DO OURO AO PÓ – Meu nome é Atilardisio Silva Terceiro, o
Tezinho para os íntimos. Esse era o nome do meu avô, seu Titido, homem de
negócio, sisudo, austero. Ele tinha para mais de 10 irmãos, se virou sozinho
desde muito jovem, vendendo bolo de goma, sandálias, brebotes em tolda na
feira. Família, para ele, só no retrato e em funerais. Sumia toda noite na
ponta dos pés, transações com fornecedores e fisco até de madrugada – as más
línguas insinuavam barriga verde e lupanar, coisas de fofoca, ao que parece,
nunca me disseram a verdade. Os irmãos arriavam a ripa, tratavam-no por
traidor. Outras diziam dele, nunca deixou cair a pose, muito embora gostasse de
um rabo de saia e de sodomitas. Só sei que ele se engraçou da minha avó, uma
linda jovem chamada Nitinha – ela odiava o nome de registro e batismo: Norinete.
Casaram e ele prosperou longe dos parentes, não sei ao certo como, apenas que conseguiu
depois de muito esforço abrir a Loja do Titido, um estabelecimento comercial que
vendia de tudo. Com o tempo já mais de uma centena, uma rede de lojas pelo
interior afora. Do casal nasceu meu pai, Atilardisio Segundo, o Sessé, filho
único que nunca deu um murro numa cocada, nem estudou nem quis nada com a vida
já que ela, para ele, já estava ganha: era só pegar o que quisesse e gastar com
apostas, caprichos e relações escusas. Perto dos 30 anos, meu pai casou-se com
uma ricaça fútil: a minha mãe que não descia do salto alto nem para me parir. Tornei-me
o brinquedinho predileto dela e da minha avó. Do meu avô só sei de ouvir dizer:
morreu de forma duvidosa, não se sabe por conta dos desmandos do meu pai, ou se
bateu as botas nos regalos de umas coxas taradas de mulher da vida. Só sei que
nada me faltava até então: aparelhos tecnológicos, caboetas, posses e jeitinhos.
Usei e abusei, como meu pai: ofício algum na vida, só gastar por prazer. Sempre
tive ao alcance da mão tudo que quisesse. Minha mãe sempre tirânica ralhava que
eu era escritinho ao meu pai, tal e qual. Nunca notei essa semelhança, na
verdade, pois, igual a ele, para mim, só no nome, já que ele era sabido demais,
malicioso. Minha indignação com ele se deu quando descobri quem era aquela
mulher toda espaçosa e elegante que ele chamava de Jacinto. Isso às gargalhadas
com seus comparsas insuportáveis, Adolfo Dias e Oscar Alhada, que não saiam lá
de casa nem do escritório dele. Só no dia que peguei na folha de pagamento é
que entendi: havia uma soma mensal para Jacinto Leite Aquino Rego. Na verdade,
nunca gostei mesmo dos meus pais. Principalmente quando ele acabou com tudo e
virou a cara para a política, elegendo-se prefeito numa cidadezinha interiorana.
Meu pai virou pilhéria, além de um salafrário. Nem tenho notícia dele – só daquela
da tevê anunciando o afastamento dele do cargo -, nem quero saber se já foi
preso ou se está corrido de tanto meter a mão na prefeitura. Nem da minha mãe,
uma dondoca chata que, tenho certeza, está endoidando ainda mais a sogra até matá-la
de raiva. Até me esquecia do enlouquecimento de vez da minha avó, sabia que ela
já não vinha boa da bola desde um dia lá de uma coisa que só soube muitos anos
depois. Tinha ciência que havia perdido um seio por doença, o que a desgraçara para
o resto da vida. Contudo, outra causa remoía no seu juízo e eu não fazia a
menor ideia: o flagra do marido aos amores com um sobrinho dela. Fatídico. Desde
então minha mãe me deixou aos cuidados das babás, as quais embuchei, bancando
abortos para não queimar meu filme. São minhas guarda-costas, agenciam
serviçais e administram as que pensam que namoram comigo, afora propiciarem
acesso a baratos incalculáveis. Dos meus pais e avós guardo nenhum afeto, hoje
muito menos, me abandonaram nesta cela infecta, nem me visitam. Só das minhas
protetoras que sobrevivo na minha solidão, elas que me visitam e me mimam atrás
dessas grades, aprendendo todo dia o que é a vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] O mundo é um grande objeto de nosso apetite,
uma grande maçã, uma grande garrafa, um grande seio; nós somos os lactentes, os
eternamente expectadores lactentes – e lactentes eternamente desapontados.
[...] O caráter acumulador, o caráter de
marketing que se adapta à economia de mercado ao se tornar apartado de emoções
autenticas, da verdade e de convicções, tudo se transforma em mercadoria, não só
as coisas, mas a própria pessoa, sua energia física, suas aptidões, seu
conhecimento, suas opiniões, seus sentimentos, até mesmo seus sorrisos. [...]
Essas pessoas não são capazes de se
afeiçoar, não porque sejam egoístas, mas porque sua relação com outros e
consigo mesmas é muito tênue [...] O
catáter produtivo que ama e cria, e para o qual ser é mais importante do que
ter. um caráter produtivo como esse não encontra estímulo na economia de
mercado. Na verdade, constitui uma ameaça a seus valores. [...]
Trechos
extraídos da obra The Sane Society (A sociedade sã - Reissue, 1990), do filósofo, sociólogo e
psicanalista alemão Erich Fromm (1900-1980), em que o autor apresenta a
sua filosofia social e política, analisando a moderna
sociedade capitalista industrial e seus cidadãos vistos como necessariamente
alienados, comercializados e conformados, tratando, por consequência das
patologias da sociedade que contribuem para a doença dos indivíduos.
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
O TEATRO DE RUTH MEZECK
A arte
da atriz, palhaça, performer e blogueira do Teatro Etc & Tal, Ruth Mezeck, que está no III Bolina –
Festival Internacional de Palhaças, com o seu espetáculo A mulher aquela, dia
06 de maio, às 21hs, em Portalegre, Portugal. Veja mais aqui e aqui.
A FOTOGRAFIA DE MONA KUHN
A arte da fotógrafa contemporânea Mona Kuhn. Veja mais aqui.
&
A OBRA DE LEDO IVO
O que sobra é obra, o resto soçobra.
A obra do
premiadíssimo escritor e ensaísta alagoano Ledo Ivo (1924-2012) aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.