quarta-feira, dezembro 23, 2015

CRÔNICAS NATALINAS, BETINHO, KEATS, GREGÓRIO, LAMPEDUSA, ZEFFIRELLI, CHET BAKER, PSICANÁLISE, TEATRO RENASCENTISTA & MUITO MAIS.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? CRÔNICA NATALINA – Doro andava acabrunhado nos últimos dias. Pudera, depois das insistentes incursões na candidatura política sem um voto sequer, de atirar buscando oportunidades em todas as direções sem êxito e de ter, depois de quase dose meses enclausurado preparando as suas previsões para o ano de 2016 – o ano que, segundo ele, será o ano da sua redenção -, nada vingou e restou-lhe sem um centavo no bolso para fazer a feira, coisa, inclusive, muito corriqueira nos últimos anos. A mulher e os bruguelos não lhe deixavam em paz, a ponto do cara sair de manhã de casa e ficar enchendo o mundo de pernas atrás de botija, coisa perdida, bico ou o que fosse, para amealhar tostão que fosse para a ceia de Natal. Não deu. Saía e voltava mais liso do que antes. A mulher cada vez mais enfurecida e os filhos nem mais olhavam pra ele, tratado qual espantalho. Mas eis que vencido e completamente inutilizado, pensou em suicídio e voltou pra casa pronto pra acabar de vez com a sua desgraça de vida. Qual não foi a sua surpresa. Lá chegando a mulher estava aos vivas com a bruguelada toda escolhendo os presentes. – Qué qui hôve, mulé?, perguntou curioso. Dona Marcialita com os dentes quase mordendo as orelhas de tanta alegria, despachou na hora: - Você é um traste, mas Deus é bom! Umas madamas católicas trouxeram uns presentes pra gente e depois umas granfinas da igreja protestante trouxeram cesta básica e mais presentes. É Natal, bestão. Não fosse a caridade dessas senhoras a gente ia passar fome. Doro teve um alívio e, ao mesmo tempo, sem saber o que fazer. As influências do padre Bidião não lhe deixavam acreditar na bondade alheia, o que o fez, por causa disso, procurar saber o motivo disso tudo. Foi quando lhe passou pela cabeça de procurar o doutor Zé Gulu que, apesar de ateu convicto, poderia esclarecer-lhe o fato. Ao encontrá-lo, soube do intelectual que o Natal passou a ser a festa máxima da cristandade a partir do século II, quando foi instituída pelo Papa Telésforo. Porém foi o Papa Julio I quem, uns duzentos anos depois, definiu a data de 25 de dezembro, como sendo a da comemoração do nascimento de Jesus, sob a justificativa de ter sido aquele que morreu na cruz pra salvar a humanidade. Trata-se de uma festa que passou a ocorrer coincidente com a Saturnália romana, quando penduravam máscaras de Baco em pinheiros. Foi daí que surgiu o presépio em 1223, por iniciativa de Francisco de Assis. E a comunidade cristã ascendente em todo ocidente, começou a cultuar a data com o espírito de profunda piedade por inúmeros semelhantes menos afortunados e que não possuíam recursos para que o seu natal se tornasse uma data mais festiva, com donativos e presentes, tornando diferente a triste rotina de privações de todos os outros dias. Séculos mais tarde, surgiu, então, uma curiosidade a respeito do Natal de Rua que, ao que parece, surgiu no Brasil, por iniciativa de um certo paulista descendente de italiano e católicos praticantes, Carlos Mazzei – mais tarde afortunadíssimo barão -, que, começou na sua residência e rua no bairro de Pinheiros, o inicio de um grande espetáculo de luzes e cores no período natalino. Tem-se registro de que foi ele quem idealizou os grandes presépios coletivos nas praças públicas, ruas da cidade e logradouros comuns, dando prosseguimento à tradição cristã e dos rituais pagãos que ocorrem até hoje durante o solstício de inverno, com a simbolização da árvore de natal e do pinheiro, dando origem ao que, no século XVI, passou a ser cultuada pelo autor da Reforma Protestante, Martinho Lutero (1483-1546). Com isso, o futuro barão solicitou da prefeitura de São Paulo, a ornamentação da cidade para a festiva comemoração, justificando-se detalhadamente pelos nobres motivos cristãos. Mesmo não obtendo resposta nem apoio, manteve sozinho a sua iniciativa junto com amigos, até que a partir de meados dos anos 1950, passou a ser oficializada na capital paulista a ornamentação das ruas, fachadas, praças e jardins particulares, com lanternas, lâmpadas coloridas e enfeites. Daí virou costume no país inteiro alcançando, inclusive, o exterior e tornando-se uma prática bastante comum em todos os continentes do planeta. Ouvindo atentamente a exposição do pensador, Doro pensou consigo mesmo: - Rapaize, tô atrapalhado. Fiz de tudo, não deu nada. Num fosse a iniciativa dessas madamas, eu tava frito. Que é que é isso, Deus meu? O doutor Zé Gulu olhou pra ele e perguntou: - E o Natal do Popó, como vai ser? E ele respondeu: - Acho que vou matá aquele papagaio safado e comer na ceia. – Ih, cuidado pra não ser preso de novo! Pois é, depois de tentar ser Papai Noel desastrado no shopping, ser preso por assustar e intoxicar crianças e adultos com seus presentes natalinos, de preparar um pastoril que lhe findou fugindo da maior surra e de ser barrado no banquete do Beliato, não lhe restava mais nada ser preso por se vingar do seu estimado papagaio. E vamos aprumar a conversa curtindo as crônicas natalinas aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. E confira também aqui.

PICADINHO

Imagem
Leda And The Swan, do pintor austríaco Hans Makart (1840-1884).

 Curtindo o álbum She Was Too Good to Me (CTI Records, 1974), do trumpetista e cantor de jazz estadunidense Chet Baker (1929-1988).

EPÍGRAFE – Do poeta inglês John Keats (1795-1821): Não existe nada estável no mundo; tumulto é a nossa única música. [...] Se a poesia não vier tão naturalmente como folhas em uma árvore, seria melhor que não viesse. Veja mais aqui, aqui e aqui.

ENFIM... O INÍCIO – No livro Fatos: a tragédia do conhecimento em psicanálise (Imago, 1989), do psiquiatra e psicanalista Paulo Cesar Sandler, encontro que: Quando uma intuição é seguida, um sentimento é sentido, quando um pensamento é agarrado pelo seu pensador, existe a dor, pelo menos parcialmente ligada a uma escolha. Todos os outros sentimentos, todos os outros pensamentos são perdidos. Existe dor quando se abandonam certas ilusões de onipotência. Experimentar sentimentos de amor traz consigo o risco de excluir algumas contrapartidas que são sinônimos de prazer. além disso, amar implica dar, o que pode renovar a dor caso prevaleça a voracidade. Não estou sugerindo que a pessoa tenha de alucinar o seio para sentir que está sendo alimentada, mas aquele que não pode intuir e fantasiar o seio e só recebe leite concreto também não pode se perceber alimentado. Uma busca interminável de coisas e objetos concretos no mundo externo é a consequência. [...]. Veja mais aqui e aqui.

DOS CONFLITOS ENTRE O CORPO E A FÉ RELIGIOSA – O livro O leopardo (Abril, 1979), do escritor italiano Giuseppe Tomasi, o príncipe de Lampedusa (1896-1957), traça um panorama da evolução social da Sicília durante a segunda metade do século XIX, tratando a decadência de uma família aristocrática. Da obra destaco o trecho: [...] Sou um pecador, sei-o, e duas vezes: perante a lei divina e perante o amor humano de Stella. E disso não pode haver dúvidas [...] É verdade que peco, mas peco para pôr termo ao pecado, para não continuar a excitar-me, para arrancar este espinho que me atormenta a carne, para não ser levado a cometer maiores pecados. O Senhor sabe-o bem. [...] Sou fraco e ninguém me ajuda. Stella! Diga-me a verdade! O Senhor sabe como a amei: casamos aos vinte anos. Mas ela agora é tão tirânica e tão velha! Ainda sou um homem vigoroso; como posso, pois, contentar-me com uma mulher que na cama, antes de apertá-la nos meus braços, faz sempre o sinal-da-cruz e que, depois nos momentos de maior emoção não sabe dizer mais do que: Jesus-Maria! Quando casamos, quando ela tinha dezesseis anos, tudo isto me exaltava, mas agora... Tive sete filhos dela, sete, e nunca lhe vi o umbigo. Será isto justo? [...]. Veja mais aqui.

SONETO DA BAHIA – Na obra do poeta brasileiro Gregório de Matos Guerra (1633-1696), muitas de suas poesias se destacam, inclusive este soneto que fala da realidade da Bahia à sua época: A cada canto um grande conselheiro / que nos quer governar cabana, e vinha, / não sabem governar sua cozinha, / e podem governar o mundo inteiro. / E cada porta um frequentado olheiro, / que a vida do vizinho, e da vizinha / pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, / para levar à Praça, e ao Terreiro. / Muitos mulatos desavergonhados, / trazidos pelos os homens nobres, / posta nas palmas toda a picardia. / Estupendas usuras nos mercados, / todos, os que não furtam, muito pobres, / e eis aqui a cidade da Bahia. Veja mais aqui e aqui .

TEATRO RENASCENTISTA - - Na obra Teatro Vivo (Civita, 1976), organizada por Sábato Magaldi, encontro que: Desde o final da Idade Média, as grandes casas senhoriais contratavam seus próprios atores em substituição aos antigos menestréis. Nas datas festivas, sobretudo no Natal e nos casamentos, esses comediantes domésticos encenavam peças especialmente escrita para a ocasião. Mesmo quando se organizavam em companhias independentes, continuavam respeitando a relação de serviço, pois submetendo-se ao patronato ganhavam proteção contra a animosidade das autoridades da cidade. Além disso, recebiam uma pequena anuidade e somas extras quando representavam na casa do amo. Os atores domésticos são herdeiros direto dos menestréis e bobos da corte e estabelecem o elo com os artistas profissionais da Renascença, do Barroco e da Idade Moderna. Com a gradual decadência das velhas famílias e o progressivo fortalecimento do poder real, os comediantes tiveram a principio de se sustentar por si mesmos. No entanto, a centralização da vida cultural e palaciana em cidades como Florença, Londres, Madri e Paris serviu de poderoso incentivo para a formação de companhias regulares de teatro. os países europeus – uns mais, outros menos – achavam-se então em plena Renascença, quando as artes começaram a se emancipar dos dogmas eclesiásticos para se ligar intimamente à filosofia humanista. O teatro sofreu de alguma forma essa evolução, embora o drama religioso despontasse ainda com certa insistência na obra de portugueses, como Gil Vicente e de autores espanhóis do chamado Século de Ouro (XVI e XVII), entre eles Diego Sanchez de Badajoz, Juan de Timoneda, Lope de Vega, Tirso de Molina, Mira de Amescua, Josef de Valdivielso, Calderón de La Barca e o próprio Miguel de Cervantes. Veja mais aqui e aqui.

O CINEMA E A TELEVISÃO – No livro O novo mundo das imagens eletrônicas (70, 1985), de Guido e Teresa Aristarco, o cineasta italiano Franco Zeffirelli, deu o seguinte depoimento: Ninguém parece dar-se conta de que, depois de decênios de maravilhosas ilusões e de legitimas esperanças, a televisão (ou, mais precisamente, o consumismo televisivo) está a fazer das nossas ilusões e das nossas esperanças carne para canhão. Quotidianamente, assistimos ao massacre, ignaros ou, pior, cegos, estúpidos. Perseguimos as nossas ilusões. E entretanto, os toalhetes Lines intrometem-se prepotentemente nas nossas sofridas narrativas, tolhem as palavras das nossas personagens, um pensamento dos seus olhos, interrompem uma fantasia, um sonho, para nos recordarem que vivemos num mundo de patrocínios, de computadores, de executivos. Remetem-nos para a realidade mais aviltante, mais humilhante. Desta trágica situação, ninguém ousou ainda falar. Estamos todos preocupados em fazer boa figura perante os outros e em falar do sexo dos anjos enquanto Roma está a arder. E entretanto, o cinema acaba por ficar irremediavelmente à mercê do consumo eletrônico, de um passatempo televisivo. E continuará a manter de pé meritórias estações televisivas para delícia digestiva dos deserdados, desiludidos com a TV do estado, que nunca vieram um filme de Fellini e que agora podem gozá-lo na santa paz das suas casas. E durante a publicidade – pelo menos – podem ir à casa de banho, ou meter os filhos na cama, ou dar uma olhadela à panela da sopa para amanhã, que ferve em cima do fogão. E veja mais aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
A arte do fotógrafo belga Willy Kessels (1898-1974).

DEDICATÓRIA
O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade
A edição de hoje é dedicada ao Natal Sem Fome, criada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1937-1977), na Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida. Veja aquiaqui e aqui.

AS PREVISÕES DO DORO PARA 2016
Confira aqui.

LEITORA TATARITARITATÁ