AS PRESEPADAS DE MARQUINHOS E MARCELO
Éramos os três sebosos cavaleiros do
após carito assado, os três patetas do mosquiteiro nas paradas: eu, Marquinhos e Marcelo – o trio de trastes pariceiros da boba-torrêro. E com essa dupla ducarulho
eu aprontei de tudo na infância e adolescência.
Contava eu com a buliçosa idade de 4
anos, quando fui desexilado: é que por causa do nascimento da minha irmã
Aninha, tive que ser jogado pros meus avós paternos no Engenho Badalejo, em
Agua Preta, até ela tomar corpo e eu não matá-la com meus mimos exagerados.
Nesse exílio eu virei o roliúde: roliço de gordo, tamburete-de-zona e criador
de mentiragem.
Pois bem, tudo começou com a minha
volta de filho pródigo, levado para aprender as primeiras letras com a
prima-tia Sônia Cabral. Toda tarde lá ia eu pra casa de Pai Lula e Carma, meus
avós maternos, me alfabetizar (e reinar!). E quando chegava o finalzinho da
tarde, Marquinhos e Marcelo davam as caras ao largarem da escola. Aí que
começava o trupé. Eu era só: - Maikin, Matchelo, vamo brincá?! Eu menor que
eles, virava a bola da vez até tarde da noite.
Era na casa deles que eu me sentia
verdadeiramente no meu lar. A acolhida de Carma, meritória de todas as minhas
homenagens, era aprazível demais, além de me deixar guardado na cabeça aquele
seu sorriso lindo como o melhor momento da minha vida toda.
Pai Lula, chegando do trabalho cheio de
pacotes, logo a me chamar com presentes e todo dia eu era agraciado sempre com brinquedos
da minha preferência. Todo santo dia ele marcava presença com um brinde, afora
suas brincadeiras de bulir comigo e me chamar de inheto, porque eu não parava
quieto com nada.
Na casa deles eu tinha espaço para as
maiores peraltices com meus parceiros.
Maikim-ôio-de-ximbra era o maior,
parecia mais o Jeguim do Lobisomem Zonzo. Todo xerife, era quem mandava,
desmandava, arredava e desarredava. Pagava e passava troco. Eu e Matchelo
éramos suas cobaias.
Foi assim que deu de Maikim e Tchelo
chegarem de manhazinha lá em casa pra gente sapecar trelosidades no quintal.
Muitas e muitas de manhã lá em casa, de tarde na casa deles.
Tudo ia bem até o dia que os dois me
deram corda de colocar em prática minha mania de super-herói. Assim foi: com
uma toalha de algodão aos trapos amarrada no pescoço como capa e um
guarda-chuva quebrado como arma, fui me atrepar no pé de goiaba e lá de cima
gritei: - Maikin, Tchelo, sou super-herói! Vou voar!
- Sai daí, desgraçado, tu morre! -,
gritava Maikin todo mandão.
Eis que eu todo maluvido, abri o
guarda-chuva e gritei: - Vou descer de pára-quedas!
Teibei.
Lasquei o quengo no chão de quase
quebrar o pescoço e todos os ossos. Horas e horas no balão de oxigênio,
desmaiado.
– Tais vendo tu? Eu num disse!? –
Implicava Maikim.
Esse foi o motivo de minha mãe parar
com a bagunça e não deixar mais eu brincar com eles, mesmo com minhas insistentes
e chorosas súplicas para eles ficarem. Até reclamar eu ia pra Carma:
- Maínha num deixa, Carma! Num deixa!
Por isso eu fugia todo dia e o dia todo
pra casa deles. Minha mãe enlouquecia sem saber meu paradeiro: estava eu nas
travessuras com a dupla. Não tinha jeito.
Fui então matriculado na escola da
Fraternidade Palmarense para evitar nossos encontros e lá logo me ocupei de
paixonite aguda pela professora Hilda Galindo Correia. No meio das tarefas, eis
que os gazeteiros Maikim e Matchelo botavam a cara na janela da escola: estavam
pulando no pó-de-serra da serraria vizinha. Oxe, quando findava a aula, a gente
se juntava e danava a trelar. Era jogar pedra, plantar bananeira, timbungar no
Riacho dos Cachorros, apostar carreira com o cata-corno, virar bundacanasca, o
escambau. Até que a gente brigava um com o outro: eu apanhava de Maikim e me
vingava no Matchelo, esse o saco de pancada, apesar de ser mais alto que eu.
Não que ele fosse tão molenga, nada disso. Era que ele não tinha jeito mesmo
pra briga e, ainda por cima, medo da minha mãe. Mais a segunda que a primeira.
Nessa maloqueragem toda, fui crescendo
e com um bigodinho ralo embaixo da venta aos 10 anos, fui iniciado no vício de
beber e fumar com meus comparsas de traquinada. A gente estava tomando jeito de
gente adulta. Maikim logo me apresentou à música de Woodstock, Rita Lee, rock
pauleira e MPB. Ficávamos a tarde toda nós três fumando e bebendo no quarto de
Sonia, Deínha e Fátima, a caçula. Coitadas. Até que fomos expulsos por Sônia,
deixando uma inhaca de cigarro, bebida, peidos e chulé, delas não dormirem de
noite. Resultado: reservaram o último quarto pra nós três. Era um misto de dormitório
com despensa, almoxarifado e local de monturo pra brebotes e tralhas gerais.
Era isso mesmo que a gente era: o descarte do imprestável.
Ah, verdade: Maikim tinha um chulé da
porra, chega Matchelo que passou a se chamar Marcelo Puara, viver tísico e
lívido. Não sei como ele não morreu logo disso, deixou pra um acidente
automobilístico anos mais tarde já quando a gente era adulto. Além disso,
fumávamos os três. De tudo: de pascaio de fumo de corda até outras não
apropriadas puxadelas às baforadas.
Maikim também foi graduado na Universidade
de Tó Zeca: Mentirologia. E apois: o cabra mentia chega o cu dele apitava. E eu
que era achegado a umas petas e patranhas, me tornei discípulo do discípulo: a
gente se lascava de rir com os nossos próprios embustes inocentes. Era cada
lorota da gente findar acreditando mesmo. Dávamos como tido e acontecido.
Pilhéria de incorrigíveis mitômanos.
Marcelo também tinha um vício feio:
peidar e tocar fogo. Era. A flatulência fedia como a praga, parecia mais o
borborigmo da hecatombe. Razão pela qual fora recomendado insistentemente a se
tratar à base de suco de graviola pra não empestar ambientes nem causar danos à
saúde de ninguém. Por causa disso ele na horagá já empunhava isqueiro pra
aplacar a fedorenta bufa: riscava fogo. Arrepara só. Não deu outra: um dia por
acidente me inspirou a noveleta Tocha Humana. Isso sem contar com as leseiras
de chistes e anedotas herdadas de Pai Lula, inventando de chamar todo mundo de
Puara até ser homenageado em vida com criação de um bloco carnavalesco.
Passamos a adolescência no meio de
verdadeira olimpíada da cachaçada: Marcelo na loja o dia todo com conversa mole
e miolo de pote, amolegando a pêia, tirando catota da venta, mangando do povo e
criando neologismos insensatos e risíveis. E Marquinhos enrolado com mulheres e
bandas, já cantava e sumia da loja, a ponto de Paulo Roberto me dizer: -
Marquinhos saiu cinco minutos antes de chegar. Se quiser se esconder dele,
fique aqui. Era o que repetiam os irmãos Beco-professor-Pardal e Zinho-meu-cumpade.
Não conto às vezes que Paulo saiu comigo para buscá-lo na casa de caixa-pregos,
metido com meio mundo de meninas que desmaiavam com seus olhos verdes e
cantarolando canções e pulhas.
E eu? Depois de uma atrapalhada
formação profissional de carimbador oficial e registrador de sentenças no tombo
do cartório da família, virei bancário de meia-tijela e defenestrado para tapar
buraco numa emissora de rádio, virar gerente ad-hoc em revenda de automóveis e
me desaprumar o resto da vida na minha sem serventia para nada que prestasse.
Pois é. Saudades de Marcelo Puara,
esteja em paz. Saudades do Maikim: sucesso procê, mermão. Vamos juntos. O
coração segue pro futuro com vocês todos dentro dele.
DITOS &
DESDITOS - O futuro da humanidade será decidido nas
próximas duas gerações, e há dois requisitos absolutos: devemos almejar uma
sociedade estatal estável (com crescimento populacional limitado) e a
destruição dos arsenais nucleares... Caso contrário, não Vejo como podemos
sobreviver bem além de 2050. Pensamento do bioquímico francês Prêmio
Nobel de Medicina de 1965, Jacques Lucien Monod (1910-1976).
ALGUÉM FALOU: A literatura é mais eficiente, barata, dá mais prazer e, a menos que a
pilha de livros na mesa de cabeceira caia em cima do leitor, não tem efeitos
colaterais. Pensamento do escritor e médico gaúcho Moacyr Scliar
(1927-2011). Veja mais aqui, aqui e aqui.
TRABALHO – [...] Trabalho, segundo a etimologia, é tormento e
tortura. Tortura é sofrimento executado para obter revelação. As doenças são os
instrumentos da vida pelos quais o vivente – desde que se trate do homem –
sente-se obrigado a confessar-se mortal. [...]. Trecho extraído da
obra Ecrits sur la medicine (Seuil, 2002), do filósofo e médico francês Georges
Canguilhem (1904-1995). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O CONHECIMENTO & A ARTE – [...] Qualquer
atividade mental produz um conhecimento; se a arte não produzisse, seria uma
brincadeira inútil. Mas o conhecimento artístico distingue-se do científico e
do místico. O conhecimento científico alcança-se por meio de tipos e
categorias, que a razão formula como verdades. O conhecimento místico deve-se à
completa dedicação do indivíduo ao universal, sem recorrer à razão. O
conhecimento artístico também não se deve à razão, mas, em vez de ser dedicação
ao universal, é conhecimento individual, de um individual em que o universal presumivelmente
se espelha [...]. Trecho extraído da obra História da crítica de arte (Ed.
70, 1984), do historiador da arte italiano Lionello
Venturi (1885-1961), que também expressa que: A arte alimenta-se de ingenuidades, de
imaginações infantis que ultrapassam os limites do conhecimento; é aí que se
encontra o seu reino.
HYPERION - [...] Ocorre-me
que nossa sobrevivência pode depender de falarmos uns com os outros. [...] No começo era a palavra. No final... honras
passadas, vidas passadas, cuidados passados... No final será a Palavra. [...]
A crença na identidade de alguém como
poeta ou escritor antes do teste ácido da publicação é tão ingênua e inofensiva
quanto a crença juvenil na imortalidade de alguém… e a inevitável desilusão é
tão dolorosa. [...] A evolução traz
os seres humanos. Os seres humanos, através de um processo longo e doloroso,
trazem a humanidade. [...] Em tais
segundos de decisão, futuros inteiros são feitos. [...] Na Velha Terra do século XX, uma cadeia de
fast food pegava carne de vaca morta, fritava em graxa, adicionava substâncias
cancerígenas, embrulhava em espuma à base de petróleo e vendeu novecentos
bilhões de unidades. Seres humanos. Vai saber. [...] Há uma plenitude e uma calma lá que só podem vir de conhecer a dor.
[...] As palavras são as únicas balas na
bandoleira da verdade. E os poetas são os franco-atiradores. [...]. Trechos
extraídos da obra Hyperion (Gateway, 2011), do escritor estadunidense de ficção
científica, Dan Simmons, uma homenagem ao poeta John Keats e conta sobre a vida no
século 28, quando a humanidade se espalha por toda galáxia quando a sua arrogância
irracional resultou na morte do planeta Terra. Veja mais aqui.
FACILITA (TATARITARITATÁ) - Comadre Joana sempre reclamou / Da mini saia que a filha tem / O
namorado se invocou também / E certo dia pra ela falou / Tua saia, Bastiana,
termina muito cedo / Tua blusa, Bastiana, começa muito tarde / (Tua saia,
Bastiana, termina muito cedo) / (Tua blusa, Bastiana, começa muito tarde) / Mas
ela respondeu, oi facilita / Pra dançar o xenhenhém, (oi, facilita) / Pra
peneirar o xerém, (oi facilita) / Pra dançar na gafieira, (oi facilita) / Pra
mandar pra lavadeira, (oi facilita) / Pra correr na capoeira, (oi facilita) / Pra
subir no caminhão, (oi facilita) / Pra passar no ribeirão, (oi facilita) / Comadre
Joana sempre reclamou / Da mini saia que a filha tem / O namorado se invocou
também / E certo dia pra ela falou / Tua saia, Bastiana, termina muito cedo / Tua
blusa, Bastiana, começa muito tarde / (Tua saia, Bastiana, termina muito cedo)
/ (Tua blusa, Bastiana, começa muito tarde) / Mas ela respondeu, oi facilita / Pra
dançar o xenhenhém, (oi, facilita) / Pra peneirar o xerém, (oi facilita) / Pra
dançar na gafieira, (oi facilita) / Pra mandar pra lavadeira, (oi facilita) /Pra
correr na capoeira, (oi facilita) / Pra subir no caminhão, (oi facilita) / Pra
passar no ribeirão, (oi facilita) / Tatari tari tá tá (oi facilita) / Pra
brincar na cachoeira (oi facilita) / Rã rã rã rã rãrã (oi facilita) / Pra
dançar na gafieira, (oi facilita) / Pra correr na capoeira, (oi facilita) / Pra
mandar pra lavadeira, (oi facilita)... Letra da música do compositor Luiz Ramalho (1931-1981, também se
assinava como Luiz Santa Fé), integrante dos Ramalhos da Paraíba, gravada pelo Rei
do Baião, Luiz Gonzaga (1912-1989). Ramalho é autor de muitos sucessos, tais
como Foi Deus quem fez você (gravada por Amelinha), Veio d’água (gravada por
Elba Ramalho), Roendo unha, Daquele jeito e Retrato de um forró (gravadas por
Luiz Gonzaga). Veja mais aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Nada como o sol raiando para um novo dia, Mary Del Priore, Mark Twain, George Frideric Handel, Kóstas Ouránis, Sarah Connolly, Mika Lins, Dora Carrington, Christopher Hampton, Emma Thompson, William-Adolphe
Bouguereau, Melanie Lynskey, Mariza Lourenço, Sexualidade & Erotismo aqui.
E mais:
O
presente na festa do amor aqui.
O
serviço público & a responsabilidade do servidor público aqui.
Os
crimes de sonegação & o Direito Penal & Tributário aqui.
O tango noturno molhando o
desejo aqui.
Fecamepa
no reino da ficha suja aqui.
Aids
& Educação, John Dewey & Pesquisa em Educação aqui.
A
psicologia, os adolescentes & as DST/AIDS aqui.
Todo dia é dia da mulher aqui.
Palestras: Psicologia, Direito & Educação aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Leitora Tataritaritatá!
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.