THÉRÈSE PHILOSOPHE – Quase uns trinta anos atrás me deparei com um volume impresso jogado no
lixo, assim, sem as capas, folhas de rosto, nem sumário, algumas páginas soltas
e outras arrancadas. Não dava para saber que livro era aquele, contudo, como
sempre fui achegado às leituras, deu-me uma curiosidade para saber do que se
tratava. Tive que organizar, pois, faltavam mesmo algumas páginas, o que
dificultava a minha empreitada de recuperá-lo. Depois de muito trabalho,
consegui identificar uma introdução, uma primeira parte denominada
Thérèse philosophe; a segunda, Histoire de la Bois-Laurier; e a
terceira, Suite de l’histoire de Thérèse
philosophe. Havia entre as páginas, algumas delas ilustradas com gravuras
eróticas. Isso aguçou ainda mais o meu interesse e, mais ou menos organizado,
folheei. Ah, gostei do que vi, li e reli, pudera. Guardei-o entre outros
alfarrábios esquecidos por trás das fileiras numa das minhas estantes. Só muito tempo depois soube que se
tratava da obra Thérèse
philosophe ou Mémoires pour servir à l’histoire du P. Dirrag et de Mlle Éradice, uma
publicação de 1748, com ilustrações do gravador francês François-Rolland Elluin (1745-1810), e de autoria
controversa. Explico: o jornalista, escritor e dramaturgo Charles Monselet
(1825-1888), apelidado de O rei dos gastrônomos, foi quem, por volta de 1870,
atribuiu ao Marquês de Sade (1740-1814), a narrativa libertina sobre a cortesã
anafrodita ou a empregada libertina, anunciado como publicada em uma edição
clandestina em Avignon, em 1787. Já segundo inscrição em uma das obras do próprio
Sade, é dada a autoria como sendo do escritor e filósofo francês Jean-Baptiste de Boyer (1704-1771), o marquês d’Argens, como um romance
libertino do século XVIII, que relata as cenas místicas
de Mademoiselle Eradice com o reverendo Dirrag, contando com raciocínios
metafísicos e lascivas conduções entre a Madame C e o abade T. Entre outras
inscrições, uma delas dá conta de ser o escritor francês Louis-Charles Fougeret de Monbron (1706-1760) o verdadeiro
autor, aumentando a controvérsia. Bem, o que consegui apurar de mesmo,
foi que o livro em questão, foi inspirado no ruidoso julgamento do casal Marie-Catherine Cadière e Jean-Baptiste Girard, ocorrido
de fato em 1731, no qual o pai de Boyer d'Argens foi Procurador Geral no
Parlamento de Aix, tendo, assim, o suposto autor alterado o caso usando
anagramas, como a troca das nomeações de Cadière para "Eradice" e Girard
para "Dirrag". Na real, o caso se deu por conta da bela jovem Cadière,
filha de um comerciante arruinado, protegida pela mãe e irmãos eclesiásticos, ter
se envolvido com os sermões de sensibilidade mística excessiva do carisma
espiritual do padre jesuíta Girard, apresentando-a como santa. Tal fato levou o
religioso a constantes visitas, resultando por abusá-la sexualmente. Com as
denúncias de corrupção contra o sacerdote Girard, ajuizadas pelo padre
jansenista Nicolas, ela foi enclausurada no convento de Santa Claire d’Ollioules,
em 1730, para ser julgada pelo Parlamento de Aix, transferida para o convento
dos Visitandines, passando a ser defendida pelo advogado Chaudon e aos
interesses jansenistas, por ser transformada no processo, ao mesmo tempo, acusadora
da corrupção jesuítica e acusada de feiticeira. No primeiro veredicto foi
condenada à forca. No segundo julgamento, foi inocentada. O pároco também foi
absolvido, mas perdeu a reputação. Por sua vez, o romance traz como narradora a
jovem Thérèse que descobre seu corpo e seus desejos, tornando-se zelosa
penitente do padre Dirrag e em companhia da sua jovem amiga Eradice, também sua
rival na busca pela santidade, quando é surpreendida com uma cena indecente de
estupro entre a devotada amiga e o seu confessor, durante uma oração. O livro
segue com discussões filosóficas e cenas extraordinárias de sexo e religião. A
aura lendária do romance o fez tornar-se num clássico erótico proibido, de
autor perdido, que ameaçava a tríplice ordem da religião, do Estado e do rei, a
moral e a reputação das pessoas, levando à repressão policial. Trata-se,
portanto, de uma sátira anticlerical de representação erótico-pornográfica com
questionamentos religiosos e morais da realidade social e política da época. Desde
então está entre os meus preferidos para releituras e indicações. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] O outro, como outro livre e que exige
justiça, instaura uma história imprevisível. O outro como mistério é para onde,
o mais além de meu mundo, que o movimento dialético não pretenderá compreender
como totalidade totalizada, uma vez que, por sua estrutura finita, sabe que
jamais conseguirá. A totalidade, como o visto feito sistema, opõe-se a
infinitização (infinicion)
de um movimento dialético histórico que se abre para ouvir a palavra do outro,
que se revela a partir de um exterioridade insondável e imprevisível.
[...] O outro para nós é a
América Latina em relação à totalidade europeia; é o povo pobre e oprimido da
América Latina em relação as oligarquias dominadoras e, contudo, dependentes.
[...] A aceitação do outro como outro significa já uma
opção ética, uma escolha e um compromisso moral. [...] O saber-ouvir é o momento constitutivo do
próprio método. [...] A
América Latina é o filho da mãe ameríndia dominada e do pai hispânico
dominador. O filho, o outro, oprimido pela pedagogia dominadora da totalidade
europeia, incluindo nela como bárbaro, o bom sauvage, o primitivo ou
subdesenvolvido. O filho não respeitado como outro, mas negado enquanto
conhecido. [...] A filosofia
latino-americana é o pensar que sabe escutar discipularmente a palavra
analética, analógica do oprimido, que sabe comprometer-se com o movimento ou
com a mobilização da libertação e, no próprio caminhar, vai pensando a palavra
reveladora que interpela à justiça; isto é, vai acendendo à interpretação
precisa de seu significado futuro. A filosofia, o filósofo, desenvolve ao outro
sua própria revelação como renovada e recriadora, crítica, interpretante. O
pensar filosófico não aquieta a história expressando-a pensativamente para que
possa ser arquivada nos museus. O pensar filosófico, como pedagogia analética
da libertação latino-americana, é um grito, um clamor, é a exortação do mestre
que faz reincindir sobre o discípulo a objeção que antes havia recebido; agora,
como revelação reduplicadamente provocativa, criadora. [...] estrategicamente o que se deve alcançar é a
libertação dos oprimidos em seu sentido forte e inequívoco; o que se deve
buscar é a libertação das ‘classes trabalhadoras’, camponesas, operárias ou de
qualquer outro tipo de trabalhador assalariado [...] O oprimido é o pobre na política (pessoa, classe, nação); a mulher na
erótica machista; a criança, a juventude, o povo na pedagógica da dominação
cultural. Todos os problemas e temas [...], assumem nova luz e novo sentido a partir do critério absoluto e contudo
concreto (o contrário do universal), de ser a filosofia a arma de libertação
dos oprimidos [...].
Trechos
extraídos da obra Método para uma
filosofia da libertação (Loyola, 1986), do filósofo argentino
radicado no México, Enrique Dussel, para quem o Bem Comum
da Humanidade visa assegurar a produção, a reprodução e o desenvolvimento de
cada sujeito ético. Veja mais aqui.
(IN)JUSTIÇA DA CIA.
HELIÓPOLIS
A peça
teatral (In)Justiça, texto coletivo
da Companhia
de Teatro Heliópolis,
dirigida pelo fundador do grupo, Miguel Rocha. A TRAMA: Trata-se
da história de Cerol que é exímio empinador de pipas e vive com sua avó, pois a
mãe morreu no parto e o pai, assassinado. Depois de uma briga por conta do alto
volume da música na vizinhança, Cerol foge e acaba disparando involuntariamente
um tiro em uma mulher, que morre em seguida. Ele acaba preso e é submetido ao
julgamento da lei e da sociedade. A encenação reflete sobre a justiça brasileira ao narrar a história de
um jovem que comete um crime involuntariamente: o que os veredictos não
revelam? A partir desse questionamento surgem diversas concepções sobre o que é
justiça, seja a praticada pelo Poder Judiciário ou aquela sentenciada pela
sociedade. Permeado por imagens-sínteses e explorando a performance corporal, o
espetáculo coloca em cena a complexidade da justiça no país, deixando a plateia
na posição de júri em um tribunal. O embate entre os dois lados da justiça – da
vítima e do criminoso – se estabelece em um jogo contundente que expõe com
originalidade a crua realidade dos jovens pobres e negros. Veja mais aqui, aqui e aqui.
LIMIAR DE NELSON GOMES
A série Limiar, arte do fotógrafo, pintor,
professor, designer gráfico e artista visual português Nelson Nunes. Ele foi coordenador do projeto de teatro Ar(e)s
D’ensaio, tendo sido integrante do grupo de artistas plásticos que criaram o
“Atelier 16” – Coimbra 1997/2001 e do terceiro ciclo de exposições no Museu do
Vinho Bairrada – Anadia em 2006, com o projeto de pintura e instalação “Visões
de um Milésimo de Segundo”. Já realizou as exposições O ritmo dos dias (2012),
a premiada 10 anos Olhares (2013) e Estradas de Portugal – um outro olhar
(2013), entre outras. Veja mais aqui.
&
A OBRA DE WALT WHITMAN
Contradigo a mim mesmo porque sou vasto.
Eu sou contraditório, eu sou imenso. Há
multidões dentro de mim.
A obra do
poeta, ensaísta e jornalista estadunidense Walt Whitman (1819-1892)
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui.