Imagem: Eurydice Wounded (1868-70) do pintor realista francês Jean-Baptiste Camille Corot
(1796-1875). Veja mais aqui.
EURÍDICE – (Imagem: Eurydice, do escultor austríaco Joseph Edgar Boehm - 1834-1890) - A ninfa Eurídice encantou o coração do
músico Orfeu, filho de uma das nove musas Calíope e do deus Apolo, que por ela
se apaixonou e se casaram. Contudo, a beleza da ninfa encantava outros homens
e, entre eles, o apicultor que, ao receber a recusa dela, começou a
persegui-la. Ela fugiu e na fuga foi picada por uma cobra, findando por
falecer. Com a sua morte, Orfeu foi tromado por uma tristeza profunda, entoando
tristes melodias que faziam os deuses chorar. Eles então apiedados com a sua
lamúria, recomendaram que seguisse ao Hades e convecesse o Rei dos Mortos a
devolvê-la. Orfeu partir até descer ao mundo inferior tocando sua maravilhosa
Lira que logo conveceu Carante a encaminhá-lo pelo Estige, adormecendo o cão de
três cabeças e guarda do submundo, Cérbero, e amansando os monstros que lhe
vinham deter sua empreitada. Ao chegar ao Hades tocando a sua lira, o Senhor
dos Mortos concedeu que resgatasse a amada, sob a condição de que não deveriam
olhar para trás até que chegassem à superficie. Assim Orfeu conduziu-a ao som
de melodias lindíssimas de felicidade, até que no meio do caminho Eurídice caiu
e o chamou, virando-se para socorrê-la, percebeu um fiapo de fumaça que se
esvaia junto com a última lamúria de amor da mulher. A partir de então, Orfeu
recusou-se a casar-se com qualquer outra mulher, até ofender com sua recusa as
Mênades que, por vingança, depois de muitas tentativas sem êxito, conseguiram
mata-lo e esquarteja-lo, atirando a sua cabeça no Rio Hebro, que clamava: -
Eurídice! Eurídice! As Musas enterraram-no no Monte Olimpo e ele pôde unir-se à
sua amada nos Campos Elisios. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
Curtindo a ópera Orfeu e Eurídice (1762 - Verona Records), do compositor alemão Christoph Willibald Gluck (1714-1787),
com Kathleen Ferrier e a Orchestra and Chorus of the Netherlands Opera,
conducted by Charles Bruck.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA? – Estava eu cá comigo, as ideias
conversando. O que tem que comemorar hoje? – perguntei a mim mesmo. O que? O que
há para comemorar hoje? O aniversário da Meimei Corrêa. Ah, tá. Isso é bom,
pois a vida é uma celebração cíclica de nascimentos e renascimentos. A cada
instante se nasce, morre e renasce. A morte participa da vida e assim vamos até
findar a experiência na Terra. Mas não tenho que falar nada disso, afinal hoje
é aniversário de Meimei Corrêa. É disso que tenho que falar, não de outra
coisa. Pois bem. Há alguns anos atrás, por meio da rede, conheci o trabalho da
radialista e poeta Meimei Corrêa. Ela realizava o programa Domingo Romântico,
um espaço radiofônico para lá de extraordinário. Virei fã. E tempos depois,
pudemos dividir o palco num Sopa de Letras, do Clube Caiuby de Compositores,
em São Paulo. Coroamos nossa amizade e daí nasceu a nossa parceria, a nossa
deliciosa e promissora parceira. Nisso eu que fui e sou até hoje o premiado.
Ela além da sua dedicação e competência no que faz, me presenteou por esses
últimos anos com prêmios que me fez o homem mais realizado do universo: incluiu
minhas músicas na sua programação, transformou em vídeo meus poemas e canções,
fez painéis e baners para minhas coisas, ampliou meu universo de amizades,
enfim, se sou alguma coisa de valia hoje devo ao trabalho, dedicação, carinho e
afeto dessa mulher que merece toda a felicidade do universo. Sou o premiado. Hoje
é aniversário dela e eu que sou todo dia e o dia todo premiado por sua
existência. Por isso sou devedor inadimplente nesta encarnação e, acredito, que
endividado até as minhas próximas, duas ou outras reencarnações. E ser devedor
dessa forma é bastante aparazível, afinal ela merece todos os meus aplausos,
toda minha gratidão e, como não tenho nada para presenteá-la nesta data, dou o
meu coração. Feliz aniversário, queridamada Meimei Corrêa. Aproveitem e confira aqui e aqui.
CONSUMAÇÃO: O HOMEM, A
MULHER E A NATUREZA – No
livro O homem, a mulher a natureza
(Record, 1958), do filósofo e escritor inglês Alan Wilson Watts (1915-1973),
trata da relação homem e natureza, o urbanismo e o paganismo, a ciência e a
natureza, o homem e a mulher, amor sagrado e profano, entre outros assuntos. Da
obra destaco o trecho da parte Consumação: [...] Tudo isso é peculiarmente
verdadeiro no que se refere ao amor e à comunhão sexual entre o homem e a
mulher. É por isso que o amor, quando espontâneo, tem um caráter tão fortemente
místico e espiritual e, quando forçado, é tão degradante e frustrativo. É por
essa razão que o amor sexual é tão problemático nas culturas em que o ser
humano é fortemente identificado com a entidade separada abstrata. A
experiência não se comporta de acordo com as expectativas, tampouco satisfaz o relacionamento
do homem e da mulher; é, ao mesmo tempo, fragmentariamente, bastante
compensatória para ser desejada cada vez mais inexoravelmente pelo alivio que
parece prometer. O sexo é, portanto, a religião virtual de uma numero
considerável de pessoas, o fim a que dedicam mais devoção que a qualquer outro.
Para a mente convencionalmente religiosa, esta veneração ao sexo é um
substituto perigoso e positivamente condenável da veneração de Deus. Mas isso
ocorre porque o sexo, como qualquer outro prazer, da forma normalmente
desejada, jamais chega a ser verdadeiramente uma satisfação. E é exatamente por
essa razão que ele não é Deus e não absolutamente por ser simplesmente físico.
O conflito entre Deus e a natureza se desvanece quando sabemos como experimentar
a natureza, pois aquilo que os mantem separados não é uma diferença de
substância, mas sim uma divisão mental [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
AMAR, VERBO INTRANSITIVO – O romance Amar, Verbo Intransitivo (1927 – Vera Cruz, 1995), do escritor, critico
literário, musicólogo e folclorista brasileiro, Mário de Andrade (1893-1945) conta
a estória de Fraülein e Carlos, quando ela é contratada pelo pai dele, um rico
burguês de origem portuguesa, para ensinar a arte do amor ao filho. As
preocupações do pai dirigem-se à possibilidades do filho perder-se em encontros
com prostitutas comuns ou mesmo ficar doente. Fraülein é introduzida na casa da
família como governanta e procura manter uma postura discreta diante dos familiares,
principalmente por causa das irmãs do rapaz. Segue suas atividades ensinando
alemão e piano para as moças e para Carlos. Aos poucos vai se insinuando para o
rapaz, que acaba sendo tomado de amores pela governanta. Dona Laura, mãe de
Carlos, percebe o envolvimento do filho e conversa com Fraülein. Sousa Costa
acaba contando para a mulher o trato feito e o motivo de suas preocupações com
o filho. O casal decide pela permanência da governanta. Carlos e Fraülein vivem
um idílio amoroso, mantido em segredo. O rapaz aproveita as horas de estudo
sozinhos na biblioteca do pai para amar a governanta. Depois passa a encontra-la
em seu próprio quarto. Com o flagrante do pai, manda a governanta embora e cada
um segue o seu caminho. Da obra destaco o trecho: [...] É coisa que se ensine o amor? creio que não. pode
ser que sim. Fräulein tinha um método bem dela. o deus paciente o construíra,
talqual os prisioneiros fazem essas catitas cestinhas cheias de flores e de
frutas coloridas. Tudo de miolo de pão, tão mimoso! o amor deve nascer de correspondências,
de excelências interiores. espirituais, pensava. Os dois se sentem bem juntos. a vida se aproxima. Repartem-na, pois
quatro ombros podem mais que dois. a gente deve trabalhar... os quatro ombros
trabalham igualmente. Deve-se ter filhos... os quatro ombros carregam os
filhos, quantos a fecundidade quiser, assim cresce a Alemanha. de noite uma
ópera de Wagner. Brahms. Brahms é grande. que profundeza, seriedade. Há
concertos de órgão também. e a gente pode cantar em coro... os quatro ombros
frequentam a sociedade coral. têm boa voz e cantam. Solistas? Só cantam em
coro. Gesellschaft. Porém isso é para alemães, e prós outros? Sim: quase o
mesmo... apenas um pouco mais de verdade prática e menos Wagner. E o serviço
dela entende só da formação dos homens. O homem tem de ser apegado ao lar.
Dirige o sossego do lar. Manda. Porém sem domínio. Prove. É certo que a mulher
o ajudará. O ajudará muito, dando algumas lições de línguas, servindo de
acompanhadora pra ensaios na panzschuele, fazendo a comida, preparando doces,
regando as flores, pastoreando os gansos alvos no prado, enfeitando os lindos
cabelos com margaridinhas... Fräulein engole quase um remorso porque se apanha
a divagar. Queixumes do deus encarcerado. O homem-da-vida quer apagar tantas
nuvens e afirma ríspido que não trata-se de nada disso: a profissão dela se
resume a ensinar primeiros passos, a abrir olhos, de modo a prevenir os
inexperientes da cilada das mãos rapaces. E evitar as doenças, que tanto
infelicitam o casal futuro. Profilaxia. Aqui o homem-do-sonho corcoveia, se
revolta contra a aspereza do bom senso e berra: profilaxia, não! mas porém
deverá parolar, quando mais chegadinho o convívio, sobre essas
"meretrizes"que chupam o sangue do corpo sadio. O sangue deve ser
puro. vejam por exemplo a Alemanha, que-dê raça mais forte? Nenhuma. E
justamente porque mais forte e indestrutível neles o conceito da família. Os
filhos nascem robustos as mulheres são grandes e claras. são fecundas. O nobre
destino do homem é se conservar sadio e procurar esposa prodigiosamente sadia.
de raça superior, como ela, Fräulein. Os negros são de raça inferior. Os índios
também. Os portugueses também. Mas esta última verdade Fräulein não fala aos
alunos. Foi decreto lido a vez em que um trabalho de Reimer lhe passou pelas
mãos: afirmava a inferioridade dos latinos. Legítima verdade, pois quem é
reimer? Reimer é um grande sábio alemão. Os portugueses fazem parte duma raça
inferior. e então os brasileiros misturados? Também isso Fräulein não podia
falar. Por adaptação. só quando entre amigos de segredo, e alemães. Porém os
índios, os negros quem negará sejam raças inferiores? Como é belo o destino do
casal superior. sossego e trabalho. Os quatro ombros trabalham sossegadamente,
ela no lar, o marido fora do lar. Pela boca da noite ele chega da cidade
escura... vai botar os livros na escrivaninha. Depois vem lhe dar o beijo na
testa... beijo calmo... beijo preceptivo... todo de preto, com o alfinete de
ouro na gravata. nariz longo, quase diáfano bem raçado... todo ele é claro, transparente...
tossiria, arranhando o óculos sem aro... tossia sempre... e a mancha irregular
do sangue nas maçãs... jantariam quase sem dizer nada... como passara?...
assim, e ele?... talvez mais três meses e termina o segundo volume de o apelo da natureza na poesia dos minnesänger... lhe davam o lugar na
universidade... a janta acabava... ele atirava-se ao estudo... ela arranja de
novo a toalha sobre a mesa... temos concerto da filarmônica amanhã. Diga o
programa. abertura de spohr, a pastoral de Beethoven, Strauss, hino ao sol de Mascagni e Wagner. a pastoral? A pastoral. que
bom. e de wagner? Siegfried-idill e götterdãmmerung. Siegfried-idill? Siegfried-idill.
ah! Podiam dar a heróica... já ouvimos cinco vezes a pastoral, este ano...
podiam levar a heróica... mas a heróica... Napoleão... em todo caso a gente não
pode negar: napoleão foi um grande general... morreu preso em Santa Helena.
aqui Fräulein repara que aos poucos o homem-do-sonho se substituíra de novo ao
homem-da-vida. É porque este aparece unicamente quando trata-se de viver mover
agir. o outro é interior, eu já falei. Ora, pois o pensamento é interior, nem sequer é
volição, que participa já do ato. O homem-da-vida age não pensa. Fräulein está
pensando. Nem o homem-da-vida, propriamente, lhe disse que ela ensina apenas os
primeiros passos do amor, dá a entender isso apenas, pela maneira com que
obstinada e mudamente se comporta. Franqueza: o que pratica é isso e apenas
isso. [...] Veja mais aqui.
SOB OS RAMOS, ISNABEL – O livro ReVisão de Kilkerry (Brasiliense, 1985), do poeta, tradutor e
ensaísta Augusto de Campos, traz uma
revisão da poesia e da cronologia das obras do jornalista, advogado e poeta
simbolista brasileiro Pedro Kilkerry
(1885-1917), os sonetos da Harpa Esquisita, recriações, poemas, sátiras,
manuscritos, notas trêmulas e outras, prosa esparsa e apêndices com declarações
de Jackson Figueiredo, Carlos Chicacchio, , subsídios biográficos, casos, entre
outros. Do livro, inicialmente destaco o soneto Sob os ramos: É no Estio. A alma, aqui, vai-me sonora, / No
meu cavalo — sob a loira poeira / Que chove o sol — e vai-me a vida inteira / No
meu cavalo, pela estrada a fora. / Ai! desta em que te escrevo alta mangueira /
Sob a copada verde a gente mora. / E em vindo a noite, acende-se a fogueira / Que
se fez cinza de fogueira agora. / Passa-me a vida pelo campo... E a vida / Levo-a
cantando, pássaros no seio, / Qual se os levasse a minha mocidade... / Cada
ilusão floresce renascida; / Flora, renasces ao primeiro anseio / Do teu
amor... nas asas da Saudade! Também merece destaque o seu Isnabel: Fosse este amor vergel desabrochando em
sonhos, / da esperança ao luar, virgem de mágoa e dor, / onde o riso salmeasse
em salmeios risonhos, / e este amor, Isnabel, bem que seria amor. / Mas se
minh´alma é toda um pedaço de noite, / sem que pirimpeie uma estrela sequer, /
onde brame o rancor e passa o ódio, em açoite, / como na tempestade os maus
ventos, mulher... / maldize-o. conserva a candidez do arminho, / abrindo ao sol
da vida, à vida rindo – flor. / Nunca merecerei, por ser mau, teu carinho / e
este amor, Isnabel, não pode ser amor. / Maldize-o eternamente. E, eternamente,
nega / do palácio do beijo a porta rosicler; / deve minh´alma ser eternamente
cega, deves eternamente esplendecer, mulher. Veja mais aqui.
TU,
SÓ TU, PURO AMOR– A
comédia Tu, só tu, puro amor, do
escritor Machado de Assis (1839-1908),
trata sobre o desfecho dos amores palacianos de Camões e de D. Catarina de
Ataíde. Da peça teatral destaco o acena VIII: [...] CAMÕES, D. CATARINA DE ATAÍDE - CAMÕES, com
uma reverência. - Irei eu. Adeus, minha senhora D. Catarina de Ataíde! (D. Catarina dá um passo para ele.) Mantenha-vos
Deus na sua santa guarda. D. CATARINA - Não... vinde cá... (Camões detém-se.) Enfadei-vos? Vinde
um pouco mais perto. (Camões aproxima-se.)
Que vos fiz eu? Duvidais
de mim? CAMÕES - Cuido que me quereis ausente. D. CATARINA - Luís! (Inquieta.) Vede esta sala, estas paredes... falarmos a sós... Duvidais de
mim? CAMÕES - Não duvido de vós; não duvido da vossa ternura: da vossa firmeza
é que eu duvido. D. CATARINA -
Receiais que fraqueie algum dia? CAMÕES - Receio; chorareis muitas lágrimas,
muitas e amargas... mas, cuido que fraqueareis. D. CATARINA - Luís! juro-vos...
CAMÕES - Perdoai, se vos ofende esta palavra. Ela é sincera: subiu-me do
coração à boca. Não posso guardar a verdade; perder-me-ei algum dia por dizê-la
sem rebuço. Assim me fez a natureza; assim irei à sepultura. D.
CATARINA - Não, não fraquearei, juro-vos. Amo-vos muito, bem o sabeis. Posso
chegar a afrontar tudo, até a cólera de meu pai. Vede lá, estamos a sós; se nos
vira alguém... (Camões dá um passo para sair.) Não, vinde cá. Mas, se nos vira
alguém, defronte um do outro, no meio de uma sala deserta, que pensaria? Não
sei que pensaria; tinha medo há pouco, já não tenho medo... amor sim... O que
eu tenho é amor, meu Luís. CAMÕES
- Minha boa Catarina. D. CATARINA -
Não me chameis boa, que eu não sei se o sou... Nem boa, nem má. CAMÕES - Divina
sois D. CATARINA - Não me deis nomes que são sacrilégios. CAMÕES - Que outro
vos cabe? D. CATARINA - Nenhum. CAMÕES - Nenhum? - Simplesmente a minha
doce e formosa senhora D. Catarina de Ataíde, uma ninfa do paço, que se lembrou
de amar um triste escudeiro, sem se lembrar que seu pai a guarda para algum
solar opulento, algum grande cargo de camareira-mor. Tudo isso havereis,
enquanto que o coitado de Camões irá morrer em África ou Ásia... D. CATARINA - Teimoso sois! Sempre essas idéias
de África... CAMÕES - Ou Ásia. Que tem isso? Digo-vos que, às vezes, a
dormir, imagino lá estar, longe dos galanteios da corte, armado em guerra,
diante do gentio. Imaginai agora... D. CATARINA - Não imagino nada; vós sois meu, tão só meu, tão-somente meu. Que me
importa o gentio, ou o Turco, ou que quer que é, que não sei, nem quero? Tinha que ver, se me deixáveis, para
ir às vossas Áfricas... E os meus sonetos? Quem mos havia de fazer, meu rico
poeta? CAMÕES - Não faltará quem vo-los faça, e da maior perfeição. D. CATARINA
- Pode ser; mas eu quero-os ruins, como os vossos... como aquele da Circe, o
meu retrato, dissestes vós. CAMÕES, recitando.
Um mover de olhos, brando e piedoso. Sem ver de que; um riso brando e
honesto, Quase forçado um doce e humilde gesto De qualquer alegria duvidoso... D.
CATARINA - Não acabeis, que me obrigareis a fugir de vexada. CAMÕES - De
vexada! Quando é que a rosa se vexou, por que o sol a beijou de longe? D.
CATARINA - Bem respondido, meu claro sol. CAMÕES - Deixai-me repetir que sois
divina. Natércia minha, pode a sorte separar-nos, ou a morte de um ou de outro;
mas o amor subsiste, longe ou perto, na morte ou na vida, no mais baixo estado,
ou no cimo das grandezas humanas, não é assim? Deixai-me crê-lo, ao menos;
deixai-me crer que há um vínculo secreto e forte, que nem os homens, nem a
própria natureza poderia já destruir. Deixai-me crer... Não me ouvis? D.
CATARINA - Ouço, ouço. CAMÕES - Crer que a última palavra de vossos
lábios será o meu nome. Será? Tenha eu esta fé, e não se me dará da
adversidade; sentir-me-ei afortunado e grande. Grande, ouvis bem? Maior que
todos os demais homens. D. CATARINA -
Acabai! CAMÕES - Que mais? D. CATARINA - Não sei; mas é tão doce ouvir-vos! Acabai, acabai,
meu poeta! Ou antes, não, não acabeis; falai sempre, deixai-me ficar
perpetuamente escutar-vos. CAMÕES - Ai de
nós! A perpetuidade é um
simples instante, um instante em que nos deixam sós nesta sala! (D. Catarina afasta-se rapidamente.) Olhai;
só a idéia do perigo vos arredou de mim. D. CATARINA - Na verdade, se nos
vissem... Se alguém aí, por esses reposteiros... Adeus... CAMÕES - Medrosa,
eterna medrosa! D. CATARINA - Pode ser que sim; mas não está isso mesmo no meu
retrato? Um encolhido ousar, uma
brandura, Um medo sem ter culpa; um ar sereno, Um longo e obediente
sofrimento... CAMÕES - Esta foi a celeste formosura Da minha
Circe, e o mágico veneno Que pôde transformar meu pensamento. D. CATARINA, indo a ele. - Pois então? A vossa Circe manda-vos que não duvideis dela, que lhe
perdoeis os medos, tão próprios do lugar e da condição; manda-vos crer e amar.
Se ela às vezes foge, é porque a espreitam; se vos não responde, é porque outros ouvidos poderiam
escutá-la. Entendeis? É o que vos manda dizer a vossa Circe, meu poeta... e
agora... (Estende-lhe a mão.) Adeus!
CAMÕES - Ides-vos? D. CATARINA - A rainha espera-me. Audazes fomos, Luís. Não
desafiemos o paço... que esses reposteiros... CAMÕES - Deixa-me ir ver! D. CATARINA, detendo-o.
- Não, não. Separemo-nos. CAMÕES - Adeus! (D. Catarina dirige-se para a porta da esquerda; Camões olha para a
porta da direita.) D. CATARINA - Andai, andai! CAMÕES - Um instante
ainda! D. CATARINA - Imprudente! Por quem sois, ide-vos meu Luís! CAMÕES - A
rainha espera-vos? D. CATARINA - Espera. CAMÕES - Tão raro é ver-vos! D. CATARINA - Não afrontemos o céu... podem dar
conosco... CAMÕES - Que venham! Tomara eu que nos vissem! Bradaria a
todos o meu amor, e a que o faria respeitar! D. CATARINA, aflita pegando-lhe
na mão. - Reparai, meu Luís, reparai onde estais, quem eu sou, o
que são estas paredes... domai esse gênio arrebatado, peço-vo-lo eu. Ide-vos em
boa paz, sim? CAMÕES - Viva a minha corça
gentil, a minha tímida corça! Ora vos juro que me vou, e de corrida. Adeus! D.
CATARINA - Adeus! CAMÕES, com a mão dela presa.
– Adeus D. CATARINA - Ide...
deixai-me ir! CAMÕES - Hoje há luar; se virdes um embuçado diante das vossas
janelas, quedado a olhar para cima, desconfiai que sou eu; e então, já não é o sol a beijar de longe uma rosa, é
o goivo que pede calor a uma estrela. D. CATARINA - Cautela, não vos
reconheçam. CAMÕES - Cautela haverei; mas, que me reconheçam, que tem
isso? embargarei a palavra ao importuno. D.
CATARINA - Sossegai. Adeus! CAMÕES - Adeus! (D. Catarina dirige-se
para a porta da esquerda, e pára diante dela, à espera que Camões saia. Camões
corteja-a com um gesto gracioso, e dirige-se para o fundo. - Levanta-se o reposteiro da porta da direita,
e aparece Caminha. - D.
Catarina dá um pequeno grito, e sai precipitadamente. - Camões detém-se. Os dois homens olham-se por
um instante.). Veja mais aqui e aqui.
AMOR, DE NOVO – O romance Amor, de novo (Companhia das Letras,
2003) da escritora britânica Doris
Lessing (1919-2013), conta a história de um amor impossível, envolvendo a
paixão da sexagenária Sarah Durhan pelo jovem ator Bill e o sisudo diretor de
teatro, Henry: loucuras e incertezas com o primeiro, pacificidade com o segundo.
Da obra destaco o trecho a seguir: [...] Fácil pensar que aquilo era
um quarto de despejo, silencio - so e abafado numa cálida penumbra, mas uma
sombra se moveu, alguém veio à tona para afastar as cortinas e abrir as
janelas. Era uma mulher, que em passos rápidos saiu por uma porta, que deixou
aberta. Assim revelado, o quarto estava sem dúvida cheio demais. Junto a uma
parede, todas as evidências de evolução técnica — um aparelho de fax, uma
copiadora, um computador, telefones —, quanto ao resto, porém, aquele lugar
podia facilmente ser tomado por um depósito de teatro, com o busto dourado de
uma mulher romana, muito maior que o natural, máscaras, uma cortina de veludo
carmesim, pôsteres e pilhas de partituras, ou melhor, cópias que reproduziam
fielmente originais amarelecidos e desbeiçados. Na parede acima do computador,
uma grande reprodução do Mardi Gras, de Cézanne, também desgastada: rasgada ao
meio e remendada com fita colante. A mulher na sala ao lado se dedicava com
energia a alguma coisa: objetos eram deslocados. Então ressurgiu e ficou olhando
a sala. Não era jovem, como seria fácil imaginar pelo vigor de seus movimentos
quando ainda entrevista nas sombras. Uma mulher de certa idade, como diriam os
franceses, ou mesmo um tanto mais velha, e pouco apresentável no momento,
vestindo calça velha e camisa. Era uma mulher alerta, cheia de energia, mas não
parecia contente com o que via. Mesmo assim, afastou esse pensamento e foi para
o computador, sentou-se, estendeu a mão e pôs uma fita para tocar.
Instantaneamente a sala se encheu com a voz da Condessa Dié, vinda de oito
séculos antes (ou pelo menos uma voz capaz de convencer o ouvinte de que era a
Condessa), cantando os seus eternos lamentos: Devo cantar, queira ou não: Quanta
mágoa por aquele de quem me fiz amiga, Pois o amo mais que tudo neste mundo... A
mulher, sentada, mãos prontas para atacar as teclas, tinha consciência de
sentir-se superior a essa irmã antiga, para não dizer que a condenava. Não
gostava disso em si mesma. Estaria ficando intolerante? [...]. Veja mais aqui.
AMOR ESTRANHO AMOR – O polêmico filme Amor estranho amor (1982) do cineasta Walter Hugo Khouri, traz o
cenário do momento político às vésperas do golpe militar, contando a história
de um homem da meia idade relembrando a situação de como foi quando garoto,
deixado por sua avó diante de um palacete de luxo, onde se encontrava sua mãe
Anna, uma prostituta, que vivia com um poderoso político paulista. Nesse ambiente
ele passa a conviver com garotas de programa, enquanto é iniciado por uma
delas, a Tamara. Por esse filme a atriz Vera
Fischer ganhou dois prêmios: Melhor Atriz no Festival de Cinema de Brasilia
e no Prêmio Air France de Cinema, ambos em 1982. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Foto: Eurydice, de Patrick
Nicholas
Veja mais sobre:
Entre topadas e sonhos, A poesia completa de Ledo Ivo, Esferas
de Peter Sloterdijk, Linguagem poética de Jean Cohen, a música de Miguel Álvarez-Fernández, a coreografia de Pina Bausch
& a pintura de María Blanchard aqui.
E mais:
Brincarte do Nitolino, Holismo & evolução de Jan
Christiaan Smuts, a poesia de Joseph Brodsky, a música de Bob Dylan, o teatro
de Gianfracesco Guarnieri, o cinema de Leon Hirszman, a pintura de Jacopo
Pontormo & a arte de Helena Ranaldi aqui.
Finanças públicas aqui.
Sulina, a opulência da beldade, Viventes das Alagoas de Graciliano
Ramos, Mídia & cultura de Douglas Kellner, a música de Ronaldo Bastos, o
pensamento de Horácio, Rede de Arame de Wanda Cristina da Cunha, o teatro de Lavinia Pannunzio &
Regina França, o cinema de Andrew Niccol Uma Thurman, a pintura de André Derain
& Cindy Sherman, Todo dia é dia da mulher & a arte de Thaís Motta aqui.
Todo dia é dia da mulher, a literatura de Mário Quintana, Os
contos tradicionais de Luís da Câmara Cascudo, o pensamento de Voltaire, A comunicação de Juan
Diaz Bordenave, o teatro de Sérgio Roveri & Tuna Dwek, o cinema de
François Truffaut & Jeanne Moreau, a música de Daniela
Spielmann, a poesia de Gerusa Leal, a pintura de Anita
Malfatti & Hans Temple aqui.
A mulher na antiguidade, Berenice de Edgar Allan
Poe, O fio da navalha de Louise Glück, A quântica de Max Planc, O diário
de Adão & Eva de Mark Twain, Foco & sucesso de Daniel Goleman, a música
de Shirley Horn, o cinema de Alain Berliner &
Demi Moore, a arte de Alessandra Cavagna, a pintura de Edouard
Manet & a gravura de Johann Theodor de Bry aqui.
Leolinda Daltro & Todo dia é dia da
mulher aqui.
A mulher nos primórdios da humanidade, A mulher grega de Friedrich Engels, A
época da inocência de Edith Wharton, Sou a flor de Maria Polydouri, Virginia
Woolf & Paula Picarelli, a música de Sainkho
Namtchylak, o pensamento de Horácio & Jean de La Fontaine, o cinema
de Michael Haneke & Juliette Binoche, A instrução dos amantes de Inês
Pedrosa, a pintura de Jean-Léon Gérôme & a arte de Hanna Cantora aqui.
Derluza & a saúde na Justiça, Jardim morto de Federico García Lorca,
Filosofia na alcova de Marquês de Sade, a poesia de Robert Burns, O sexo na
História de Reay Tannahill, a música de Radamés Gnatalli & Fernanda Chaves
Canaud, o pensamento de Virgílio, o cinema de Jean-Luc Godard, a pintura de
Sebastian Llobet Ribas, a arte de Jules Ralph Feiffer
& Chilica Contadora de Histórias aqui.
A mulher na Roma Antiga, Uma rosa para Emily de William
Faulkner, A mulher e o patriarcado Helena Iara Bongiovani Saffioti, a música de
Jacqueline Du Pre, o pensamento de Victor Hugo,
Elizabeth Short & Mia Kirshner, a arte de Carmen Tyrrel, a escultura de
Jean-Baptiste Pigalle, Lenita Estrela de Sá & Lia Helena Giannechini aqui.
As duas mortes de Dona Zezé, Violência contra a mulher de Maria
Amélia de Almeida Teles e Monica Melo, a música de Jane Birkin, o pensamento de
Jacques-Antoine-Hyppolyte, a pintura de Rafael Hidalgo de
Caviedes, a poesia de Diva Cunha, o teatro de João Caetano dos Santos, o
cinema de Joel Coen & Frances McDormand, a arte de Frank Miller & Maria
de Medeiros, Fernando Fiorese, Regina Souza Vieira & Deize Messias aqui.
A mulher no Cristianismo, O caso das camas de Fernando Sabino, A
responsabilidade dos relacionamentos afetivos de Ana
Cecília Parodi, a música de Francisco Mignone & Lilian Barreto, a
poesia de Germana Zanettini, o teatro de Adrienne Lecouvreur, o cinema de Júlio
Bressane & Bel Garcia, Teodora & Marózia, a arte de Rodrigo Luff &
Manoela Afonso aqui.
As sombras de Gilvanícila, O barão de Itararé de Fernando de
Brinkerhoff Torelly, a música de The Dresden Dolls, o pensamento de Juvenal
& Voltaire, Heloisa de Paráclito, a poesia de Claudia Pastore, o teatro de Mademoiselle Clairon, o cinema de Rainer Werner
Fassbinder & Rosel Zech, a pintura de Ângelo Cantú, a
arte de Demócrito Borges & Isabela Morais aqui.
A mulher da Idade Média, A cidade de Ulisses de Teolinda Gersão,
Mulher & gênero de Cecília Toledo, Ser humana de Marcia Moraes, a música de
Johann Joachim Quantz & Verena Fischer, a literatura de Naoki Higashida, o
teatro de Marie Dumesnil, o cinema de Fritz Lang
& Anne Baxter, a pintura de Georges Rouault
& Siron Franco, Benita Prieto & Maisa Vibancos aqui.
Mulher & Solidariedade, A mulher medieval de Andreé Michel, o teatro
de Mademoiselle Mars, a música de Joyce, o pensamento de Sêneca, O florista de
Nilza Amaral, O Tristão de Dilercy Adler, o cinema de Neil Jordan & Ruth
Negga, a pintura de Paulo Paede, a arte de Julia Crystal & Claudinha Cabral
aqui.
Fecamepa –
quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
Cordel
Tataritaritatá &
livros infantis aqui.
História da mulher: da antiguidade ao
século XXI aqui.
Palestras: Psicologia, Direito &
Educação aqui.
A croniqueta de antemão aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Art by Ísis
Nefelibata
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Aprume a conversa aqui.