PENÚLTIMA CARTA DE MAIO - Imagem: arte da
pintora, escultora e fotógrafa estadunidense Lynn Bianchi. - Estou aqui há
tempo e nem sei mais o exato ou não, encolhido, deste tamaínho, milhares de
abismos em mim para me perder e, para não cair, me deitei no chão frio na hora
grande da solidão. Comumente é assim: eu daria o mundo para não tombar em vão,
inútil deriva onírica carregada de vertigens. O que aconteceu comigo, já
despenquei não sei quantos epigramas e me arrasto carregando meu fardo pelo
assoalho nada aconchegante na hora errada dos vacilos. Em nome de quem estiro
minhas costelas pelo pó da velharia escolar, sem casa nem teto, a me valer do
que não tenho, a sentir-me na terceira margem, pra saber que o lado de cá é
sempre menor que tantos outros. Nunca pensei que algo acabasse assim, para mim
há sempre uma gota de sangue em cada palavra e um gole de veneno em cada pronúncia,
e o gozo entre um e outro, a eterna vigília que de nada adianta ao desabar. Todos
querem um mundo melhor e só tornam as coisas piores, a inumerável realidade
volúvel, o mundo vivo das notícias tristes e a certeza da incerteza. Da penúltima
vez era quase agora, quase última, de nenhuma ou talvez. Nem sabia que era e
foi aquele gosto de véspera. Da penúltima vez eu quase não sabia nada, talvez
ainda julgasse pelas aparências ou não havia me dado conta de que podia sonhar
o impossível e realizá-lo de olhos bem abertos. Eu não via o que não era,
ignorava o segredo por trás de todas as expressões, sequer sabia que não era
nem segredo, não havia aprendido a amar de verdade. Não havia espera, eu era
todas as funduras da unidade. Não havia depois naquele momento de ontem e
amanhã, o gosto da eternidade. Mais soubesse teria feito tudo de novo pra não
me arrepender de nada, nunca me arrependi. Mais soubesse não haveria última:
tudo faz parte do todo. Eu apenas sonhava e era real. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do professor, músico e pesquisador Walter Smetak (1913-1984): Música dos mendigos, Uibitus Beija-flores e
ETC & Interregno; da cantora Vânia Abreu: Seio da Bahia, Pra mim & Dó de mim; & muito mais
nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A
linguagem (a fala humana) constitui uma fonte inesgotável de múltiplos
tesouros. Inseparável do homem, sempre presente em todos os seus atos, é a
linguagem que dá forma a seu pensamento e sentimentos, assim como a seus
esforços vontades e ações. Fundamento último da sociedade humana, a linguagem é
a marca da personalidade individual, do país natal e da nação. O título de
nobreza do homem [...]. Pensamento do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev
(1899-1965), que desenvolveu a teoria da Glossemática, caracterizada por um
alto grau de formalismo por estar interessada em descrever as características formais
da linguagem no contexto da lógica. Veja mais aqui e aqui.
DEUS & O ESTADO – [...] Todos os ramos da ciência moderna, da
verdadeira e desinteressada ciência, concorrem para proclamar esta grande verdade,
fundamental e decisiva: o mundo social, o mundo propriamente humano, a
humanidade numa palavra, outra coisa não é senão o desenvolvimento supremo, a
manifestação mais elevada da animalidade pelo menos para nós e em relação ao
nosso planeta. Mas como todo desenvolvimento implica necessariamente uma negação,
a da base ou do ponto de partida, a humanidade é, ao mesmo tempo e
essencialmente, a negação refletida e progressiva da animalidade nos homens; e
é precisamente esta negação, racional por ser natural, simultaneamente
histórica e lógica, fatal como o são os desenvolvimentos e as realizações de
todas as leis naturais no mundo, é ela que constitui e que cria o ideal, o
mundo das convicções intelectuais e morais, as ideias. [...] Assim, todas as vezes que um chefe do Estado
fala de Deus, quer seja o imperador da Alemanha ou o presidente de uma
república qualquer, estai certo de que ele se prepara para tosquiar de novo seu
povo-rebanho. [...]. Trechos extraídos da obra Deus e o Estado (Cortez, 2011), do
escritor, ativista anarquista e teórico libertário russo Mikhail Bakunin
(1814-1876). Veja mais aqui.
AMANHÃ SERÁ OUTRO DIA – [...] A chuva deixara os bulevares
quase vazios e só restava gente agrupada no café envidraçado onde, havia meses,
não a deixavam entrar. Sonia, de pé no vestíbulo da casa vazia, viu que a chuva
passava, fatigada, a manso chuvisco, viu-a cessar enquanto aumentava o frio do
vento, e pensou que aquilo era sinal de boa sorte. Um pouco mais longe, do
outro lado do amplo passeio, as luzes da cidade começavam a se acender. A noite
tinha início, e, respirando o aroma tristonho de seu casaco molhado, Sonia
pensou que também a esperança tinha início. Sorriu, sem realmente acreditar,
como uma menina para a qual recitaram uma história já ouvida e inverossímil. Apalpou
novamente a crespa peruca loira e com grande cuidado — tinha as unhas muito
compridas — foi esticando as meias ensopadas presas pelas ligas. Sentiu fome de
novo e lembrou que tinha um sanduíche de presunto no bolso. Mas não podia
estragar o desenho da boca que fizera com batom e com tanto cuidado. Também
lembrou que até o fim do mês estava em ordem com a polícia e obrigou-se a
caminhar, aproximando-se da beira das calçadas para sorrir para os carros,
rebolar e parar, fingindo procurar alguma coisa na bolsa enorme. Mas nada,
ninguém, e sem dinheiro para tentar a sorte em bares onde ainda a deixavam
entrar. Era noite e depois madrugada no bairro sujo da grande cidade. E Sonia,
já sem fome, quase sem esperanças, continuava caminhando sobre a dor dos
sapatos de salto agulha. Repetiram-se os breves diálogos com os homens que
passavam. — Vamos. Você vem? — Vá tomar no cu. — Gosto disso. Eu também posso
botar se quiser experimentar. Homens e homens e seu asco por eles. A luz limpa
ameaçava chegar do porto e as outras iam se apagando. Subiu as escadas pisando
com as meias de seda caras. Abriu a porta manchada e acendeu a luz do teto. O
rapaz, que sentou- se na cama, perguntou com medo: — Como foi? — Uma merda,
boneca. Estou faminta. Acho que tínhamos uma lata de sardinha e sobrou pão do
café-da-manhã. O menino, moreno e magro, levantou-se da cama e começou a
remexer no armário; disse com voz de mimo e queixa: — Você ainda não me beijou.
— Agora. Diante do espelho Sonia tirou a peruca e acariciou as faces. — Outra
vez barbuda. Depois tirou a roupa e ficou olhando os peitos inchados com
silicone e o sexo que penderia trêmulo e inútil mesmo depois das sardinhas. [...].
Trechos extraídos da obra 47 contos de
Juan Carlos Onetti (Companhia Das Letras, 2006), do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994). Veja
mais aqui e aqui.
PRAGA - Se destruíres nosso povo / Que a chuva vire pedra sobre
teus campos. / Que a pedra dispare brotos de pedra. / Que pão de pedra esteja
em tua mesa. / Que pétreo seja o chão em que pisas. / Que pétreo seja teu céu
acima. / Que o mar vire pedra. / Vire pedra como teu coração é de pedra / Contra
nossa terra e nosso povo. Poema do poeta
estoniano Kalju Lepik (1920-1999).
A ARTE MARÍA LA RIBOT
A arte
da bailarina e coreógrafa performática espanhola María La Ribot.
II
Festival Internacional de Música de Campina Grande – II FIMUS Jazz, dias 14 e
15 de julho de 2018, no Teatro Municipal & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte da pintora,
escultora e fotógrafa estadunidense Lynn Bianchi.
&
Brincava
e aprendia, a literatura de Autran
Dourado, a poesia de Vielimir Khlébnikov & a fotografia de Colin
Solomon aqui.