Cidinha Madeiro, Mácleim, Íbys Maceioh, Carlito Lima, Naldinho
Freire, Lucciana Fonseca, Fagner Dubrown, Aline Romariz & o Portal do Poeta
Brasileiro, Teco Seade, Demis Santana, Rogério Dias & Bienal do Livro de
Alagoas aqui.
Educação
Especial & Inclusão, Ronaldo Freire & Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Inclusão
Escolar, Arriete Vilela, Demis Santana, Jorge Calheiros, Ricardo Cabús, Geraldo
Câmara, Maria Luísa Russo, Chico de Assis & Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Leitura,
Aprendizagem & Prática Pedagógica, Maria Teresa Pereira & Proler,
Queridina & Macambira, Carolina Leopardi, Isvânia Marques, Jorge Calheiros
& Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Leitura,
Celso Sisto, Aline Romariz & Portal do Poeta Brasileiro, Simone Cavalcante,
Ricardo Cabús & Instituto Lumieiro, Gal Monteiro, Fátima Maia, Rogerio
Dias, Cida Lima & Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Lêdo
Ivo, Brincar & Aprender, Cidadania & Direitos Políticos, Aline Romariz,
Simone Moura Mendes & Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Educação,
Interdisciplinaridade & Transversalidade, Orientação Sexual, Turma da
Carochinha & Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Educação
& Temas Transversais, Maria Luísa Russo, Marcia Sarmento & Turma da
Carochinha, Bienal do Livro de Alagoas aqui.
Falando
de Sexo, Simone de Beauvoir, Eduardo Galeano, Erik Erikson, Wilhelm Reich,
Rudolf Peyer, Ana Maria Fonseca Zampieri, Jurema Furlani, & Zine
Tataritaritaritatá aqui.
Habermas,
República & Civilização Brasileira, Inclusão & Doro aqui.
Cento e
oitenta e sete horas de amor aqui.
Princípio
da Afetividade, Palavra Mínima & Fátima Maia aqui.
Michael
Moore & Capitalism, a love story aqui.
Todo dia é dia da mulher aqui.
Palestras: Psicologia, Direito & Educação aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Art by Ísis Nefelibata
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
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