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segunda-feira, junho 01, 2020

EDGARD VARÈSE, LYUDMILA TOMOVA, TOM ZÉ, LUCIA HELENA GONDRA & DEMOCRACIAS MORREM


DIÁRIO DE QUARENTENA – UMA: É CADA UMA QUE NEM CONTO – Pois é, chega! Quebrei a caixa, mudei de casca, troquei de pele, juntei os trapos e as mirradas lembranças para saber o que envergonha e o desesperador: apenas o silêncio e a solidão. Tudo que fiz até agora foi em vão, tão inútil quanto saber-me nem cético, nem cínico, apenas que já estava no sangue o louco de nascença atravessando anos de desencontros pelo insólito, para me perder por tão poucos reencontros. É tarde demais, nem sei quantos remorsos, tantas travessias, a vida eclipsada pisando em falso, engolindo mosquitos, tentando me desvencilhar de socos no estômago por escapulidas nem sempre escorregadias. A despeito dos embaraços envelheci desgracioso e desajustado, nada mais, apenas menino pés alados e desajeitado, levado pela corrente ao vento entre pedras e margens da minha desordem e indignação. Queria apenas contar uma historinha simplesmente humana, e em voz alta como uma oração estranha e própria aos que se foram e saudando os vivos, fazer a minha parte, apenas, como se salvasse o planeta do lixo um tantinho assim, feito o beija-flor de Crema: é pouco, mas sou eu, não sou nada. DUAS: APRENDIZ DE FEITICIEIRO, AEQUO AMENOS – Mesmo assim, extenuado dos inúteis esforços diante das inconveniências e misérias, tanto nado contra a corrente e do estresse da normalidade para não ser apenas um código de barras, ou um animal pensante ou sei lá o quê. O normótico é tão desumano e não me basta por ser tão aborrecido e enlouquecedor. Nem ligo pras galhofas se sou um fracassado de Jung, sei que não sou mais estúpido por absoluta falta de espaço, enquanto o grotesco está na esquina e eu encaro em cima da fivela sem sair da raia. Por incrível que pareça, já fiz de tudo tanto por vocação da necessidade em alta voltagem que nem sei mais, só não quero confundir as coisas: sou a favor de tudo que não seja contra o sujeito, apenas. Com os dias contados botei todas as portas abaixo para enfrentar o flagelo das interdições, tudo desapareceu, graças. Mesmo que tenha que aturar a chatura, dou umas risadas esclarecedoras com o GregNews, ou refletindo com o Meteoro e o Normose, ou seguindo o coletivo ciberativistas Sleeping Giants, enquanto vou xexéu assobiando Quintana passarinho. TRÊS: PANTA RHEI – Tudo passa, tudo flui. O assobio segue morros e abismos, quer ser indene e distingue vis-à-vis o que vem do bem e bom, quase premonitório visionário suplantando as nuvens de cocô de alcestes coisonários com seu negacionismo da distopia transnacional e estereótipos ad bestias! Sem nem saber vai arrebentando a anomia catingosa feita de coprólitos e flatulências dos que insistem suplícios nas arenas, ah, ignoro o desprezível com suas tolices letais do cúmulo da parvoíce humana. Ainda ouço a sátira de Bernard Shaw: A democracia é um sistema que faz com que nunca tenhamos um governo melhor do que merecemos. Sorrio e persigo solfejando a Carta à República de Milton e Brant: Quero um país melhor! Se der jeito, ou se quiser, vamos aprumar a conversa, gente! Até mais ver! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para justificar medidas antidemocráticas. [...] Como não há um momento único – nenhum golpe, declaração de lei marcial ou suspensão da Constituição – em que o regime obviamente “ultrapassa o limite” para a ditadura, nada é capaz de disparar os dispositivos de alarme da sociedade. Aqueles que denunciam os abusos do governo podem ser descartados como exagerados ou falsos alarmistas. A erosão da democracia é, para muitos, quase imperceptível. [...] As democracias funcionam melhor – e sobrevivem mais tempo – onde as constituições são reforçadas por normas democráticas não escritas [...] a tolerância mútua, ou o entendimento de que partes concorrentes se aceitem umas às outras como rivais legítimas, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais. Trechos extraídos da obra Como as democracias morrem (Zahar, 2018), dos professores e cientistas políticos estadunidenses, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, realizando uma análise crua e perturbadora do fim das democracias em todo o mundo, comparando o caso de Trump com exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos, tais como da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 à atual onda populista de extrema-direita na Europa, passando pelas ditaduras militares da América Latina dos anos 1970, fazendo uma alerta: a democracia atualmente não termina com uma ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou de um golpe militar; agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas – como o judiciário e a imprensa – e a erosão gradual de normas políticas de longa data. Veja mais aqui, aqui & aqui.

A MÚSICA DE EDGARD VARÈSE
Deve-se pensar em termos de som e não em termos de notas sobre o papel. Minha linguagem é naturalmente atonal ainda que certos temas, certas notas repetidas, à maneira das tônicas, constituam eixos em torno dos quais as massas parecem se aglomerar. Deste modo o desenvolvimento musical cresce pouco à pouco graças à repetição de certos elementos que se apresentam sempre sob diferentes aspectos, e o interesse aumenta graças à oposição dos planos e graças ao movimento das perspectivas. Se os temas reaparecem, eles ocupam sempre uma função distinta num meio novo (os volumes). Quando os novos instrumentos me permitirem escrever música tal como a concebo, os movimentos das massas e o deslocamento dos planos sonoros serão claramente perceptíveis na minha obra e tomarão o lugar do contraponto linear. Eu pessoalmente gosto muito da definição de H. Wronsky: 'A música é a corporificação da inteligência nos sons'.
EDGARD VARÈSE - Trechos extraídos da obra Écrits (C. Bourgeois, 1983), do compositor francês Edgard Varèse (1883-1965), reunidos e apresentados pela professora e musicóloga canadense, Louise Hirbour. O compositor definiu os parâmetros para uma nova ética da pesquisa musical, com o rigor da firmeza artística desligada de teorias apriorísticas, com o propósito visionário de referência do estado de inquietude.
&
A DEMOCRACIA DE TOM ZÉ
Democracia que me engana / na gana que tenho dela / cigana ela se revela, aiê; / democracia que anda nua / atua quando me ouso / amua quando repouso. / É o demo o demo a demo / é a democracia / é o demo o demo a demo / é a democracia. / Democracia, me abraça / com tua graça me atira / desfaz esta covardia, aiê; / democracia não me fere / mira aqui no meio / atira no meu receio. / Democracia que escorrega / na regra não se pendura / na trégua não se segura, aiô; / democracia pois me fere / e atira-me bem no meio / daquilo que mais eu mais receio. / Democracia, não me deixe / sou peixe que fora d'água / se queixa, morre de mágoa, aiê; / democracia não se dita / maldita seja se dura, / palpita pela doçura.
Democracia, do álbum No Jardim da Política (1984), parceira de Tom Zé e Vicente Barreto. Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE LYUDMILA TOMOVA
No meu trabalho, mesclo elementos abstratos e realistas para criar clima, movimento e uma impressão do mundo ao nosso redor e dentro de nós. Minhas pinceladas estão se movendo, empurrando, emergindo e esmagando, mas nunca estão quietas e quietas. No meu trabalho recente, eu pintei o estilo alla prima, acrescentando espontaneidade, ousadia e elegância de uma só vez. Eu pinto contando histórias mágicas e evocando emoções complexas.
LYUDMILA TOMOVA – A arte da premiada pintora, ilustradora e designer editorial búlgara Lyudmila Tomova, que estudou realismo clássico na Academia de Belas Artes de Sofia e mais tarde na FIT em Nova York, onde estudou ilustração, além de sua experiência artística diversificada há mais de 20 anos. Veja mais aqui e aqui.

PERNAMBUCULTURARTES
A arte da pianista e compositora Lucia Helena Gondra, autora de frevos como Riso largado no passo rasgado, Vou de reboque, Os bordões, entre outros sambas, choros e frevos de blocos.
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A música do pianista, maestro e compositor Marlos Nobre aqui.
Outro sol se levanta, do escrito Pelópidas Soares (1922 – 2007) aqui.
Rio Una: poemas, do poeta, jornalista, economista e folclorista Jayme Griz (1900-1981) aqui.
A realidade social da ficção, do sociólogo Sebastião Vila Nova aqui.
A arte da fotógrafa, artista visual e pesquisadora Ana Lira aqui.
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A Praieira em Água Preta aqui.


quarta-feira, abril 22, 2009

ALEJANDRA PIZARKIN, ALICE TOKLAS, SARAMAGO, GRAMSCI, FRAGONARD, LYUDMILA TOMOVA, RHÉA & EFEITO MATILDA



A arte do pintor francês Jean-Honoré Fragonard (1732-1806). Veja mais aqui.

EVOCAÇÃO À RHÉA –(Imagem: Art by Lyudmila Tomova) - Canto a mulher, a titânide Rhéa, irmã do tempo destronado e nascida na floresta e cuidada por animais ferozes. Cantarei o hino homérico para ouvir sua voz clara de graça sobre as ecoantes montanhas nos leitos lenhosos de rios. Esta a minha celebridade como na Frígia, em Creta e no simulacro de Pessino. Estou no Templo da Vitoria do monte Palatino, aos uivos celebro os seus dissolutos mistérios entre oboés e címbalos, bato palma no chão e danço com o buxo da flauta e o pinheiro dos desgraçados. Celebro a Magna Mater deorum Idae conduzida pelos carros dos leões, suas vestes verdejantes transparentes, deusa nua para alegrar meu coração. Sou viril e pronto diante dessa mulher robusta com sua coroa de carvalho – a árvore que alimentou em mim o homem primevo, porque é ela quem me dá a chave dos tesouros escondidos no seio da Terra pelo inverno, só oferecidos no estio de sua nudez. É ela Cibele, a mãe dos Deuses e deusa da fertilidade, aquela que estive esperando caverna do Monte Ida, em Creta, com os curetes, ninfas e o leite de Aix e Almateia pronto para o nosso rito orgíaco, boca, sexo, corpalma. Para ela cantarei as asas compridas da lua e beijarei seu semblante imortal e sua láurea dourada de acolhedores cabelos. É ela a egípcia Ísis com quem sou voos pelo reino de Creta, Arcádia, Beócia e Atenas, vou me refugiar nas montanhas com as criaturas selvagens do seu séquito. É ela Gaia do meu canto para os que vagam errantes, os que habitam o mar e os que voam perdidos. Sou nutrido por sua fortuna e usufruo sua fartura. É ela a nórdica Frigg e a senhora das muralhas da Frígia e de todas as estações, mãe do panteão grego e rainha dos leões. É ela a deusa da natureza, senhora da vida que guarda ao seio os seus filhos mortos, conhecedora dos grandes mistérios do mundo. É ela a venerável matrona com seu manto de nuvem e pássaros, e a criação do mundo no seu útero, como as mães celtas Danu e Cerridwen. Venho ao movimento do amplo e alto céu, os ventos dos mares, venturosa deusa dos benévolos desígnios, para a minha paz e salvação, e cantarei o hino homérico para sua glória, e cantarei seus outros nomes, Cibele, Ops, Terra, Titeia, Gaia, Telus, Vesta, a sempre bela e nua sentada sobre o rochedo e eu sei que me virá como sempre veio, uma deusa feita serpente de sete línguas porque sou filho único e quero o seu mundo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.


DITOS & DESDITOS - A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem. Somos criadores de nós mesmos, da nossa vida, do nosso destino e nós queremos saber isto hoje, nas condições de hoje, da vida de hoje e não de uma vida qualquer e de um homem qualquer. O presente contém todo o passado. Pensamento do filósofo e cientista político italiano, Antonio Gramsci (1891-1937). Veja mais aqui.

ALGUÉM FALOU: [...] Eu sinto com meus olhos e não faz nenhuma diferença para mim em qual língua eu escuto, eu não escuto numa língua, eu escuto tons de voz e ritmos, mas com meus olhos eu vejo palavras e frases e para mim só existe uma língua e é o inglês [...]. Pensamento extraído da Autobiografia (Cosac Naify, 2009), da escritora estadunidense Alice B. Toklas (1877-1967).

EFEITO MATILDA – É a denominação frequente contra o reconhecimento das atribuições de mulheres cientistas em pesquisas, frequentemente atribuídos aos seis colegas homens. Essa nomenclatura foi descrita pela sufragista e abolicionista do sécuo XIX, Matilda Jslyn Gage, no ensaio Woman as Inventor, e cunhado em 1993 pela historiadora da ciência Margaret Rossit. Este efeito está relacionado com o efeito Matthew, uma vez que cientistas eminentes frequentemente recebem mais crédito do que um pesquisador comparativamente desconhecido, mesmo que seu trabalho seja em conjunto ou similar. Nesse casso, há um rol de exemplos, como o da médica italiana Trotula, Nettie Stevens, Maria Sklodowska Curie, Lise Meitner, Marietta Blau, Rosalind Franklin, Jocelyn Bell Burnel, entre outras. Veja mais aqui & aqui.

QUATRO POEMAS – I - Não sei sobre pássaros, / não conheço a história do fogo. / Mas creio que minha solidão deveria ter asas. VOZ MENDIGA - E ainda me atrevo a amar / o som da luz numa hora morta,/ a cor do tempo num muro abandonado. / Em meu olhar o perdi todo. / É tão distante pedir. Tão perto saber que não há. SOMBRAS DOS DIAS QUE VIRÃO – Amanhã / me vestirão com cinzas na aurora,/ me encherão a boca de flores / Aprenderei a dormir / na memória de um muro, / na respiração / de um animal que sonha. AMANTES – uma flor / nos leitos da noite / meu corpo mudo / se abre / na delicada urgência do orvalho. Poemas da escritora argentina Alejandra Pizarkin (1936-1972). Veja mais aqui.


O EVANGELHO DE SARAMAGO

“(...) Eva errou por desobediência. Aumentarei os sofrimentos da tua gravidez, os teus filhos nascerão entre dores, e hoje, passados já tantos séculos, com tanta dor acumulada, Deus ainda não se dá por satisfeito e a agonia continua”.

“(...) sempre o dia chega em que a verdade se tornará mentira e a mentira se fará verdade”.

“(...) Ora, por ser cidade maior, e apesar de ter sido nela que Deus mandou edificar a sua morada terrestre, a Jerusalém não chegam esses humanitários regulamentos, razão por que, para quem não traga dinheiros na bolsa, nem trinta, nem três, o remedio sempre será pedir, com o provavel risco de se ver repelido, por importuno, ou então roubar, com o certissimo perigo de vir a sofrer castigo de flagelação e cárcere, senão punição pior. Roubar este rapaz não pode, pedir, este rapaz não quer, vai pousando apenas os olhos aguados nas pilhas de pães, nas pirâmides de frutos, nas comidas cozinhadas expostas em bancas ao longo das ruas, e quase desmaia, como se todas as insuficiências nutritivas destes três dias, descontando a mesa do samaritano, se tivessem reunidos nesta hora dolorosa...”

“(...) A culpa é um lobo que come o filho depois de ter devorado o pai, esse lobo de que falas já comeu o meu pai, então só falta que te devores a ti, e tu, na tua vida, foste comido e devorado, não apenas comido e devorado, mas vomitado”.

“(...) Sim, se existe Deus terá de ser um único Senhor, mas era melhor que fossem dois, assim haveria um deus para o lobo e um deus para a ovelha, um para o que morre e outro para o que mata, um deus para o condenado, um deus para o carrasco, Deus é uno, completo e indivisível (...) mas o que te posso dizer é que não gostaria de me ver na pele de um deus que ao mesmo tempo guia a mão do punhal assassino e oferece a garganta que vai ser cortada”.

“Atrás do tempo, tempo vem, é sentença conhecida e de muita aplicação, porém não tão obvia quanto pode parecer a quem se satisfaça com o significado próximo das palavras, quer soltas, uma por um,a quer juntas e articuladas, pois tudo vai é da maneira de dizer, e esta varia com o sentimento de quem as expresse, não é o mesmo pronunciá-las alguém que, correndo-lhe mal a vida, espere dias melhores, ou atirá-las como ameaça, como prometida vingança que o futuro haverá de cumprir (...) coisas boas e coisas más, atrás de umas, outras, atrás de tempo, tempo”.

“(...) Para a religião que cultiva e os costumes a que obedece, estes escrúpulos de Jesus são subversivos, haja vista a matança desses outros inocentes todos os dias sacrificados nos altares do Senhor”.

“(...) a humanidade foi posta neste mundo, para adorar e sacrificar (...) Nenhuma salvação é suficiente, qualquer condenação é definitiva”.

“(...) Eis aquilo que podeis comer dos diversos animais aquáticos, podeis comer de tudo o que, nas águas, mares ou rios, tem barbatanas e escamas, mas tudo o que não tem barbatanas e escamas, nos mares ou nos rios, quer o que pulula na água, quer os animais que nela vivem, são abomináveis para vós, e abomináveis continuarão a ser, não comeis a sua carne e considerai os seus cadáveres como abomináveis, tudo o que, nas águas, não tem barbatanas e escamas, será para vós abominável...”.

“(...)) Vai-te, disse-lhe pastor, nem tornar à sua própria casa, não te cremos, disse-lhe a família, e agora os seus passos hesitam, tem medo de ir, tem medo de chegar, quem sou eu, os montes e os vales não lhe respondem, nem o céu que tudo cobre e tudo devia saber, se agora a casa voltasse e a pergunta repetisse, sua mãe dir-lhe-ia, és meu filho, mas não te creio, ora, sendo assim, é tempo de que Jesus se sente nesta pedra que aqui está à sua espera desde que o mundo é mundo, e nela sentado chore lágrimas de abandono e de solidão...”

“(...) tudo é relativo, uma coisa má até pode tornar-se sofrível se a compararmos com uma coisa pior, portanto, exuga-me essas lágrimas e porta-te como um homem (...) o céu acompanha a minha dor, tolos somos (...) que um dia a vontade do Senhor suscitará um Messias, um Enviado, para que, de uma vez, fique o seu povo liberto das opressões de agora e fortalecido para os combates do futuro.”.

“(...) Pobrezinha de mim, que cheguei a imaginar, ouvindo-te, que o Senhor me havia escolhido para ser a sua esposa naquela madrugada, e afinal foi tudo obra de um acaso, tanto poderá ser que sim como poderá ser que não, digo-te até que melhor seria não teres descido aqui na Nazaré para vires deixar-me nesta duvida, aliás, se queres que te fale com franqueza, um filho do Senhor, mesmo tendo-me a mim como mãe, dávamos por ele logo ao nascer, e quadro crescesse teria, do mesmo Senhor, o porte, a figura e a palavra, ora, ainda que se diga que o amor de mãe é cego, o meu filho Jesus não satisfaz as condições, Maria, o teu primeiro grande engano é julgares que eu vim cá apenas para ter falar desse antigo episódio da vida sexual do Senhor, o teu segundo grande engano é pensares que a beleza e a facúndia dos homens existem à imagem e semelhança do Senhor, quando o sistema do Senhor, digo-to eu que sou da casa, é ele ser sempre o contrário de como os homens imaginam, e, aqui muito em confidência, eu até acho que o Senhor não saberia viver doutra maneira, a palavra que mais vezes lhe sai da boca não é o sim, mas o não, sempre ouvi eu dizer que o Diabo é que é o espírito que nega, não, minha filha, o Diabo é o espírito que se nega, se no teu coração não deres pela diferença, nunca saberás a quem pertences, pertenço ao Senhor, pois é, dizer que pertences ao Senhor e caíste no terceiro e maior dos enganos, que foi o de não teres acreditado no teu filho, em Jesus, sim, em Jesus, nenhum dos outros viu Deus, ou alguma vez o verá, diz-me, anjo do Senhor, é mesmo verdade que meu filho Jesus viu Deus, sim, e, como uma criança que encontrou o seu primeiro ninho, veio a correr mostrar-to, e, tu cética, e tu, desconfiada, disseste que não podia ser verdade...”

“(...) Uma árvore geme se a cortam, um cão gane se lhe batem, um homem cresce se o ofendem (...) Mas, sendo o pão dos homens aquilo que é, uma mistura de inveja e de malicia, alguma caridade às vezes, onde fermenta um fermento de medo que faz crescer o que é mau e atabafar-se o que é bom, também sucedeu brigarem companhas e companhas, aldeias e aldeias, porque todos queriam ter Jesus só para eles, os outros que se governassem conforme pudessem ”.

“(...) as palavras proferidas pelo coração não tem língua que as articule, retem-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler”.

“(...) Todo o homem (...) é um pecador, o pecado é, por assim dizer, tão inseparável do homem quanto o homem se tornou inseparável do pecado, o homem é uma moeda, vira-la e vês lá o pecado”.

“(...) Posso eu próprio, ver algumas coisas do futuro, mas o que nem sempre consigo é distinguir se é verdade ou mentira o que julgo ver, quer dizer, às minhas mentiras vejo-as como o que são, verdades de mim, porem nunca sei até que ponto são as verdades dos outros mentiras deles (...) já se sabe,. Não vejamos sempre, nós, homens, as mesmas coisas da mesma maneira”.

“(...) as palavras dos homens são como sombras”.

“(...) É preciso ser-se Deus para gostar tanto de sangue”.

“(...) Não sou quem fui, é verdade, mas sou quem era, e aquela que sou e aquela que era ainda estão atadas uma à outra pela vergonha daquela que fui”.
“(...) está triste porque pensa que não há mais justiça no céu se a impura é a que recebe o premio, e a virtuosa tem o corpo vazio”.

“(...) Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes (...) quem nasce não tem pecados seus, não tem que se arrepender do que não fez”.

“(...) e todos nós, onde quer que estejamos e quem quer que sejamos, não fazemos mais na vida do que procurar o ligar onde iremos ficar para sempre”.

“(...) Sobre a cabeça dos filhos há-de sempre cair a culpa dos pais, a sombra da culpa de José já escurece a fronte do teu filho”.

“(...) Com as botas do meu pai é que eu sou homem”.

“O filho do homem enterrará o homem, mas ele próprio ficará insepulto”.

“(...) O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio”.

“(...) deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens”.

“(...) o destino existe, o destino de cada um é nas mãos dos outros que está”.

“(...) porque só o silêncio é certo”.

“(...) cada pessoa tem a sua hora e cada coisa o seu tempo”.



JOSÉ SARAMAGO – O escritor e poeta português José Saramago, filho e neto de camponeses nasceu na aldeia de Azinhaga na província do Ribatejo, no dia 16 de novembro de 1922, apesar de constar no registro oficial o dia 18. Mas esse não foi o único fato curioso dos primeiro anos de Saramago. Quando foi registrá-lo, seu pai pretendia que seu filho se chamasse apenas José da Silva, mas como seu apelido na aldeia era Saramago, a pessoa encarregada de registra-lo deu ao filho o apelido do pai. Por isso José da Silva veio a chamar-se Saramago. A "brincadeira" foi descoberta quando a matrícula de José Saramago da Silva foi rejeitada porque este não tinha o mesmo nome do pai. O pai de Saramago teve, então, de mudar de nome (acrescentando Saramago) para que seu filho pudesse estudar. Aos dois anos Saramago acompanhou a família à Lisboa, mas nunca distanciou-se definitivamente da aldeia de Azinhaga. Aos doze anos, por problemas econômicos, Saramago teve que transferir-se para uma escola técnica. Se aos onze anos Saramago ganhou seu primeiro livro de sua mão (O Mistério do Moinho), aos 18 era um frequentador assíduo, noturno, da Biblioteca do Palácio das Galveias, onde, sem nenhuma instrução, lê tudo que pode. Até os 25 anos, quando publicou Terra do Pecado, seu primeiro romance, Saramago trabalhou como serralheiro, desenhador, funcionário da saúde e da previdência social. Terra do Pecado tinha por nome oficial, dado por Saramago, A Viúva, mas como editor o achou pouco comercial, decidiu mudá-lo. Ainda em 1949, Saramago escreveu Clarabóia, que foi recusado pela editora (esse romance ainda permanece inédito até hoje). Saramago só passa a se dedicar exclusivamente à literatura em 59, quando assume o lugar de Nataniel Costa como editor literário na Editorial Estúdio Cor. Daí até seu segundo livro publicado, Os Poemas Possíveis, são sete anos. Esse tempo todo de silêncio literário (de 1947 até 1966) Saramago atribui a não ter o que dizer. Seu próximo livro, Provavelmente Alegria, saí em 1970, dois anos antes de ingressar no jornalismo. E dessa passagem pelos jornais A Capital e Jornal de Fundão que nasce A Bagagem do Viajante, em 1973. A mudança de Saramago começa a acontecer em 1975, quando é nomeado diretor-adjunto do Diário de Notícias. Neste mesmo ano é demitido do diário e toma a decisão que mudaria o curso de sua escrita: decidiu somente escrever. Nesse tempo, sua única fonte de renda fixa eram as traduções. No final do ano publica O Ano de 1993, até hoje seu último livro de poesias. A partir dos 55 anos a produção literária de Saramago cresce assustadoramente, se comparada com o que ele escreveu até então. Mas é em 1980 que Saramago dá a maior guinada da sua vida literária, com a publicação de Levantado do Chão. Muitos críticos dizem que esse livro é o início do estilo saramaguiano (escrita barroca, longos parágrafos e uma forma diferente de construir os diálogos: Saramago elimina os travessões, que ele diz não haverem num diálogo comum, o que dá uma maior dinámica ao texto). Em 1991, Saramago lançou aquela que seria a sua mais polêmica obra: O Evangelho Segundo Jesus Cristo . Em 92, o Evangelho foi indicado para concorrer ao Prêmio Literário Europeu, mas o governos português, mais precisamente Souza Lara, vetou a sua candidatura, dizendo que essa obra "não representa Portugal" e que desunia o povo português muito mais do que o unia. Magoado com a censura da sua obra, Saramago resolveu deixar Portugal e se mudar para Lanzarote , nas ilhas Canárias, em 1993. Todo o processo criativo de Saramago foi mundialmente reconhecido quando da entrega do Prêmio Nobel de Literatura, ganho por ele em 1998.

FONTE:
SARAMAGO, José. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Veja mais Saramago aqui, aqui e aqui




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