O ACERTO DO ERRO, OU O
CONTRÁRIO – Imagem: arte do
fotógrafo alemão Bill Brandt
(1904-1983). - Bestinha não dava uma dentro: se acertasse na veia,
pisava na bola; se chegasse na hora, o local era outro; se apontasse pro alvo,
o tiro saía pela culatra; se pegasse carona, a direção era outra. Não tinha jeito,
de mesmo. Nada dava certo, nem na marra ou com socorro alheio. No fim, tudo
gorava: se estava tudo certo, na horagá, falhava; se garantido, fracassava; se
fechado, desfeito; e se assinado, registrado em cartório, tudo preto no braço,
malograva. Assim, não pode. Tolinho mesmo que era carne e unha com ele, já
desconfiava, abrindo da vela: Esse cara é um azarento dum pé frio, um atrapalho
de vida! E se distanciava porque devia ser contagioso. Nada, daqui a pouco se
esquecia disso e lá estavam acoloiados aprontando das suas, cara dum, cu de
outro. Pois bem. Um dia lá, Bestinha viu de longe a Liu Malagueta e endoidou o
cabeção: Mermão, mulé dessa é de desarrumar a vida de qualquer um! Tolinho mais
que gato escaldado, aconselhou: Rapaz, segura o andor que o santo é de barro.
Nada, vou com tudo. Arrepara, mesmo. Vai não, rapaz. Vou. Num vai. Vou. E foi.
Lá foi Bestinha, mala, cuia, com os quatro pneus arriados e estepe tudo atrás
da beldade. Não demorou muito, voltou se arrastando com o rabo entre as pernas:
Que foi, rapaz? Quando cheguei nela, olhou pra mim e disse: Não vem que não
tem! Lasquei-me, tô apaixonado. Toma vergonha na cara, Bestinha! Mas eu tô
apaixonado por ela, meu! Deixa de ser leso, tu num tais vendo que aquilo não é carrega
pras tuas forças, desgraçado? Tu não tem cardan, lá pode com aquilo, maloqueiro!
Dou um jeito. Ah, só se for pra levar gaia, porque doutro jeito não tem. Bestinha
não se conformou e pra onde a Liu Malagueta ia, ele ia atrás, às escondidas,
procurando oportunidade da precisão dela, pra ele aparecer como o seu herói. Toda
vez que surgia oportunidade, era alarme falso, ele voltava mais murcho com o
revés, um fiasco. Cada vez mais ele se espremia de paixão, já estava por um
cabelinho de sapo, quando ela passando levou um tropicão e ele conseguiu, pelo
menos pegá-la. Resultado: atrapalhou-se, ela caiu por cima dele e ele por cima
de Enginaldita, aí apanhou dos dois lados: tabefe lá e cá. Quem mandou se
intrometer? É que a Liu bateu tanto nele, que a Enginaldita comiserou depois de
dar-lhe uns trocentos murros na cara e nos costados. Na última do salto do
sapato da Liu no quengo, ele caiu desmaiado; Enginaldita teve pena,
arrastou-lhe pro quarto dela, cuidou, tratou, lavou e não deixou o cara morrer,
assim, à míngua. Um dia e meio lá depois, ele abriu um olho, não sabia onde
estava, e aos poucos foi tomando conta da situação, quando deu de cara com a moça
cuidadosa: Você salvou a pátria! Ela sorriu e uma lágrima rolou nas suas faces.
Ele apertou as vistas, fechou os olhos, fez força e enterneceu, enxugou a
lágrima dela com o polegar, acarinhou suas faces, ficou admirando, ela com
olhos rasos d’água, ele conferindo tudo nas faces dela, olhos nos olhos,
paralisados, ele quis falar, mas o nó na garganta atrapalhou, ela também
engolia seco, até que se abraçaram e não foram felizes para sempre, nunca
seria, ainda hoje arengam que só, maior incompatibilidade de gênio, astrologias
opostas, gostos divergentes, ele uma anta e ela de lua, tinha tudo pra dar errado
e deu certo, uma roleta russa na roda da fortuna. Pois é, pelo menos, ela
acerta nos palpites pra livrá-lo dos vexames. No final das contas, ele só faz o
que ela quer: livrou-se do azarão e das más companhias. Um completa o outro
meio que entre tapas e beijos, alisados e desaforos, ponto final. Ah, o amor é
lindo. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor, compositor e violonista Carlos Lyra: Pobre menina rica ao vivo, Eu sou o show & The Sound
of Ipanema com Paul Winter; da pianista de jazz e compositora estadunidense Carla Bley: Live in France, Andando el tempo & The Banana
Quintet; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Nosso
viver é ação; tudo que fazemos é ação; não uma ação particular no mundo dos
negócios ou no mundo científico ou no mundo da especulação chamada filosofia.
[...] A palavra liberdade implica também
amor; mas não a liberdade de fazer o que querem, quando querem ou onde querem.
Estamos todos vivendo nesta terra, cada qual buscando a sua própria liberdade,
buscando sua forma de auto-expressão, sua própria realização, sua senda para a
iluminação [...] liberdade não é
realizar as próprias ambições, a cobiça, a inveja, etc. [...] Liberdade implica amor e não significa
irresponsabilidade [...]. Trecho extraído da obra Sobre a liberdade
(Cultrix, 1991), do filósofo, escritor e educador indiano Jiddu
Krishnamurti (1895-1986). Veja mais aqui.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIDA - [...] Tentar compreender uma vida como uma série
única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que
não a associação a um "sujeito" cuja constância certamente não é
senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a
razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a
matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. [...]. Trecho extraído da obra A ilusão biográfica (FGV, 1998), do sociólogo francês Pierre
Bourdieu (1930-2002). Veja mais aqui.
MADEIRA DE LEI – [...] Tempos
atrás um cachalote cornudo encalhou na Praia de Traba, algumas pessoas adoecem
quando são afastadas das rotinas da vida e da morte, o ruim é não saber
perdoar, é necessário ajudar os possessos a vomitarem o demônio que trazem no
corpo, com vestes militares levaram o corpo de São Campio para a paróquia de
San Ourente de Entíns, em Outes, os dois santos se dão bem,… [...]. Trecho extraído da obra Madeira de lei (Bertrand Brasil, 2001), do escritor e jornalista
espanhol vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, Camilo José Cela
(1916-2002). Veja mais aqui.
TRES POEMAS - MARIA
DAS QUIMERAS: Maria das Quimeras me chamou / alguém... pelos castelos que eu
erguii, / pelas flores de oiro e azul que a sol teci / numa tela de sonho que
estalou. / Maria das Quimeras me ficou; / com elas na minh’alma adormeci. /
Mas, quando despertei, nem uma vi, / que da minh’alma, alguém, tudo levou! /
Maria das Quimeras, que fim deste / às flores de oiro e azul que a sol
bordaste, / aos sonhos tresloucados que fizeste? / Pelo mundo, na vida, o que é
que esperas?... / Aonde estão os beijos que sonhaste, / Maria das Quimeras, sem
quimeras? O NOSSO MUNDO: Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos ; como um
divino vinho de Falerno! / Pousando em tu o meu olhar eterno / como possuam as
folhas sobre os lagos.../ Os meus sonhos agora são mais vagos.../ O teu olhar
em mim, hoje, é mais terno... / e a vida já não é o rubro inferno ; todo
fantasmas tristes e pressagos! / A Vida, meu Amor, quero vivê-la! / Na mesma
taça, erguida em tuas mãos, / bocas miúdas, hemos de bebê-la! / Que importa o
mundo e as ilusões defuntas? / Que importa o mundo e seus orgulhos vãos? /O
mundo, Amor!... As nossas bocas juntas! AMBICIOSA: Para aqueles fantasmas que
passaram, / vagabundos a quem jurei amar, / nunca os meus braços languidos
traçaram / o voo dum gesto para os alcançar... / Se as minhas mãos em garra se
cravaram / sobre um amor em sangue a palpitar... / - Quantas panteras bárbaras
mataram / só pelo raso gosto de matar! / Minha alma é como a pedra funerária /
erguida na montanha solitária / interrogando a vibração dos céus! / O amor de
um homem? – Terra tão pisada, / gota de chuva ao vento baloiçada... / Um homem?
– Quando eu sonho o amor de um Deus!... Poemas da poeta portuguesa Florbela Espanca (1894-1930). Veja mais
aqui.
A ARTE DE BILL BRANDT
A arte do fotógrafo alemão Bill Brandt (1904-1983).
&
Chamego
é bom, mas depois..., o pensamento
de Jiddu Krishnamurti & Edgar Morin, a fotografia de Nadav Kander
& a xilogravura de Perron
Ramos aqui.