VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? CRÔNICA NATALINA – Doro andava acabrunhado nos últimos dias. Pudera, depois das
insistentes incursões na candidatura política sem um voto sequer, de atirar
buscando oportunidades em todas as direções sem êxito e de ter, depois de quase
dose meses enclausurado preparando as suas previsões para o ano de 2016 – o ano
que, segundo ele, será o ano da sua redenção -, nada vingou e restou-lhe sem um
centavo no bolso para fazer a feira, coisa, inclusive, muito corriqueira nos
últimos anos. A mulher e os bruguelos não lhe deixavam em paz, a ponto do cara
sair de manhã de casa e ficar enchendo o mundo de pernas atrás de botija, coisa
perdida, bico ou o que fosse, para amealhar tostão que fosse para a ceia de
Natal. Não deu. Saía e voltava mais liso do que antes. A mulher cada vez mais
enfurecida e os filhos nem mais olhavam pra ele, tratado qual espantalho. Mas eis
que vencido e completamente inutilizado, pensou em suicídio e voltou pra casa
pronto pra acabar de vez com a sua desgraça de vida. Qual não foi a sua
surpresa. Lá chegando a mulher estava aos vivas com a bruguelada toda
escolhendo os presentes. – Qué qui hôve, mulé?, perguntou curioso. Dona
Marcialita com os dentes quase mordendo as orelhas de tanta alegria, despachou
na hora: - Você é um traste, mas Deus é bom! Umas madamas católicas trouxeram
uns presentes pra gente e depois umas granfinas da igreja protestante trouxeram
cesta básica e mais presentes. É Natal, bestão. Não fosse a caridade dessas
senhoras a gente ia passar fome. Doro teve um alívio e, ao mesmo tempo, sem
saber o que fazer. As influências do padre Bidião não lhe deixavam acreditar na
bondade alheia, o que o fez, por causa disso, procurar saber o motivo disso
tudo. Foi quando lhe passou pela cabeça de procurar o doutor Zé Gulu que,
apesar de ateu convicto, poderia esclarecer-lhe o fato. Ao encontrá-lo, soube
do intelectual que o Natal passou a ser a festa máxima da
cristandade a partir do século II, quando foi instituída pelo Papa Telésforo. Porém
foi o Papa Julio I quem, uns duzentos anos depois, definiu a data de 25 de
dezembro, como sendo a da comemoração do nascimento de Jesus, sob a
justificativa de ter sido aquele que morreu na cruz pra salvar a humanidade. Trata-se
de uma festa que passou a ocorrer coincidente com a Saturnália romana, quando penduravam
máscaras de Baco em pinheiros. Foi daí que surgiu o presépio em 1223, por
iniciativa de Francisco de Assis. E a comunidade cristã ascendente em todo
ocidente, começou a cultuar a data com o espírito de profunda piedade por
inúmeros semelhantes menos afortunados e que não possuíam recursos para que o
seu natal se tornasse uma data mais festiva, com donativos e presentes,
tornando diferente a triste rotina de privações de todos os outros dias. Séculos
mais tarde, surgiu, então, uma curiosidade a respeito do Natal de Rua que, ao
que parece, surgiu no Brasil, por iniciativa de um certo paulista descendente
de italiano e católicos praticantes, Carlos Mazzei – mais tarde afortunadíssimo
barão -, que, começou na sua residência e rua no bairro de Pinheiros, o inicio
de um grande espetáculo de luzes e cores no período natalino. Tem-se registro
de que foi ele quem idealizou os grandes presépios coletivos nas praças
públicas, ruas da cidade e logradouros comuns, dando prosseguimento à tradição cristã
e dos rituais pagãos que ocorrem até hoje durante o solstício de inverno, com a
simbolização da árvore de natal e do pinheiro, dando origem ao que, no século
XVI, passou a ser cultuada pelo autor da Reforma Protestante, Martinho Lutero (1483-1546).
Com isso, o futuro barão solicitou da prefeitura de São Paulo, a ornamentação
da cidade para a festiva comemoração, justificando-se detalhadamente pelos
nobres motivos cristãos. Mesmo não obtendo resposta nem apoio, manteve sozinho
a sua iniciativa junto com amigos, até que a partir de meados dos anos 1950,
passou a ser oficializada na capital paulista a ornamentação das ruas,
fachadas, praças e jardins particulares, com lanternas, lâmpadas coloridas e
enfeites. Daí virou costume no país inteiro alcançando, inclusive, o exterior e
tornando-se uma prática bastante comum em todos os continentes do planeta. Ouvindo
atentamente a exposição do pensador, Doro pensou consigo mesmo: - Rapaize, tô
atrapalhado. Fiz de tudo, não deu nada. Num fosse a iniciativa dessas madamas,
eu tava frito. Que é que é isso, Deus meu? O doutor Zé Gulu olhou pra ele e
perguntou: - E o Natal do Popó, como vai ser? E ele respondeu: - Acho que vou matá
aquele papagaio safado e comer na ceia. – Ih, cuidado pra não ser preso de
novo! Pois é, depois de tentar ser Papai Noel desastrado no shopping, ser preso
por assustar e intoxicar crianças e adultos com seus presentes natalinos, de
preparar um pastoril que lhe findou fugindo da maior surra e de ser barrado no
banquete do Beliato, não lhe restava mais nada ser preso por se vingar do seu
estimado papagaio. E vamos aprumar a conversa curtindo as crônicas natalinas
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. E confira também aqui.
PICADINHO
Imagem
Leda
And The Swan, do pintor
austríaco Hans Makart (1840-1884).
Curtindo o álbum She Was Too Good to Me (CTI Records, 1974), do trumpetista e cantor
de jazz estadunidense Chet Baker
(1929-1988).
EPÍGRAFE – Do poeta inglês John Keats (1795-1821): Não
existe nada estável no mundo; tumulto é a nossa única música. [...] Se a poesia não vier tão naturalmente como
folhas em uma árvore, seria melhor que não viesse. Veja mais aqui, aqui e
aqui.
ENFIM...
O INÍCIO – No livro Fatos: a tragédia do conhecimento em
psicanálise (Imago, 1989), do psiquiatra e psicanalista Paulo Cesar Sandler, encontro que: Quando uma intuição é seguida, um sentimento
é sentido, quando um pensamento é agarrado pelo seu pensador, existe a dor, pelo
menos parcialmente ligada a uma escolha. Todos os outros sentimentos, todos os
outros pensamentos são perdidos. Existe dor quando se abandonam certas ilusões
de onipotência. Experimentar sentimentos de amor traz consigo o risco de
excluir algumas contrapartidas que são sinônimos de prazer. além disso, amar
implica dar, o que pode renovar a dor caso prevaleça a voracidade. Não estou
sugerindo que a pessoa tenha de alucinar o seio para sentir que está sendo
alimentada, mas aquele que não pode intuir e fantasiar o seio e só recebe leite
concreto também não pode se perceber alimentado. Uma busca interminável de
coisas e objetos concretos no mundo externo é a consequência. [...]. Veja
mais aqui e aqui.
DOS
CONFLITOS ENTRE O CORPO E A FÉ RELIGIOSA – O livro O leopardo
(Abril, 1979), do escritor italiano Giuseppe
Tomasi, o príncipe de Lampedusa
(1896-1957), traça um panorama da evolução social da Sicília durante a segunda
metade do século XIX, tratando a decadência de uma família aristocrática. Da
obra destaco o trecho: [...] Sou um
pecador, sei-o, e duas vezes: perante a lei divina e perante o amor humano de
Stella. E disso não pode haver dúvidas [...] É verdade que peco, mas peco para pôr termo ao pecado, para não
continuar a excitar-me, para arrancar este espinho que me atormenta a carne,
para não ser levado a cometer maiores pecados. O Senhor sabe-o bem. [...] Sou fraco e ninguém me ajuda. Stella!
Diga-me a verdade! O Senhor sabe como a amei: casamos aos vinte anos. Mas ela
agora é tão tirânica e tão velha! Ainda sou um homem vigoroso; como posso,
pois, contentar-me com uma mulher que na cama, antes de apertá-la nos meus
braços, faz sempre o sinal-da-cruz e que, depois nos momentos de maior emoção
não sabe dizer mais do que: Jesus-Maria! Quando casamos, quando ela tinha
dezesseis anos, tudo isto me exaltava, mas agora... Tive sete filhos dela,
sete, e nunca lhe vi o umbigo. Será isto justo? [...]. Veja mais aqui.
SONETO
DA BAHIA – Na obra do poeta brasileiro Gregório de Matos Guerra (1633-1696), muitas
de suas poesias se destacam, inclusive este soneto que fala da realidade da
Bahia à sua época: A cada canto um
grande conselheiro / que nos quer governar cabana, e vinha, / não sabem
governar sua cozinha, / e podem governar o mundo inteiro. / E cada porta um
frequentado olheiro, / que a vida do vizinho, e da vizinha / pesquisa, escuta,
espreita, e esquadrinha, / para levar à Praça, e ao Terreiro. / Muitos mulatos
desavergonhados, / trazidos pelos os homens nobres, / posta nas palmas toda a
picardia. / Estupendas usuras nos mercados, / todos, os que não furtam, muito
pobres, / e eis aqui a cidade da Bahia. Veja mais aqui e aqui .
TEATRO
RENASCENTISTA - - Na
obra Teatro Vivo (Civita, 1976),
organizada por Sábato Magaldi, encontro que: Desde o final da Idade Média, as grandes casas senhoriais contratavam
seus próprios atores em substituição aos antigos menestréis. Nas datas
festivas, sobretudo no Natal e nos casamentos, esses comediantes domésticos
encenavam peças especialmente escrita para a ocasião. Mesmo quando se organizavam
em companhias independentes, continuavam respeitando a relação de serviço, pois
submetendo-se ao patronato ganhavam proteção contra a animosidade das
autoridades da cidade. Além disso, recebiam uma pequena anuidade e somas extras
quando representavam na casa do amo. Os atores domésticos são herdeiros direto
dos menestréis e bobos da corte e estabelecem o elo com os artistas
profissionais da Renascença, do Barroco e da Idade Moderna. Com a gradual
decadência das velhas famílias e o progressivo fortalecimento do poder real, os
comediantes tiveram a principio de se sustentar por si mesmos. No entanto, a
centralização da vida cultural e palaciana em cidades como Florença, Londres,
Madri e Paris serviu de poderoso incentivo para a formação de companhias regulares
de teatro. os países europeus – uns mais, outros menos – achavam-se então em
plena Renascença, quando as artes começaram a se emancipar dos dogmas
eclesiásticos para se ligar intimamente à filosofia humanista. O teatro sofreu
de alguma forma essa evolução, embora o drama religioso despontasse ainda com
certa insistência na obra de portugueses, como Gil Vicente e de autores
espanhóis do chamado Século de Ouro (XVI e XVII), entre eles Diego Sanchez de
Badajoz, Juan de Timoneda, Lope de Vega, Tirso de Molina, Mira de Amescua,
Josef de Valdivielso, Calderón de La Barca e o próprio Miguel de Cervantes. Veja
mais aqui e aqui.
O
CINEMA E A TELEVISÃO –
No livro O novo mundo das imagens
eletrônicas (70, 1985), de Guido e Teresa Aristarco, o cineasta italiano Franco Zeffirelli, deu o seguinte
depoimento: Ninguém parece dar-se conta
de que, depois de decênios de maravilhosas ilusões e de legitimas esperanças, a
televisão (ou, mais precisamente, o consumismo televisivo) está a fazer das
nossas ilusões e das nossas esperanças carne para canhão. Quotidianamente,
assistimos ao massacre, ignaros ou, pior, cegos, estúpidos. Perseguimos as
nossas ilusões. E entretanto, os toalhetes Lines intrometem-se prepotentemente
nas nossas sofridas narrativas, tolhem as palavras das nossas personagens, um
pensamento dos seus olhos, interrompem uma fantasia, um sonho, para nos
recordarem que vivemos num mundo de patrocínios, de computadores, de
executivos. Remetem-nos para a realidade mais aviltante, mais humilhante. Desta
trágica situação, ninguém ousou ainda falar. Estamos todos preocupados em fazer
boa figura perante os outros e em falar do sexo dos anjos enquanto Roma está a
arder. E entretanto, o cinema acaba por ficar irremediavelmente à mercê do
consumo eletrônico, de um passatempo televisivo. E continuará a manter de pé
meritórias estações televisivas para delícia digestiva dos deserdados,
desiludidos com a TV do estado, que nunca vieram um filme de Fellini e que
agora podem gozá-lo na santa paz das suas casas. E durante a publicidade – pelo
menos – podem ir à casa de banho, ou meter os filhos na cama, ou dar uma
olhadela à panela da sopa para amanhã, que ferve em cima do fogão. E veja
mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do
fotógrafo belga Willy Kessels
(1898-1974).
DEDICATÓRIA
O desenvolvimento humano só existirá se a
sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade,
participação, solidariedade e liberdade.
A edição de hoje é dedicada ao Natal Sem
Fome, criada pelo sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho (1937-1977), na Ação da Cidadania Contra a Fome e a
Miséria e Pela Vida. Veja aqui, aqui e aqui.
AS PREVISÕES DO DORO PARA 2016
LEITORA TATARITARITATÁ